Em 1988, Stephen Hawking publicou “Breve História do Tempo” (publicado em Portugal pela Gradiva), um livro que pretendia explicar temas complexos da física ao leitor comum e que se tornou um best-seller, vendendo mais de dez milhões de cópias, sendo traduzido para mais de 35 línguas e ajudando a tornar o seu autor um ícone global.
Nessa obra, Hawking aproveita para explicar algumas das suas ideias e teorias sobre o universo, desde os conceitos de espaço e tempo, passando pelo Big Bang. Hawking aventurou-se ainda num tema que protagonizou inúmeros filmes e livros de ficção científica (e não será por acaso que até se dedica a analisar um pouco do filme “Regresso ao Futuro”) — as viagens no tempo. Serão um dia possíveis? E se sim, como?
O Observador publica o capítulo sobre esse tema, “Buracos de verme e viagens no tempo”, onde Hawking deixa claro o seu pensamento sobre esta matéria.
Buracos de verme e viagens no tempo
“No último capítulo discuti por que razão vemos o tempo avançar, porque aumenta a desordem e porque nos lembramos do passado, e não do futuro. O tempo foi tratado como se nos encontrássemos numa linha de comboio rectilínea na qual nos pudéssemos deslocar num sentido ou no outro.
Mas que aconteceria se a linha tivesse voltas e reviravoltas eramais, de modo que o comboio, avançando sempre, voltasse a uma estação pela qual já tivesse passado? Por outras palavras, será possível viajar para o futuro ou para o passado?
H. G. Wells, em A Máquina do Tempo, explorou estas possibilidades, tal como muitos outros autores de ficção científica. Porém, muitas das ideias de ficção científica, como os submarinos e a viagem à Lua, tornaram-se factos científicos. Então quais são as perspectivas para a viagem no tempo?
O primeiro indício de que as leis da física permitiriam viajar no tempo data de 1949, quando Kurt Gödel descobriu um novo espaço-tempo admissível pela teoria da relatividade geral. Gödel era um matemático famoso por ter provado que é impossível demonstrar todas as asserções válidas, por exemplo, todas as asserções válidas de uma teoria tão limitada como a aritmética. Tal como o princípio da incerteza, o teorema da incompletude de Gödel pode ser uma limitação fundamental à nossa capacidade de compreensão e previsão do universo, mas pelo menos até agora não constituiu obstáculo à demanda de uma teoria unificada completa.
Gödel tomou conhecimento da teoria da relatividade geral quando conviveu com Einstein, nos últimos anos da vida deste, no Instituto de Estudos Avançados de Princeton. O seu espaço-tempo tinha a curiosa propriedade de que todo o universo se encontrava em rotação. Podemos perguntar: «Em rotação relativamente a quê?» A resposta é a de que a matéria distante se encontraria em rotação relativamente a direcções determinadas por pequenos piões e giroscópios.
O espaço-tempo de Gödel tinha como efeito colateral a possibilidade de alguém partir num foguetão e regressar à Terra antes da partida. Esta propriedade preocupou de facto Einstein, que pensara que a relatividade geral não permitiria viajar no tempo. Porém, dados os antecedentes das mal fundadas oposições de Einstein ao colapso gravitacional e ao princípio da incerteza de Einstein ao colapso gravitacional e ao princípio da incerteza, a sua preocupação talvez fosse um sinal de encorajamento. A solução que Gödel encontrou não corresponde ao universo em que vivemos, porque podemos mostrar que o universo não se encontra em rotação. Gödel também assumira um valor não nulo para a constante cosmológica, que Einstein introduzira quando pensara que o universo era imutável. Depois da descoberta de Hubble da expansão do universo, já não era mais necessária uma constante cosmológica, para a qual se toma actualmente o valor zero. Porém, foram encontrados outros espaços-tempos mais razoáveis, também permitidos pela relatividade geral, que admitem a viagem ao passado. Um é característico do interior dos buracos negros em rotação; outro é um espaço-tempo que contém duas cordas cósmicas que se movem uma no passado da outra a grande velocidade. Tal como o nome sugere, as cordas cósmicas são objectos que têm comprimento, mas secção desprezável. De facto, são mais como elásticos, pois encontram-se sob enorme tensão, da ordem de 1 milhão de milhões de milhões de milhões de toneladas. Uma corda cósmica ligada à Terra acelerá-la-ia de 0 a 100 quilómetros por hora em 1/30 de segundo. As cordas cósmicas soam a ficção científica, mas há razões para crer que podiam ter-se originado no universo primitivo como resultado da quebra de simetria analisada no capítulo 5. Porque se encontram sob enorme tensão e podem ter sido originadas em qualquer configuração, podem acelerar a muito grandes velocidades quando são relaxadas.
Na solução de Gödel e na solução da corda cósmica o espaço-tempo começa tão distorcido que a viagem ao passado é sempre possível. Deus podia ter criado um universo deformado, mas não temos razões para acreditar que tenha sido assim. As observações do fundo cósmico de microondas e a abundância de elementos leves indicam que o universo primitivo não era dotado da curvatura adequada à viagem no tempo. À mesma conclusão pode chegar-se teoricamente se se admitir que o universo não tem fronteiras. Assim, a questão é a seguinte: se o universo teve início sem a curvatura requerida para a viagem no tempo, poderemos deformar o espaço-tempo de forma a permiti-la?
Um problema estreitamente relacionado com este, que também preocupa os autores de ficção científica, é a viagem interestelar ou intergaláctica rápida. De acordo com a relatividade, nada pode viajar mais depressa do que a luz. Assim, se enviássemos uma nave espacial à estrela mais próxima de nós, Alfa do Centauro, que está a cerca de quatro anos-luz, passar-se-iam cerca de 8 anos até que os viajantes regressassem para nos contarem o que lá encontraram. Se a expedição fosse ao centro da Galáxia, decorreriam, pelo menos, 100 000 anos até que regressassem. A teoria da relatividade é a consolação de cada um. Estas viagens dão origem ao paradoxo dos gémeos, já mencionado no capítulo 2.
Porque não há um padrão único de tempo, e cada observador mede o seu tempo próprio através do seu relógio, é possível que aos viajantes do espaço a viagem pareça ter sido muito mais curta do que aos que ficaram na Terra. No entanto, a alegria deles não será tão grande ao voltarem após uma viagem no espaço, uns tantos anos mais velhos, para descobrirem que os que ficaram na Terra morreram há milhares de anos. Assim, de modo a criarem interesse pelas suas histórias, os autores de ficção científica imaginaram que um dia descobriremos como viajar mais rapidamente do que a luz. O que a maior parte destes autores ainda não entendeu é que, se for possível viajar mais rapidamente do que a luz, então a teoria da relatividade implicará que podemos viajar para trás no tempo, tal como os versos seguintes parecem anunciar:
Havia uma jovem corajosa
Que viajava mais depressa do que a luz.
Um dia ela partiu
Pelo caminho destinado
E só regressou na noite anterior.
A questão consiste em que a teoria da relatividade diz que não há uma medida única do tempo sobre a qual todos os observadores estejam de acordo. Pelo contrário, cada observador tem a sua própria medida do tempo. Se for possível um foguetão viajar mais depressa do que a luz para, partindo do acontecimento A, por exemplo o final da corrida dos 100 metros nos Jogos Olímpicos de 2012, chegar ao acontecimento B, por exemplo a abertura da centésima milésima quarta reunião do Congresso de Alfa do Centauro, todos os observadores concordarão que o evento A aconteceu antes do evento B, de acordo com os seus relógios. Suponhamos, porém, que a nave espacial tinha de viajar mais depressa do que a luz para levar as novidades da competição ao congresso.
Então os observadores, que se movem a velocidades diferentes, podem discordar sobre qual dos eventos ocorre primeiro. De acordo com o relógio de um observador que se encontre em repouso relativamente à Terra, pode muito bem acontecer que o congresso abra depois da competição olímpica. Este observador pensará que a nave espacial só pode viajar de A a B a uma velocidade superior à da luz. Porém, a um observador que se encontre em Alfa do Centauro, afastando-se da Terra quase à velocidade da luz, parecerá que o acontecimento B, a abertura do Congresso, aconteceu antes do evento A, a competição dos 100 metros. A teoria da relatividade diz que as leis da física são as mesmas relativamente a observadores que se movem com velocidades diferentes.
Todos estes factos foram testados pela experiência e tudo leva a crer que permanecerão válidos mesmo que venhamos a substituir a relatividade por uma teoria mais avançada. Assim, o observador em movimento dirá que, se a viagem a uma velocidade superior à da luz for possível, será igualmente possível viajar do evento B, a abertura do Congresso, para o evento A, a competição dos 100 metros. Se viajarmos um pouco mais depressa, poderemos mesmo regressar antes da competição e fazer uma aposta com a certeza de que ganharemos.
Há um problema com a passagem da barreira da velocidade da luz. Segundo a teoria da relatividade, a potência necessária para acelerar uma nave espacial torna-se cada vez maior à medida que a velocidade desta se aproxima da velocidade da luz. Há evidência experimental deste facto, não com naves espaciais, mas com partículas elementares em aceleradores, no Fermilab ou no CERN (Centro Europeu de Pesquisa Nuclear). Podemos acelerar partículas à velocidade 99,99 % da velocidade da luz, mas, por maior que seja a energia disponibilizada no processo, não conseguimos fazê-las passar a barreira da velocidade da luz. O mesmo acontece com as naves espaciais: seja qual for a potência do foguetão, elas não podem adquirir velocidades superiores à velocidade da luz.
Este facto parece arrumar, quer as viagens rápidas no espaço, quer as viagens para trás no tempo. Porém, há uma outra possibilidade. Talvez seja possível deformar o espaço-tempo de forma a atalhar entre A e B. Uma maneira de consegui-lo seria através da criação de um buraco de verme entre A e B. Como o nome sugere, um buraco de verme é um tubo fino de espaço-tempo que pode ligar duas regiões distantes quase planas.
Não há necessariamente uma relação entre a distância percorrida através de um buraco de verme e a separação das suas extremidades no espaço comum. Assim, pode imaginar-se que alguém pode criar ou descobrir um buraco de verme que vá das vizinhanças do sistema solar até Alfa do Centauro. A distância através do buraco de verme pode ser apenas de alguns milhões de quilómetros, apesar de a Terra e Alfa do Centauro distarem cerca de 30 milhões de milhões de quilómetros no espaço comum. Este facto permitiria que as notícias da corrida dos 100 metros chegassem à abertura do Congresso. Então um observador que se movesse em direcção à Terra também seria capaz de encontrar outro buraco de verme que lhe permitisse vir da abertura do Congresso em Alfa do Centauro para trás, para a Terra, antes de a corrida começar. Deste modo, um buraco de verme, tal como qualquer outra forma de viajar mais depressa do que a luz, permitiria voltar ao passado.
A ideia de buracos de verme entre diferentes regiões do espaço-tempo não foi uma invenção dos autores de ficção científica; teve origem numa fonte muito respeitável.
Em 1935, Einstein e Natham Rosen escreveram um artigo em que mostraram que a relatividade geral permitia aquilo a que chamaram «pontes», agora designadas por buracos de verme. As pontes de Einstein-Rosen não duravam o tempo suficiente para que uma nave espacial passasse através delas: navegaria antes em direcção a uma singularidade quando o buraco de verme se cindisse. Contudo, foi sugerido que seria possível que uma civilização avançada mantivesse aberto um buraco de verme. Pode mostrar-se que para o conseguir, ou para deformar o espaço-tempo de qualquer outra maneira de modo a tornar possível viajar no tempo, é necessária uma região do espaço-tempo com curvatura negativa, como a da superfície de uma sela. A matéria comum, que tem densidade de energia positiva, confere ao espaço-tempo uma curvatura positiva, como a da superfície de uma esfera. Deste modo, o que é necessário para deformar o espaço-tempo de maneira a permitir viajar para o passado é matéria com densidade de energia negativa.
A energia é um pouco como o dinheiro: se o saldo é positivo, pode ser distribuída de várias maneiras, mas, de acordo com as leis clássicas em que se acreditava no princípio do século, não era possível dar mais do que se tinha. Assim, estas leis clássicas excluiriam a possibilidade de qualquer viagem no tempo. Contudo, como se descreveu nos capítulos anteriores, as leis clássicas foram substituídas pelas leis quânticas, centradas no princípio da incerteza. As leis quânticas são mais liberais e permitem levantar mais do que se tem numa de duas contas, desde que o balanço total seja positivo. Por outras palavras, a teoria quântica permite que a densidade da energia seja negativa nalgumas regiões, desde que seja contrabalançada por uma densidade de energia positiva noutras regiões, de modo que a energia total seja positiva. Um exemplo de como a teoria quântica pode permitir densidades de energia negativas é o efeito de Casimir. Como vimos no capítulo 7, mesmo aquilo que julgamos ser o espaço «vazio» é preenchido com pares de partículas e antipartículas virtuais que aparecem juntas, se afastam e voltam a juntar-se e se aniquilam umas às outras. Consideremos duas lâminas de metal paralelas a curta distância uma da outra. As lâminas actuarão como espelhos para os fotões virtuais ou partículas de luz. De facto, formarão entre elas uma cavidade, um tanto parecida com um tubo de órgão que apenas ressoa com certas notas. Significa isto que os fotões virtuais só poderão ocorrer no espaço entre as lâminas se a separação das lâminas for um múltiplo dos seus comprimentos de onda (a distância entre cristas sucessivas de uma onda). Se a largura da cavidade for um múltiplo mais uma fracção do comprimento de onda, então, após algumas reflexões para trás e para diante entre as lâminas, a crista de uma onda coincidirá com as depressões de outra e as ondas anular-se-ão.
Como os fotões virtuais entre as lâminas apenas podem ter comprimentos de onda ressonantes, haverá ligeiramente menos fotões entre as lâminas do que no espaço exterior às lâminas, onde os fotões virtuais podem ter qualquer comprimento de onda. Assim, haverá ligeiramente menos fotões virtuais a chocar nas superfícies interiores das lâminas do que nas superfícies exteriores. Poder-se-ia esperar então uma força nas lâminas que as comprimiria uma contra a outra. Esta força foi realmente detectada e tem o valor previsto. Temos evidência experimental da existência de partículas virtuais e dos seus efeitos reais.
O facto de haver menos fotões virtuais entre as lâminas significa que a sua densidade de energia será menor do que em qualquer outro lugar. Mas a densidade de energia total no espaço «vazio» longe das lâminas tem de ser nula, porque, de outro modo, a densidade de energia deformaria o espaço, que não seria quase plano. Deste modo, se a densidade de energia no espaço entre as lâminas é menor do que a densidade de energia no espaço longe das lâminas, ela tem de ser negativa.
Temos, assim, evidência experimental de que o espaço-tempo pode ser deformado (da inclinação da luz durante os eclipses) e de que pode ser curvo de forma adequada a permitir viajar no tempo (do efeito de Casimir). Poderemos esperar então que, à medida que a ciência e a tecnologia progredirem, venhamos a construir uma máquina do tempo. Mas como se compreende que ninguém tenha voltado do futuro para nos contar como fazê-lo? Dado que o nosso estado de desenvolvimento é primitivo, deve haver boas razões para ninguém ser imprudente ao ponto de nos revelar o segredo da viagem no tempo, e, a menos que natureza humana venha a mudar radicalmente, é difícil acreditar que algum viajante do futuro nos desvende o segredo. É claro que algumas pessoas dirão que a visão dos OVNIS é a prova de que somos visitados por alienígenas ou por pessoas vindas do futuro. (Se os alienígenas chegassem aqui em tempo razoável, precisariam de viajar mais rapidamente do que a luz, pelo que as duas possibilidades são equivalentes.)
No entanto, penso que qualquer visita de alienígenas ou de outras pessoas do futuro seria mais óbvia e, provavelmente, muito mais desagradável. Se eles quiserem mostrar-se, então porquê fazê-lo apenas àqueles que não são testemunhas credíveis? Se procuram acautelar-nos de algum perigo, não são muito convincentes.
Uma explicação possível para a ausência de visitantes do futuro consiste em assumir que o passado é fixo porque o observamos e vemos que não tem a espécie de deformação adequada à viagem ao passado. Por outro lado, o futuro é desconhecido e aberto, pelo que pode ter a curvatura adequada, o que significaria que qualquer viagem no tempo estaria confinada ao futuro. Não haveria qualquer hipótese de o capitão Kirk e a nave Enterprise voltarem ao presente.
Isto explica porque não fomos abordados por turistas vindos do futuro, mas não evita os problemas com que se confrontaria alguém que, voltando ao passado, viesse a modificar a sua história. Suponhamos, por exemplo, que o leitor voltava atrás e assassinava o seu tetravô quando este era uma criança. Há muitas versões deste paradoxo, mas, na essência, são equivalentes: haveria contradições se alguém pudesse alterar o passado.
Parece haver duas soluções possíveis para os paradoxos da viagem no tempo. Uma delas será designada por abordagem das histórias coerentes. Segundo esta, mesmo que o espaço-tempo fosse deformado, de modo a tornar possível a viagem ao passado, o que viesse a acontecer ao espaço-tempo seria coerente com as leis da física. De acordo com este ponto de vista, só seria possível voltar atrás no tempo se a história evidenciasse que já se tinha estado lá e que não se matara o tetravô ou cometera qualquer acto que viesse a entrar em conflito com o presente. Ao voltar ao passado, não seria possível alterar a história, o que significa que não se seria livre de fazer o que se quisesse. É claro que podemos argumentar que o livre arbítrio é uma ilusão. Se, na realidade, existe uma teoria unificada que tudo rege, é provável que ela determine também os nossos actos. Mas, a ser assim, fá-lo de uma forma que é impossível de calcular para um organismo tão complicado como é o ser humano. A razão por que se diz que o ser humano tem livre arbítrio reside no facto de não ser possível prever o que fará. No entanto, se um ser humano partir numa nave espacial e voltar para trás num momento anterior à partida, seremos capazes de prever o que fará porque fará parte de uma história recordada. Assim, nesta situação, o viajante do tempo não terá livre arbítrio.
A outra solução para os paradoxos da viagem no tempo será designada por abordagem das histórias alternativas. A ideia consiste em que, quando os viajantes do tempo voltam ao passado, entram em histórias alternativas diferentes das histórias recordadas. Assim, podem agir livremente, sem o constrangimento da coerência com as suas histórias anteriores. Steven Spielberg jogou com esta ideia em Regresso ao Futuro: Marty McFly pôde voltar e alterar a relação dos pais para obter uma história mais satisfatória.
A hipótese das histórias alternativas assemelha-se à força como Richard Feynman exprimiu a teoria quântica como uma soma de histórias, que descrevemos nos capítulos 4 e 8. Segundo esta, o universo não tem uma só história: tem várias histórias possíveis, cada uma delas com a sua probabilidade. No entanto, parece haver uma diferença importante entre a hipótese de Feynman e a hipótese das histórias alternativas. Na soma de Feynman cada história é um espaço-tempo mais tudo o que nele existe. O espaço-tempo pode ser tão deformado que é possível viajar ao passado num foguetão. Mas o foguetão permaneceria no mesmo espaço-tempo e a história seria a mesma, teria de ser coerente. Assim, a hipótese da soma de histórias de Feynman parece fundamentar mais a abordagem das histórias coerentes do que a abordagem das histórias alternativas.
A soma de histórias de Feynman permite voltar ao passado à escala microscópica. No capítulo 9 vimos que as leis da física são imutáveis através de combinações das operações C, P e T. Significa isto que uma antipartícula que gira no sentido contrário ao dos ponteiros do relógio e se move de A para B pode ser considerada uma partícula que gira no sentido dos ponteiros do relógio e se move para trás no tempo de A para B. De modo análogo, uma partícula que se move para diante no tempo é equivalente a uma antipartícula que se move para trás no tempo. Como se analisou neste capítulo e no capítulo 7, o espaço «vazio» está cheio de pares de partículas e antipartículas virtuais que aparecem juntas, se afastam e voltam a juntar-se e se aniquilam umas às outras.
Assim, podemos considerar o par de partículas uma só partícula que se move num arco fechado no espaço-tempo. Quando o par se move para a frente no tempo (do evento em que é criado para o evento em que é aniquilado), designa-se por partícula. Mas, quando o par se move para trás no tempo (do evento em que é aniquilado para o evento em que é criado), diz-se que é uma antipartícula que viaja para a frente no tempo.
A explicação (dada no capítulo 7) de como os buracos negros podem emitir partículas e radiação foi a de que um membro de um par virtual partícula/antipartícula (por exemplo, uma antipartícula) pode cair no buraco negro, deixando o outro membro sem o par aniquilante. A partícula abandonada pode cair no buraco, mas também pode escapar da vizinhança do buraco negro. Se assim acontecer, a um observador à distância parecerá que a partícula foi emitida pelo buraco negro.
No entanto, podemos ter uma representação intuitiva, diferente, mas equivalente, do mecanismo de emissão de um buraco negro. Podemos considerar o membro do par virtual que cai no buraco negro (por exemplo, a antipartícula) uma partícula que viaja para trás no tempo para fora do buraco negro. Quando chega ao ponto de reencontro do par virtual partícula/antipartícula, é dispersada pelo campo gravitacional numa partícula que viaja para a frente no tempo e escapa ao buraco negro. Se, em vez da antipartícula, fosse a partícula a cair no buraco, podíamos considerá-la uma antipartícula que viaja para trás no tempo e sai do buraco negro. Assim, a radiação pelos buracos negros mostraque a teoria quântica permite viajar para trás no tempo numa escala microscópica e, deste modo, essa viagem no tempo pode produzir efeitos observáveis.
Podemos então perguntar: permitirá a teoria quântica a viagem no tempo a uma escala macroscópica, de modo que uma pessoa possa realizá-la? À primeira vista, parece que sim. A hipótese da soma de histórias de Feynman parece estar acima de todas as histórias. Deste modo, deve incluir as histórias em que o espaço-tempo é tão deformado que é possível voltar ao passado. Então porque não estamos preocupados com a história? Suponhamos, por exemplo, que alguém retrocedeu no tempo e deu aos nazis o segredo da bomba atómica.
Poderemos evitar estes problemas se for válida a conjectura de protecção da cronologia. Segundo esta, as leis da física conspiram para impedir que os corpos macroscópicos transportem informação para o passado. Tal como a hipótese da censura cósmica, não foi provada, mas há razões para acreditar que seja verdadeira.
A razão para acreditar que a protecção da cronologia é um princípio activo consiste em que, quando o espaço-tempo é deformado o suficiente para permitir viajar ao passado, as partículas virtuais que se movem em trajectórias fechadas no espaço-tempo podem transformar-se em partículas reais que viajam para a frente no tempo a uma velocidade igual ou inferior à velocidade da luz. Como estas partículas podem andar à volta um grande número de vezes, passam muitas vezes por cada ponto da sua trajectória. Deste modo, a sua energia é continuamente incrementada e a densidade da energia torna-se muito grande, o que poderá dar ao espaço-tempo uma curvatura positiva que não permite voltar ao passado. Ainda não é claro se estas partículas causam curvatura positiva ou negativa ou se a curvatura produzida por algumas espécies de partículas virtuais pode anular a produzida por outras espécies. Assim, a possibilidade de viajar no tempo continua em aberto. Não me arrisco, no entanto, a apostar nela. O meu opositor pode ter a desonesta vantagem de conhecer o futuro.”