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Beppe Grillo. No final da piada, vem a vitória eleitoral?

Itália vai a referendo este domingo e o primeiro-ministro Matteo Renzi prometeu demitir-se se perder, abrindo o caminho a Beppe Grillo. