Empresas escolhidas a dedo, sem contratos com qualquer outra entidade do Estado, derrapagens orçamentais enormes e alegadas contrapartidas oferecidas a decisores de forma a não deixar rasto — como supostas remodelações em casa de Alberto Coelho. São estas as suspeitas dos investigadores da “Operação Tempestade Perfeita”. Os desfasamentos nos custos da adaptação do Hospital Militar de Belém, transformando-o num centro para o tratamento da Covid, há muito que eram conhecidos e os contratos celebrados entre as empresas RomaPremium, Weltbauen e TRXMS e a Direção-Geral de Recursos da Defesa Nacional também estão disponíveis a qualquer cidadão, mas terão sido escutas telefónicas e outras diligências que permitiram aos investigadores da Polícia Judiciária e do Ministério Público consolidar algumas das evidências até aqui recolhidas sobre como se processaram as alegadas contrapartidas aos decisores públicos.
Segundo um levantamento feito pelo Observador, entre 2019 e 2020, a RomaPremium, a Weltbauen e a TRXMS conseguiram adjudicações desta entidade pública de valor superior a 4,1 milhões de euros (com IVA) — a primeira com seis contratos que totalizaram perto de 374 mil euros, a segunda (com cinco contratos) conseguiu mais de 1,5 milhões e a última, com seis contratos, somou 2,2 milhões. Ainda que todas estes contratos estejam a ser passados a pente fino pelos investigadores, no centro das suspeitas estão 3,2 milhões de euros (com IVA) em adjudicações a estas sociedades para a reconversão do hospital militar.
Nenhuma destas aquisições foi feita através de concurso público, mas sim através de ajustes diretos ou de consultas prévias. E, em alguns casos, nem sequer se publicou o contrato celebrado entre as partes — quer seja por invocação da “segurança pública interna ou externa”, quer seja por motivos de urgência imperiosa resultante de acontecimentos imprevisíveis pela entidade” ou até porque o valor da adjudicação não ultrapassava os 75 mil euros.
O Observador sabe que o Ministério Público acredita que parte dos valores que saíram dos cofres públicos acabaram por ser usados para benefício de responsáveis das empresas, assim como de decisores públicos, com especial destaque para Alberto Coelho, cuja casa terá sido alvo de intervenções nos últimos tempos. Obras que, suspeita a investigação, são na prática favores de milhares de euros.
Além de Alberto Coelho, esta terça-feira foram também detidos Francisco Marques, diretor de Serviços de Infraestruturas e Património, Paulo Branco, ex-diretor de gestão financeira do Ministério da Defesa Nacional (que tinha sido exonerado em maio de 2021), e dois empresários do setor da construção civil.
As buscas e detenções aconteceram em vários pontos do país em simultâneo — Lisboa, Porto, Almada, Alter do Chão e Comporta — e contaram com a participação de cerca de duas centenas de inspetores da PJ, além de um magistrado judicial e dois procuradores do Ministério Público.
Ao todo o processo conta, neste momento, com 19 arguidos, suspeitos da prática de crimes de corrupção ativa e passiva, peculato, participação económica em negócio, abuso de poder e branqueamento. As medidas de coação só deverão ser conhecidas na próxima sexta-feira.
TRXMS: a empresa de cabeleireiros e roupa que se transformou numa construtora
A auditoria interna da Inspeção-Geral do Ministério da Defesa Nacional feita no final de 2020 concluía que os dois ajustes diretos à construtora TRXMS, publicados em abril de 2020 no portal Base, relativos ao hospital militar têm erros no procedimento concursal, ainda que aceite como correta a escolha da modalidade de ajuste direto. Um dos contratos teve o valor de 750 mil euros e outro de 819 mil. Esta adjudicação ‘a dois tempos’ aconteceu porque foi preciso “colmatar necessidades posteriores identificadas pelo exército”, explicita a mesma auditoria.
Mas afinal que empresa é esta? A vida da TRXMS começa muito longe do mundo da construção. Segundo os registos de constituição da empresa, disponíveis online, foi criada em novembro de 2017 com o nome TertúliaRelax – Estética Lda e tinha como capital 500 euros e o objeto era “salão de cabeleireiro, instituto de beleza, compra e venda de roupa”. É esta empresa à data com dois sócios (Manuel Santos Sousa e a RBNJ -construtora, Lda) que um mês depois faz uma alteração ao contrato de sociedade, mudando a sua atividade para “administração de imóveis e condomínios, prestação de serviços de limpeza geral em edifícios, higiene, manutenção, assistência e outras atividades em edifícios e equipamentos industriais”. Além disso, consta que se dedica ao “fornecimento de produtos relacionados com os serviços prestados aos condóminos, às empresas na área da gestão de bens imóveis e à construção, remodelação e manutenção de edifícios”.
A empresa começou a celebrar contratos com a administração pública exatamente dois anos depois — com a Direção-Geral de Recursos da Defesa Nacional, na altura já liderada por Alberto Coelho e que assina com o próprio punho o contrato firmado entre as partes. Em causa estava uma empreitada de reabilitação e conservação dos imóveis em Aveiro, no valor de cerca de 30 mil euros (sem IVA) — na prática foram contratadas obras para vedação e emparedamento de lotes e imóveis. Seria o primeiro de seis.
Ainda no mesmo mês de dezembro de 2019 foi publicado um outro contrato entre a empreiteira e a mesma entidade para a reabilitação e conservação dos imóveis identificados em Setúbal. Desta vez, a adjudicação com consulta ao mercado valeu um contrato de 52 mil euros.
A intervenção no hospital militar corresponde aos dois contratos seguintes, publicados em abril de 2020, com a seguinte descrição: “Empreitada para realização dos trabalhos de Edificação de uma Base Assistencial de Reforço ao SNS — Reativação da Funcionalidade do Ex-Hospital Militar de Belém”. Mas não é anexado qualquer contrato relativo a estes trabalhos e que totalizam mais de 1,5 milhões de euros, o que foi justificado pelo adjudicante com dois artigos do Código dos Contratos Públicos: “Artigo 95.º, n.º 2, c), por motivos de urgência imperiosa resultante de acontecimentos imprevisíveis pela entidade, é necessário dar imediata execução ao contrato; Artigo 95.º, n.º 2, a), a segurança pública interna ou externa justifica-o”.
No final do mesmo ano, a TRXMS ganhou as obras para a reconstrução e Conservação referente à Caserna 112 da Base Aérea 11 Beja — Cobertura e Impermeabilização (ajuste direto de cerca de 30 mil euros, sem IVA); e ainda para a “reconstrução e Conservação referente ao Edifício de Alojamento das Praças do Corpo de Fuzileiros” (uma adjudicação de 135 mil euros). Foi publicado em novembro de 2020, meses antes da saída de Alberto Coelho daquela direção-geral, em junho de 2021.
Weltbauen: a construtora que não tinha alvará para as obras que fez
A empresa Weltbauen foi criada em 2010, nove anos antes de ganhar a sua primeira adjudicação, por consulta prévia. Desde o início que tem como objeto a “realização de estudos, projetos, fiscalizações, construção e comercialização de produtos relacionados com a construção civil e engenharia”.
Em 2020 a empresa foi escolhida para executar parte da empreitada no Hospital Militar, ficando com os trabalhos mais especializados, como deteção de incêndios e outros: o preço contratual foi 961.557,46 euros (sem IVA). Apesar disso, tal como já conclui a auditoria interna a empresa não dispunha de alvará para valor das obras contratualizado.
