Índice
Índice
A primeira vez que a jovem atriz Catarina Martins foi chamada pelo Bloco de Esquerda para ser ouvida numa reunião levava debaixo do braço um caderno reivindicativo que pretendia dar mais dignidade aos trabalhos precários, sobretudo na área da cultura. Era uma luta à qual dedicava grande parte do seu tempo livre. “Batia-me pelos direitos laborais dos precários em geral, mas a reunião com o partido tinha mais a ver com a área cultural”, explica, recordando o episódio ao Observador.
Entrou na sala com o objetivo de apresentar propostas para melhorar a precariedade no setor da Cultura. Esperava ter, do outro lado, o partido progressista com cujos membros já se tinha cruzado “noutras lutas”. Mas sentiu-se desarmada com a postura de uma pessoa do Bloco de Esquerda que não quis identificar. “Disse-me que compreendia que na cultura houvesse uma certa informalidade nos contratos laborais por haver uma grande cumplicidade entre os artistas“. Não quis acreditar no que acabara de ouvir. Depois do espanto, uma acesa discussão.
Antes do Bloco, Catarina Martins já votava à esquerda, mas variava. UDP, PSR ou até PCP. Nunca sentira a necessidade de levar a sua batalha para o plano partidário. Era através de movimentos cívicos que pretendia atuar, embora se revisse naquilo que o partido, então com pouco mais de cinco anos de vida – “não consigo precisar”, lamenta -, tinha vindo a fazer. “O meu espaço sempre foi o Bloco de Esquerda. Os seus eleitos eram os meus eleitos. Recordo-me de, quando João Teixeira Lopes foi eleito no Porto, ter sentido pela primeira vez que tinha contribuído para a eleição de alguém”, conta animada.
No final do encontro, Catarina Martins sentiu que tinha deixado claro o seu ponto de vista mas não deixou de ficar surpreendida quando, pouco tempo depois, o partido apresentou uma proposta para regular e dar dignidade ao trabalho precário nas artes. “Ainda há muito por fazer nessa área, mas foi importante”, reconhece. O debate tinha servido para mudar a posição inicial do partido, que fora mais longe ao apresentar uma iniciativa legislativa para suprir as falhas por ela denunciadas.
O exemplo é recordado pela líder do partido com algum orgulho. Na sua postura então e na reação do seu partido. “O Bloco é isto, ouve as pessoas, é um partido de diálogo, que aprende com o país”, explica. Assegura que, apesar de ter crescido exponencialmente desde este episódio, ainda hoje segue essa lógica de auscultação da sociedade. E dá o exemplo dos cuidadores informais, para quem o partido defende a criação de um estatuto. “Foi uma proposta construída em diálogo constante”.
A importância de ouvir a sociedade e de tentar estar ligado aos anseios sociais serve muitas vezes para unir as várias sensibilidades das esquerdas. Catarina Martins corrige: “O Bloco é a esquerda“. A líder do partido não nega o peso que as correntes fundadoras – com ideologias distintas – ainda têm no seio bloquista, mas entende que há cada vez mais pessoas a juntar-se ao partido pelas suas causas progressistas. Prefere ter um discurso de união, de agregação e que deixe acantonado o rótulo de que o BE é o resultado final da soma de várias partes da esquerda.
“O Bloco de Esquerda nasceu para ocupar um espaço político que já existia, mas que não tinha representação política“. A frase vai sendo repetida por todos quantos falam da fundação do partido, a 28 de fevereiro de 1999. Desde o início, o partido quis situar-se algures à esquerda do PS, mas longe da ortodoxia do PCP. O desafio não era fácil. Nenhuma força política tinha conseguido até então romper com a hegemonia dos quatro partidos fundadores da democracia. Os que foram conseguido furar fizeram-no apenas de forma momentânea, nunca duradoura. O caso do Bloco de Esquerda foi diferente.
