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As mulheres tendem a atribuir o sucesso à sorte e os homens a reagir pior a críticas negativas: como a síndrome do impostor afeta os géneros

Há mais mulheres que se consideram fraudes e que atribuem o seu sucesso ao acaso. Já os homens reagem pior em condições de feedback desfavorável. De que formas a síndrome do impostor afeta os géneros?

Em 1978, duas psicólogas norte-americanas publicaram um trabalho de investigação desenvolvido ao longo de cinco anos que acompanhou mais de 150 mulheres bem sucedidas nos seus campos. “Mulheres inteligentes, capazes, realizadas, que duvidam que tenham merecido o seu sucesso, que sentem que o seu sucesso e conquistas foram o resultado da sorte. Preocupam-se que isto seja descoberto e que sejam expostas como impostoras.” Essas psicólogas eram Pauline Clance e Suzanne Imes, as primeiras a chamar a isto o “fenómeno do impostor”. Hoje, o conceito é conhecido como a síndrome do impostor.

Esta “experiência interna de se ser um impostor intelectual”, como o designaram as investigadoras há 45 anos, pode afetar todos os trabalhadores, mas tudo aponta para que continue a prevalecer entre o sexo feminino. “Ainda afeta mais as mulheres, sim”, confirma ao Observador Cristiana Pereira, psicóloga clínica na Oficina da Psicologia desde 2011. Cristiana trabalha com a população adulta, com especial incidência em questões relacionadas com as perturbações de ansiedade e stress, tipicamente associadas à síndrome do impostor.

Por que é que afeta mais as mulheres?

Diferentes fatores como a educação, o contexto familiar e os condicionamentos culturais e sociais explicam a maior incidência do fenómeno entre a população feminina, que está em maior risco de exposição a crenças de inadequação, muitas delas associadas a estereótipos de género: de que as mulheres não são competentes, de que têm menos capacidades intelectuais do que os homens ou de que são demasiado emotivas.

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Se as figuras educativas forem inseguras, naturalmente podem passar a ideia de que o mundo profissional é perigoso e competitivo.
Cristiana Pereira, psicóloga clínica

“A síndrome do impostor tem muito a ver com as crenças centrais que temos acerca de nós. Se eu acho que não sou suficientemente capaz, é natural que no meu dia a dia vá confirmando esta crença acerca de mim própria”, explica Cristiana Pereira. “Essas crenças centrais podem resultar da nossa experiência e aprendizagem. Se as figuras educativas forem inseguras, naturalmente podem passar a ideia de que o mundo profissional é perigoso e competitivo.”

Estas mulheres, acrescenta, “vêm geralmente de famílias onde não se cultiva muito a autoestima ou que são mais ansiosas no seu funcionamento“, acabando por conferir uma “ansiedade de desempenho” ao contexto profissional. “Às vezes não é passada com más intenções, tem a ver com a aprendizagem e experiências de vida das próprias pessoas, que acreditam, por exemplo, que não podem falhar para conseguirem dar de comer às suas famílias.”

A falta de representação no contexto laboral

De acordo com o World Economic Forum, em 2022 as mulheres representavam apenas 31% dos cargos de liderança nos 155 países analisados, embora estes números variem entre indústrias. A falta de representação de mulheres e minorias em cargos de poder pode ser um fator de risco? “Naturalmente. A pessoa pode achar que é diferente, que as outras pessoas não se identificam com ela”, responde a psicóloga, que já apresentou palestras dirigidas a mulheres que trabalham na indústria tecnológica, “supostamente mais virada para os homens, pelo que é um contexto mais rico para se sentirem impostoras.”

Um estudo recente da KPMG concluiu que 75% das mulheres em cargos executivos já experienciou síndrome do impostor. Quase metade (47%) das 750 mulheres interrogadas responderam que o mesmo se devia a nunca terem esperado conquistar o nível de sucesso a que chegaram. Há mais de 40 anos, Clance e Imes apontavam para estudos que indicavam que as mulheres têm expetativas mais baixas em relação às suas perfomences, capacidades e, consequentemente, em relação ao quão longe podem chegar nas suas carreiras.

Os homens e a síndrome do impostor

“Ultimamente, têm surgido em consulta muitos homens que já trazem esta referência da síndrome do impostor”, conta a psicóloga. Existem algumas evidências de que aquilo que separa os géneros nesta temática não é tanto a incidência, mas a forma complexa como a mesma expressa. Os resultados de um estudo publicado em 2018 indicam que os homens que sofrem de síndrome do impostor reagem de forma significativamente mais negativa em condições de feedback desfavorável e elevada responsabilidade.

As mulheres tendem a sentir o sucesso como algo que é atribuído à sorte, a acreditar que as coisas só correm bem por acaso e, por isso, até evitam desafios ou ouvir críticas, com receio de confirmarem aquilo que sentem que são — impostoras.
Cristiana Pereira, psicóloga clínica

No estudo de Clance e Imes, teorizam que as mulheres tendem a atribuir os seus sucessos a fatores temporários — como a sorte ou o esforço — enquanto que os homens têm maior probabilidade de os atribuir aos fatores internos e inerentes a si mesmos, como a capacidade. Cristiana Pereira desenvolve esta noção: “As mulheres tendem a sentir o sucesso como algo que é atribuído à sorte, a acreditar que as coisas só correm bem por acaso e, por isso, até evitam desafios ou ouvir críticas, com receio de confirmarem aquilo que sentem que são — impostoras —, enquanto que os homens sentem muito mais a síndrome do impostor perante feedbacks negativos ou quando acham que o seu desempenho vai ser posto em causa perante alguma figura de autoridade como o chefe, por exemplo.”