Olhando para trás, verifica-se que em 2019 fez um contrato com a direção-geral dirigida por Alberto Coelho, para “obras e restauração do Auditório e WC do Regimento de Infantaria n.º 1 — Destacamento de Tavira”, por 74.595 euros (valor sem IVA). No final do mesmo ano, é publicado um outro contrato entre a empresa e a entidade pública: um ajuste direto de 29.800 euros (sem IVA) para “reparação e reconstrução do Edificado em degradação e emparedamento e reabilitação de muros e cercas divisórias com portões no distrito de Évora”.
As outras duas adjudicações, que completam as únicas cinco que a empresa tem com o setor público, aconteceram depois das obras no hospital militar: uma com consulta prévia de 145 mil euros para “aquisição de serviços de segurança manutenção e conservação […] do Trem do Ouro e da […] “Casa do Lordelo do Ouro, 278 e 280”, no Porto. E uma outra, por ajuste direto, com preço contratual de 29.500 euros (sem IVA) para a reparação das casas de banho do quartel de cavalaria em Santa Margarida.
RomaPremium: a empresa que nasceu a meses da pandemia
A RomaPremium tem como objeto a prestação de serviços de consultoria, engenharia, construção civil, fiscalização de obras, compra, venda e importação de materiais, equipamentos e maquinaria de construção civil, assim como de restauro de mobiliário e manutenção de ar condicionado e canalizações, foi criada em março de 2019 — e tinha à data da constituição três sócios: Francisco Duarte, Maria Vieira Machado e Paulo Vieira Machado.
A consultora foi, das três, a que teve um contrato menos significativo na reconversão do hospital militar de Belém para resposta à Covid-19 — um ajuste direto de 67.500 euros. Supostamente para fiscalizar a obra das outras da TRXMS e da Weltbauen. “Não obstante, este procedimento denotou as seguintes fragilidades”, considerou desde logo a auditoria interna realizada em 2020. “A necessidade de contratar não se encontra suficientemente alicerçada, porquanto o acompanhamento da obra foi realizado pela Equipa de Gestão (designada pelo Exército) e pela DGRDN, que dispunha de um engenheiro para o efeito. Acresce que esta empresa não exerceu a atividade típica de fiscalização de obra, porquanto não efetuou a medição dos trabalhos executados (autos de medição), a vistoria final ou a receção provisória da obra”.
A auditoria é mesmo arrasadora: “A natureza dos trabalhos realizados, que se traduzem em serviços de consultoria na área da engenharia, não se afigura enquadrável no âmbito de aplicação do n.° 1, do DL n.º 10- A/2020, de 13 de março, porquanto não respeitam à prevenção, contenção, mitigação e tratamento de infeção epidemiológica por Covid-19, bem como à reposição da normalidade em sequência da mesma.” Daí decorre, conclui a auditoria, que a escolha do procedimento por ajuste direto, ao abrigo do regime excecional de contratação, não tenha sido a correta.
Os auditores avançam mesmo que, “considerando os montantes envolvidos”, o procedimento a adotar deveria ter sido a consulta prévia, com convite a pelo menos três empresas. Além disso, não foi demonstrada a autorização prévia da tutela para a celebração do contrato.
Mas antes da Covid, a empresa tinha já celebrado contratos com a direção-geral liderada por Alberto Coelho: um ajuste direto de 17.500 euros (sem IVA) e três adjudicações por consulta prévia para realização de projetos de engenharia por 40 mil euros cada (sem IVA) — todos no ano da sua constituição.
Depois da fiscalização da obra no hospital militar, a Direção-Geral de Recursos da Defesa Nacional fez uma nova adjudicação, publicada no portal da contratação em dezembro de 2020, por 99.753 euros (valor sem IVA). Neste último contrato estava em causa a aquisição de obras de reabilitação e conservação no Palácio Bensaúde, em Lisboa.
Auditoria de 2020 expôs ilegalidades de diretor-geral da Defesa
O processo que culmina com a detenção de Alberto Coelho nasce pela mão da tutela: a mesma tutela que exige uma solução quase imediata para dar resposta aos efeitos da pandemia é aquela que, pouquíssimos meses depois, ordena uma investigação aos gastos avultados (quase quatro vezes superiores ao valor inicialmente estimado) para reabilitar um hospital militar que pudesse acolher doentes com Covid-19. E Alberto Coelho é apanhado no olho do furacão, suspeito de ter desviado parte das verbas para proveito próprio.
Em março de 2020, o país começava a lidar com os primeiros efeitos da pandemia provocada pela disseminação do novo coronavírus. E, nesse contexto, o Hospital Militar de Belém — uma estrutura que, embora precisasse de obras, não exigia uma intervenção profunda — apresentava-se como um local capacitado para “alojar cidadãos em situações críticas de gravidade ligeira ou assintomática, de pessoas socialmente frágeis ou sem capacidade familiar para realizar quarentena corretamente”.
Logo no dia 19 desse mês, o então ministro da Defesa, João Gomes Cravinho, assinou um despacho onde determinava que, “atendendo à situação de emergência” que se vivia, a intervenção no edifício do Hospital Militar de Belém devia “começar com toda a celeridade”. Era preciso garantir disponibilidade de camas para internamento de futuros doentes “o mais rapidamente possível”. E as obras, referia o mesmo documento, deviam ser as “mínimas para atingir o objetivo”.
No dia seguinte, começavam as obras — e também a sucessão de acontecimentos que faria disparar alarmes no Ministério da Defesa, com suspeitas de violação da lei que levariam o então secretário de Estado Adjunto e da Defesa, Jorge Seguro Sanches, a instruir a Inspeção-Geral de Defesa Nacional (IGDN) para realizar uma auditoria aos atos praticados pelo Diretor-Geral de Recursos da Defesa Nacional, Alberto Coelho. Entre outras conclusões, a auditoria viria a confirmar a existência de várias “inconformidades legais” no processo.
No documento, os inspetores sublinham a “falta de evidência do pedido expresso à tutela para autorizar a despesa” e a “ausência de competência por parte do DGRDN para autorizar despesa” nos montantes em causa (3,2 milhões de euros, quando o valor inicial era de 750 mil euros), ausência de poderes para “escolher as entidades a convidar, aprovar as peças do procedimento e decidir a adjudicação”; também não encontraram na documentação consultada o “projeto de execução”; o objeto do contrato foi “defeituosamente definido”; as faturas, “embora conferidas, não se encontravam suportadas por autos de medição”; e a própria “comunicação das adjudicações aos membros do Governo responsáveis pela tutela e pela área das finanças não foi evidenciada”.
Além disso, “a necessidade de contratar a fiscalização da obra não foi suficientemente alicerçada”; o procedimento foi concretizado sem que houvesse “convite ou caderno de encargos”; e o próprio financiamento da obra, com verbas da Lei de Infraestruturas Militares, não estava inscrito nessa legislação.
A lista de “inconformidades legais” era, como se percebe, bastante extensa. Mas, mesmo com esse documento na mão — e recusando-se a tornar públicas as conclusões da auditoria —, João Gomes Cravinho saiu em defesa do seu diretor-geral.
“Eventuais irregularidades.” A audição em que Cravinho defende ex-diretor (e explica nova nomeação)
Julho de 2021. Mais de um ano depois de estarem concluídas as obras no Hospital Militar de Belém, e seis meses depois de conhecer as conclusões da auditoria que destrói a forma como Alberto Coelho geriu as obras naquela infraestrutura, João Gomes Cravinho é ouvido no Parlamento.
Nesse momento, o ministro já tinha optado por não reconduzir Alberto Coelho na DGRDN. Mas a decisão estava longe de ser sustentada pelas irregularidades no dossier das obras no hospital militar. Na sua edição online, o Expresso contava esta quarta-feira como João Gomes Cravinho defendeu o então ex-diretor geral da Defesa.
“Trata-se de uma pessoa com quatro décadas de experiência no Ministério da Defesa, uma pessoa válida e bem conhecida por todos os que trabalham nesta área, e cuja utilidade para o ministério não se tinha esgotado”, argumentou o responsável pela tutela, depois de ser confrontado pelo deputado Carlos Eduardo Reis (PSD) com aquilo que considerava ser uma “imprudência” na posterior nomeação de Alberto Coelho para a presidência da ETI — Empordef Tecnologias de Informação, uma empresa detida a 100% pelo Estado.
Mais do que isso. Na Comissão de Defesa, Cravinho argumentou que o desvio no custo total das obras, bem acima dos 750 mil euros iniciais, se explicava “com o aumento do volume das obras” e não “com um aumento de custo para a mesma obra”.
“Uma coisa é o desvio em relação àquilo que foi inicialmente previsto”, enquadrou o ministro, “outra coisa é uma derrapagem de custo”, que foi “sensivelmente três vezes mais do que o inicialmente previsto porque as obras foram muitíssimo mais amplas do que inicialmente pensado”.
Perante os deputados à Assembleia da República, João Gomes Cravinho relativizou o caso, referindo-se a “eventuais irregularidades” na adjudicação da empreitada às três empresas que realizaram a obra no hospital. Quando, de facto, a auditoria se referia expressamente à existência de “inconformidades legais”, apontando-as diretamente a Alberto Coelho.
Essas informações não travaram, porém, a nomeação do antigo DGRDN para a Empordef. Uma nomeação que, conta o Expresso, foi o próprio ministro quem explicou na audição de julho de 2021 e que aconteceu a pedido de Capitão Ferreira — atual secretário de Estado da Defesa mas que, à época, presidia à IdD — Indústrias de Defesa. Essa explicação motivou, aliás, novo elogio de Cravinho a Alberto Coelho. “Os desafios que essa empresa tem e as qualidades que o dr. Alberto Coelho traz são adequados um para o outro. O que está a ser promovido e entendido é o interesse público.”
Mas o então ministro não se limitou a defender o antigo diretor-geral do seu ministério. Apesar de já ter remetido o documento ao Tribunal de Contas — que viria a aplicar uma coima de 15 mil euros a Coelho pela gestão do processo —, Cravinho resistiu a tornar públicas essas informações, obrigando a um recurso para a Comissão de Acesso a Documentos Administrativos, que determinou a desclassificação da auditoria por parte do Ministério da Defesa.
O “sobrevivente” dos muitos ministros da Defesa
Já mais recentemente, no verão deste ano, quando deixou a presidência da empresa pública de tecnologia, ETI, e um ano depois de sair do todo poderoso lugar de Diretor-Geral de Recursos da Defesa Nacional, Alberto Coelho fez questão de transmitir uma mensagem aos seus muitos contactos profissionais de uma vida inteira: ia dar o passo para a reforma, estava na hora de arrumar a pasta. Atrás de si ficava uma longuíssima carreira ligada à estrutura de Defesa do país, como civil. Uma carreira que começou ainda em 1976, quando assumiu as funções de secretário do Conselho da Revolução, já como militante do CDS e num período em que a gestão política do país estava nas mãos dos militares.
Mas o primeiro grande salto foi-lhe proporcionado em 2002. Nesse ano, o então ministro da Defesa de Durão Barroso, Paulo Portas, nomeou-o Diretor-Geral de Pessoal. Esteve cerca de 12 anos nessas funções e, a partir de 2015, viu o seu poder sair reforçado com a liderança de outras duas áreas fundamentais do universo da gestão militar – a do Património e a do Armamento. Foi o resultado de uma reconfiguração da estrutura do ministério posta em marcha pelo ex-ministro José Pedro Aguiar-Branco.
Na prática, ao longo dos últimos 18 anos, dependeu do gabinete de Alberto Coelho a gestão de dossiês que iam da definição da estratégia de recrutamento militar dos três ramos das Forças Armadas à manutenção das infraestruturas do Exército, Força Aérea e Marinha espalhados pelo país, como ainda ao acompanhamento dos processos de contratualização de armamento militar (uma das áreas que mais milhões movimentam no país, fruto dos elevados custos associados à aquisição de equipamentos e armamento).