O caminho que o partido percorreu ao longo dos últimos 20 anos até fazer parte de uma solução de Governo com o PS e com PCP não foi feito apenas de sucessos. Houve ruturas internas, dissidências de peso – e outras mais insignificantes -, derrotas eleitorais marcantes e, até, um escândalo político que manchou a sua imagem. O Bloco de Esquerda passou pelas dores de crescimento e esteve perto da divisão interna. Chegou a adivinhar-se um destino semelhante ao de outros que tentaram, mas não conseguiram jogar no mesmo tabuleiro que os grandes partidos. As notícias da sua morte vieram a revelar-se manifestamente exageradas.
Agora, é um partido que se afirma “pronto para governar” e que até já aponta quadros próprios como potenciais ministeriáveis. Pôs de lado parte do discurso de protesto, o tom mais radical que caracterizou o partido na fase mais inicial. Quer ser visto como um partido mais responsável e capaz de participar nas grandes decisões. Quando cumpre o seu 20º aniversário, o Bloco de Esquerda pode gabar-se de ser a terceira força no Parlamento, com 19 deputados, mas não deixa de notar que continua com grandes dificuldades em intrometer-se na política local. Afinal, o que foi e o que é hoje este partido?
O partido de protesto e da agenda fraturante
“O Bloco de Esquerda é pioneiro na Europa. No meio de uma esquerda fragmentada, apresentou-se como um espaço novo à esquerda. Este modelo serviu de exemplo para vários partidos da Europa”, vaticina a líder bloquista. Uma afirmação que casa perfeitamente com a que o fundador Fancisco Louçã disse esta quinta-feira à Lusa: “O que há de novo na esquerda europeia com sucesso são imitações do Bloco”.
Na década de 199o, havia em Portugal um conjunto de ativistas e de figuras de esquerda que estavam dispostos a encontrar uma plataforma onde pudessem amplificar a sua voz. Todas as organizações que até àquela altura tinham existido e que tinham tentado agregar as várias esquerdas que não se identificavam nem com o PS nem com o PCP nunca chegaram a convencer. “Era necessário criar uma força de esquerda que não estivesse impedida de ser um poder transformador“, explica ao Observador o deputado do BE José Manuel Pureza.
Foi assim que, em 1999, os três partidos mais relevantes desse espetro político decidiram juntar-se e avançaram para a criação de uma nova força que fosse capaz de agregar as várias sensibilidades sociais e políticas. O Partido Socialista Revolucionário (PSR), de Francisco Louçã e que assentava a sua matriz ideológica no trotskismo, a União Democrática Popular (UDP), de Luís Fazenda e que representava os maoístas, e a Política XXI, de Miguel Portas e que tinha uma orientação mais social-democrata, aliaram-se para formar o Bloco de Esquerda. Juntamente com outros movimentos mais pequenos e contando com outros quadros de relevo – como o historiador Fernando Rosas -, deram corpo a um projeto que tentava agregar todas as fações de uma esquerda disposta a ser capturada. A 28 de fevereiro desse ano – curiosamente também marcado por dois atos eleitorais de âmbito nacional: umas europeias e umas legislativas – consumou-se oficialmente a união.
Para o ex-dirigente bloquista Daniel Oliveira, esta agregação não foi bem uma “junção das extremas-esquerdas”. “Não é nem nunca foi, porque na prática elas já não existiam. Isso foi apenas um condicionalismo histórico“, argumenta em declarações ao Observador. O eleitorado que o Bloco de Esquerda pretendia conquistar estaria sempre disposto a sê-lo, já que não encontravam nos dois partidos do sistema a defesa dos valores em que acreditavam, como os direitos LGBT, o feminismo ou a liberdade individual. Assumiu-se como um partido das causas fraturantes. Era o primeiro a assumir frontalmente essa agenda.
“Mas não era só isso“, acrescenta Daniel Oliveira. “Tinha raízes históricas e políticas que vinham dos partidos fundadores e surgia também com as estruturas mínimas que vinham desses partidos”. Ou seja, apresentava-se como um partido novo, com a força mínima para surgir de forma organizada e com estrondo junto do eleitorado para quem falava, que era “jovem, urbano e dado às causas pós-modernas“, recorda o ex-dirigente que esteve no partido desde a sua fundação até o ter abandonado em 2013.