“Há muito receio de falhar e ansiedade”, explica. “Tem muito a ver com as questões da sociedade. É suposto o homem no contexto de trabalho saber o que tem de fazer. Parece que tem de já ter aprendido como é que o seu trabalho tem de ser feito. Por isso é que me parece que faz sentido que, relativamente aos homens, exista muito mais ansiedade relativamente a receber feedback negativo.”

Para a psicóloga, os condicionamentos da sociedade podem travar os trabalhadores do sexo masculino na hora de exporem as suas preocupações. “Historicamente, os homens nunca expuseram muito aquilo que sentiam. Agora começam a fazê-lo mais. Vemos isso, por exemplo, no aumento de pedidos de consulta de psicologia em relação a antigamente, o que nos pode dizer que os homens já têm mais abertura para falarem sobre os seus sentimentos e emoções, o que naturalmente nos abre caminho para esta reflexão, de que se calhar há muitos mais que também sofrem desta síndrome.”

Se acho que sou uma fraude, vou esconder-me para os outros não me descobrirem. Isso faz com que me descredibilize a mim própria, o que é um bocadinho contraditório.
Cristiana Pereira, psicóloga clínica

O medo de falar e o ciclo vicioso

Quem sofre de síndrome do impostor tende a esconder-se sobre si mesmo, com medo de ser exposto enquanto a fraude que acredita ser. Há quem não conheça o conceito e acredite mesmo que é a única pessoa que está a passar por aquilo, o que alimenta um ciclo vicioso: as inseguranças dificultam a adaptação e progressão na carreira, o que fortalece as inseguranças.

“Como nos sentimos inseguros, fechamo-nos um pouco sobre nós próprios, porque achamos que somos os únicos a sentir aquilo. Se acho que sou uma fraude, vou esconder-me para os outros não me descobrirem,” expõe Cristiana. “Isso faz com que me descredibilize a mim própria, o que é um bocadinho contraditório.”

Falar ajuda. “Quando expomos as nossas inseguranças, medos, receios, abrimos as portas para que mais pessoas o possam partilhar, que é o que normalmente acontece. As pessoas que conseguem expor os seus receios encontram mais colegas que receiam as mesmas coisas. O que faz com que, por si só, esta síndrome do impostor fique um bocadinho mais pequena.”

São pessoas que ficam na sua zona de conforto e que têm muito receio de arriscar. Se atribuirmos sempre o sucesso à sorte, isso afeta o desempenho, porque nunca nos achamos capazes de corresponder àquilo que nos é pedido.
Cristiana Pereira, psicóloga clínica

Há dois níveis principais de consequências: as que afetam a saúde mental — o stress, a ansiedade e a auto-estima — e as que afetam a própria vida profissional. Continuamos na lógica do ciclo vicioso. “São pessoas que ficam na sua zona de conforto e que têm muito receio de arriscar. Se atribuirmos sempre o sucesso à sorte, isso afeta o desempenho, porque nunca nos achamos capazes de corresponder àquilo que nos é pedido. Isto resulta numa auto-crítica constante, numa conversa negativa em relação a nós próprios.”

É possível vencer a síndrome do impostor? Como?

Na experiência da psicóloga, é possível vencer a síndrome do impostor, embora seja um “desafio que envolve algum treino”. “O ponto de partida é percebermos que crenças temos sobre nós. Que não sou suficientemente boa? Que não sou capaz? Que não tenho direito a ser bem sucedida? Achamos que temos de ser perfeitas para que os outros gostem de nós?”

Outro passo essencial é precisamente partilhar estes sentimentos com os outros, o que ajuda a normalizá-los e a desmistificá-los. “Também é importante darmos pequenos passos para sairmos da nossa zona de conforto. Testarmos a nossa realidade e experimentarmos novos desafios profissionais.”

É importante tentarmos não nos compararmos com os outros. O percurso é sempre de cada um.
Cristiana Pereira, psicóloga clínica

Na equação vencedora de Cristiana Pereira, o uso das redes sociais deve ser moderado. “Parece que toda a gente é capaz de fazer tudo e mais alguma coisa. Não se fala muito dos erros, há sempre uma história cor-de-rosa por detrás do sucesso, o que acaba também por minar a forma como podemos olhar para nós”, explica. “É importante tentarmos não nos compararmos com os outros. O percurso é sempre de cada um.”

A psicóloga clínica costuma pedir aos pacientes para fazerem uma lista de conquistas profissionais, sociais e familiares. “As pessoas que sofrem de síndrome do impostor sentem normalmente muita surpresa depois de o fazerem, porque tendem a achar que nunca conseguiram conquistar nada e, quando acabam a lista, pensam: ‘espera lá, afinal até consegui fazer umas coisas’. A partir de aí, é importante percebermos que ferramentas e aptidões nos ajudaram e como é que conseguimos ganhá-las para chegarmos onde chegámos. Quando começamos a dar os pequenos passos e a fazer o tal teste à realidade, começamos a mudar a nossa perspetiva face às situações e desafios que encontramos no trabalho.”

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