E em todas essas áreas o homem-forte da estrutura de Defesa nacional tinha uma intervenção direta e permanente.
“Sempre foi uma pessoa que gostava de mandar, queria controlar os processos” que passavam obrigatoriamente pelo seu gabinete, descreve ao Observador um antigo governante que se cruzou com Alberto Coelho no Ministério da Defesa, mas que preferiu não ser identificado precisamente pelas funções que exerceu naquela área. O mesmo governante considera que, pela dimensão das responsabilidades que foram sendo anexadas àquele lugar na estrutura da Defesa (e que se foram avolumando com os anos), “haverá pouca gente em Portugal com capacidade técnica para assegurar essa gestão”.
Alberto Coelho foi assegurando essa gestão e, na opinião de alguns dos que passaram pela pasta da Defesa, as suas capacidades nunca suscitaram dúvidas. “Era indiscutível”, diz ao Observador o antigo ministro da Defesa Azeredo Lopes. “Dificilmente seria possível conceber alguém que pudesse desempenhar aquelas funções, com um conhecimento tão profundo dos concursos, do trabalho de gabinete” e que estivesse mais perfilado para o lugar, admite o antigo governante, que assumiu funções durante três anos, entre 2015 e 2018. “Nunca vi ninguém que contestasse [essa capacidade], ninguém que dissesse que não transportava consigo esse património”, sublinha.
Azeredo Lopes chegou como independente ao primeiro Governo de António Costa. Antes dele, passaram pela Defesa ministros de várias cores e sensibilidades políticas, do CDS ao PSD, e também do PS que se cruzaram com Alberto Coelho: Paulo Portas (CDS), Luís Amado, Nuno Severiano Teixeira e Augusto Santos Silva (em governos PS), José Pedro Aguiar-Branco (PSD), Azeredo Lopes e, finalmente, João Gomes Cravinho.
Um técnico “muito bem informado”, alguém que apresentava “informação muito rapidamente”, um “elemento da casa”, “empenhado em todos os processos”, descreve quem com ele se cruzou. “Um autêntico serviço de informações”, acrescenta um ex-secretário de Estado. Se havia uma crítica que lhe por vezes lhe era lançada era a de “atrasar os processos”, pelo nível de micro-gestão de que não abdicava. Conhecia toda a gente, sabia de tudo, estava envolvido em tudo. “Passava tudo, tudo, tudo pelas mãos dele. E como o poder político quer resultados, descansava, pensava: ‘Está aqui alguém que resolve’”, resume este antigo governante ao Observador.
Ainda antes de chegar a Diretor-Geral do Pessoal, em 2022, percebia-se que Alberto Coelho conseguia gerar confiança entre os titulares da pasta. Um antigo deputado com assento na Comissão de Defesa da Assembleia da República recorda ao Observador o período em que Rui Pena assumiu as funções de ministro da Defesa (julho de 2001 a abril de 2002, no governo de António Guterres) e que chamou para seu adjunto Alberto Coelho. “Não era secretário de Estado, mas tinha lugar garantido nas reuniões de secretários de Estado daquele governo.” Logo a seguir veio a primeira nomeação para Diretor-Geral de Pessoal. E, daí em diante, uma longa carreira ao mais alto nível na estrutura de topo da Defesa. “Todos os outros se foram embora, não ficavam mais de dois três anos” nas posições de chefia para que eram nomeados. Ele não. “Chegou ao topo e sobreviveu”, recordam várias fontes da área da Defesa.
O primeiro tropeção com projeção pública, porém, aconteceria quase duas décadas depois de chegar ao topo da carreira no ministério — e culminaria nas detenções da última terça-feira, no âmbito da operação “Tempestade Perfeita” da Polícia Judiciária.