Certo é que havia pelo menos três grandes vias no partido que era preciso gerir. Ideologias e sensibilidades distintas que podiam facilmente entrar em choque. Algo que José Manuel Pureza não acredita que tenha sido um perigo real, já que, como conta, as pessoas que deram início ao Bloco de Esquerda “já se tinham encontrado em campanhas temáticas” e sabiam qual era a prioridade. “Claro que havia pontos de vista diferentes, mas o Bloco de Esquerda nunca enjeitou a sua pluralidade interna“, assegura o deputado, que é um dos membros mais antigos do partido.
Rapidamente, o partido da agenda fraturante entrou para o Parlamento. Nas legislativas do ano da sua fundação, o Bloco de Esquerda elegeu dois deputados: Francisco Louçã e Luís Fazenda. Na primeira sessão plenária, não quiseram sentar-se nos lugares que lhes foram atribuídos. Ficaram de pé, em protesto. Os assentos, além de não serem na primeira fila, não eram na extrema-esquerda do hemiciclo. Uma decisão que o partido não quis acatar. Esta primeira tomada de posição acabaria por definir o BE: um partido de protesto e assumidamente à esquerda mais à esquerda.
As dores de crescimento do Bloco de Esquerda
Com 10 anos de vida, o BE estava nos píncaros, depois de ter alcançado a maior vitória da sua curta história numas legislativas – 16 deputados – e por ter conseguido eleger, pela primeira vez, mais deputados que o PCP. “O Bloco de Esquerda sempre foi muito determinado pelo PCP porque, dos dois, nunca quis ser o mais moderado”, assegura Daniel Oliveira. Assim, esta ultrapassagem pela esquerda teve um impacto importante na concorrência silenciosa entre ambos.
A felicidade não durou muito tempo. Em 2011, em plena crise, o ex-primeiro-ministro José Sócrates não resistiu ao chumbo do já célebre PEC IV, pediu intervenção financeira externa e apresentou a demissão. Já esta quinta-feira, em entrevista à TSF, Catarina Martins considerou que o voto contra, ao lado do PCP e do PSD e do CDS, constituiu o pior momento da história do partido.
“O Bloco de Esquerda pagou por isso, até eleitoralmente”, disse aos microfones da rádio, embora garanta que o partido faria exatamente o mesmo, se fosse hoje.
Foram marcadas eleições legislativas antecipadas para junho desse ano. O PSD e o CDS saíram vencedores e formaram um Governo que ficou obrigado ao cumprimento do memorando da troika.
Houve dois grandes derrotados nessa noite: o próprio PS e o Bloco de Esquerda, que reduziu para metade o número de deputados – de 16 passou para oito. O resultado obrigou o partido a adaptar-se a uma queda cujo estrondo foi impossível de abafar.
Depois de uma reflexão interna, e quase um ano depois, Francisco Louçã anunciou que não ia recandidatar-se às eleições para líder do partido. “Cumpri estas funções durante dois mandatos e dei a cara pelo Bloco desde a sua fundação. Julgo que é tempo de uma renovação da representação pública do nosso movimento”, justificou então. Podia abrir-se uma solução para a sua sucessão, mas mais rápido do que na hora da saída, o fundador do Bloco de Esquerda apontava logo para uma potencial “liderança bicéfala”, dividida entre um homem e uma mulher.
Esta crise interna deixou mossa e um desconforto que se tornou visível com algumas dissidências. A primeira foi a de Rui Tavares, originário da Política XXI, mas eurodeputado independente eleito nas listas do Bloco às europeias de 2009. O afastamento do historiador, que veio depois a fundar o partido Livre, aconteceu depois de uma divergência direta com o coordenador do partido Francisco Louçã, que publicou na sua página de Facebook uma mensagem onde culpava Rui Tavares de ser fonte em duas notícias que davam como fundadores do Bloco Francisco Louçã, Miguel Portas, Luís Fazenda e Daniel Oliveira – em vez de Fernando Rosas. O historiador alegou que depois daquela publicação tinha perdido a “confiança pessoal e política” no líder do partido. Manteve-se como independente até ao fim do mandato, mas nunca mais voltou ao Bloco de Esquerda ou a admitir vir a ser candidato nas listas do partido.
Em março de 2013 foi a vez de Daniel Oliveira, por achar que o partido se tinha transformado num “fator de bloqueio, alimentando-se e alimentando o sectarismo”. Já em janeiro de 2014, Ana Drago anunciou a sua saída do partido, alegando dessintonias sobretudo no processo de convergências e alianças políticas.
“As divisões sempre lá estiveram, mas vieram ao de cima quando se assumiu uma posição perante a possibilidade de exercer o poder. A relação do Bloco de Esquerda com o poder é um dos seus maiores problemas“, reconhece Daniel Oliveira. Por outro lado, considera que as figuras que deixam o partido nunca chegam a ser uma grande mossa devido à relação que se estabelece quer com a comunicação social quer com os próprios dissidentes depois da desfiliação. “Nenhuma das saídas influenciou politicamente o Bloco. O BE tem sabido não alimentar essas crises”, concluiu.
Enquanto as saídas das personalidades de relevo no seio do partido não cessavam, o Bloco de Esquerda procurava definir-se internamente. A convenção de 2014 deixou exposta uma ferida que ainda hoje deve ser tratada com pinças: Pedro Filipe Soares e Catarina Martins terminaram praticamente empatados. A solução encontrada foi a de ter uma direção que representasse a divisão do partido, mas cuja porta-voz fosse Catarina Martins que já era coordenadora. A pacificação só chegaria em 2015, depois das legislativas que dariam início à “geringonça”.
Da Aula Magna ao caso Robles: o Bloco de Esquerda depois de Louçã
A relação com a sociedade civil e a preocupação por manter uma ligação entre o partido e movimentos cívicos foi sendo preservada ao longo destes 20 anos, mas intensificou-se, em parte, no período durante o qual Portugal esteve sob resgate financeiro. “O Bloco de Esquerda procura sempre o diálogo e é um partido aberto. Não é nada arrogante”, defende a ex-deputada bloquista Helena Pinto ao Observador. “Juntar vários movimentos em torno de uma causa, como a do combate à precariedade, não se pode fazer com arrogância“, argumenta.
Durante este período, houve vários momentos em que se viram deputados bloquistas nas ruas a protestar junto dos “Precários Inflexíveis” ou do “Que se lixe a troika!”. Este tipo de movimentos sempre tiveram uma importância grande para o Bloco de Esquerda. “O BE é uma plataforma em quem os ativistas confiam porque sabem que a nossa intervenção política não se limita ao Parlamento”, justifica Catarina Martins.
Mas há um outro fator: o facto de ter surgido como um partido revolucionário, que pretendia transformar o país, mas não contar com organizações sindicais capazes de mobilizar as ruas, obrigou o partido a encontrar vias alternativas. Este tipo de organizações cívicas, que em parte deram origem ao Bloco de Esquerda, serviram também para emprestar ao partido um cariz mais mobilizador e social. “Hoje o Bloco de Esquerda é um partido popular”, considera a líder bloquista. “Não tão grande quanto gostava, mas é sem dúvida um partido popular”.
No entanto, foi numa sala fechada e numa iniciativa organizada por um histórico socialista que o Bloco de Esquerda sentiu que, como nas suas origens, havia uma massa eleitoral de esquerda para quem o partido podia falar. Foi em maio de 2013. Mário Soares convocou a esquerda para se reunir na Aula Magna e “libertar Portugal da austeridade”.
“Foi um momento importante para o Bloco de Esquerda porque foi daqueles em que conseguimos estar onde tínhamos de estar“, recorda o deputado José Manuel Pureza. Mesmo a atravessar alguma indefinição na linha orientadora, figuras centrais do partido sentiram-se confiantes por terem visto uma sociedade aberta a esquerdas unidas contra um Governo que estava sujeito ao cumprimento de um resgate financeiro.
Hoje sabemos que essa maioria existiu, que o Bloco de Esquerda a apoiou, que o partido é a terceira força política no Parlamento e que superou o seu melhor resultado de sempre numas eleições legislativa. A mudança de postura e de líder acabaram por revelar-se útil nas urnas. Mas terá sido útil para o próprio partido?
“Acho que o Bloco de Esquerda aprendeu muito com esta experiência”, afiança Helena Pinto. “O eleitorado do BE foi aquele que mais gostou da ‘geringonça'”, vaticina Daniel Oliveira. “Somos poucos para o que queremos fazer, mas estamos preparados”, resume o líder parlamentar do BE, Pedro Filipe Soares. São várias as opiniões e todas elas diferentes. Ninguém parece estar arrependido por ter assinado a posição conjunta com o PS em novembro de 2015.
Nem mesmo Marisa Matias, que em Bruxelas muitas vezes nota as limitações da solução encontrada em Portugal. A eurodeputada do Bloco de Esquerda não tem dúvidas de que depois desta experiência o partido está mais preparado para o futuro. “Conseguimos ser irreverentes, mas também responsáveis“, resume ao Observador.
Este salto, poder afirmar-se “como um partido responsável” e isso significar um trunfo eleitoral, traz também o reverso da medalha. O Bloco entrou no circuito dos partidos do sistema e até já teve um caso de partido grande, o chamado “caso Robles”.
Agora, quase sete meses depois, Catarina Martins olha para esse momento e relativiza. “Houve uma pessoa que teve um comportamento incoerente porque a sua família estava a fazer um negócio privado que ganhava com a especulação imobiliária“, resume. Na política, diz, não se pode ter “uma prática contrária aquilo que se defende”. Foi um duro golpe para o partido no momento mas o Bloco de Esquerda recuperou. “Houve momentos de desaire mas conseguimos sempre dar a volta”, orgulha-se José Manuel Pureza.
A bicicleta de dois pedais, um institucionalista, outro radical
O caso de Ricardo Robles colocou-se sempre no plano moral e nunca no plano legal. Mas, ao Observador, Catarina Martins recusa que se trate de uma situação em que o Bloco de Esquerda tenha sido vítima de si próprio e do seu “discurso moral”. “Não somos moralistas, somos anti-capitalistas, que é diferente”, esclarece a líder do partido. E exemplifica: “Quando denunciamos a porta giratória entre o poder político e o poder económico não estamos a ser moralistas, estamos a ser anti-capitalistas. Isto não é um problema moral, é sistémico”, argumenta.
Se o assunto voltar na fase da campanha, os bloquistas dizem estar preparados. Há outros problemas que preocupam mais as figuras mais céticas do partido.
O deputado eleito por Braga, Pedro Soares, que faz parte da corrente interna crítica da direção Via Esquerda, fala de uma “institucionalização”. Reconhece a importância de o partido ter crescido e acredita que pode ir mais longe. Mas defende um outro rumo. “O Bloco de Esquerda tem de dar mais passos para se afirmar no interior e precisa de uma maior intervenção local”, sugere. Para o parlamentar, o caminho que tem sido seguido está a condenar o partido a uma excessiva institucionalização e tem deixado de parte o eixo mais radical. “É como se fosse uma bicicleta: tem dois pedais – um institucionalista e outro radical. Mas só anda se usarmos os dois“, explica.
Apesar de ser aquilo que se pode considerar um crítico interno – já que defende uma via alternativa embora na última convenção tenha apoiado Catarina Martins -, entende que o Bloco de Esquerda é “uma das maiores conquistas da democracia portuguesa”. “É um partido que deu um caráter popular e político à esquerda“, orgulha-se. O facto de o partido não estar enraizado em todo o país e de não entrar nas contas da política local é também um defeito que o líder parlamentar aponta ao seu partido. Pedro Filipe Soares entende que o Bloco de Esquerda tem de crescer também em autarquias nas quais “ainda não conseguiu penetrar de forma a poder massificar o partido”.
Esta é, de resto, uma crítica que vem de há muito tempo. Quase desde o início do Bloco de Esquerda que tem sido uma preocupação. O ex-dirigente Daniel Oliveira aponta esse como um dos principais problemas do BE. Outro é “o peso que as correntes fundadoras ainda têm no partido”. Uma crítica que vem desde o tempo da sua dissidência, quando apontou como um dos argumentos para justificar a sua saída o facto de Francisco Louçã ter saído mas ainda controlar o aparelho.
Apesar das críticas relativas ao peso das correntes fundadoras, a líder bloquista assegura que elas não têm um peso tão grande atualmente como chegaram a ter no passado. “Eu própria sou exemplo disso, que entrei e fui convidada para integrar as listas do Bloco de Esquerda como independente e não pertenço a nenhuma dessas correntes internas”, explica. Chegou em 2009, pela mão de Louçã, como independente ao Parlamento. O Bloco de Esquerda tinha então dez anos. Dez anos depois, é líder incontestada do partido e prepara-se para a sua segunda ida às urnas como líder do partido. Com ela, leva um património de 20 anos de história.
Um partido liderado por mulheres
Miguel Portas estava na sua segunda campanha eleitoral para as eleições europeias. Em 1999, este fundador do Bloco de Esquerda falhara a eleição quer para o Parlamento Europeu quer para a Assembleia da República. Ficou sempre perto de ser eleito, mas os votos nunca foram suficientes. Em 2004, voltava a tentar ir para Bruxelas como cabeça-de-lista pelo partido. O BE já tinha crescido no Parlamento e contava com três deputados. Faltava entrar na Europa.
Uma das preocupações era a causa ambiental e ecológica. Antes da visita a um aterro sanitário, inserido na campanha eleitoral, Miguel Portas foi almoçar com José Manuel Pureza e uma jovem ativista tinha contactado o Bloco de Esquerda para denunciar aquilo que entendia ser “um crime ambiental”. Chamava-se Marisa Matias. O dirigente bloquista ouviu a ambientalista, mas questionou algumas das suas afirmações. Então com 28 anos, e perante uma figura reconhecida nacionalmente, Marisa Matias não se vergou. O debate foi subindo de tom. “O restaurante ficou todo a olhar, o que vale é que era pequenino”, recorda José Manuel Pureza.
Depois de serenarem os ânimos, seguiu-se a dita visita. Miguel Portas ouviu especialistas e ambientalistas. No fim, em declarações aos jornalistas, não teve pruridos em classificar o que acabara de ver como “um crime público”. Marisa Matias ouviu com espanto, mas com satisfação. A posição tinha mudado radicalmente e sentiu que a discussão que tivera tinha contribuído de forma determinante para esse volte-face.
Já sem os holofotes mediáticos em cima, Miguel Portas confessou a José Manuel Pureza a impressão com que tinha ficado da jovem ambientalista. “Esta miúda faz-se”, disse. Nesse ano, o Bloco de Esquerda conseguiu eleger um eurodeputado pela primeira vez. Cinco anos mais tarde, elegeu três. Dois deles foram, precisamente, Marisa Matias e Miguel Portas.
A eurodeputada é atualmente uma das figuras mais importantes e proeminentes do partido. Assim como a coordenadora do BE, Catarina Martins, ou como a mediática Mariana Mortágua. Um poder exercido por mulheres e que é muitas vezes catalogado como arrogante. “Firme, mas não arrogante”, explica Helena Pinto. “O facto de as dirigentes – e falo no feminino de propósito – serem assertivas faz com que lhes seja colada a etiqueta da arrogância. Mas não podiam estar mais errados. O Bloco sempre foi capaz de ouvir e agregar”, conclui.
Catarina Martins não sabe quanto tempo ficará à frente do partido. Mas não tem dúvidas de que quando quiser sair, o Bloco de Esquerda estará pronto para a substituir. A constante renovação geracional, de que Francisco Louçã tanto falou na última convenção, permite à líder do partido ficar tranquila: “Se me fosse embora hoje ficavam aqui boas soluções”, garante. Para já, o objetivo “é continuar a crescer” e ir somando. Quanto a idas para o Governo, logo se vê. “Depende da força que os portugueses nos derem”, diz.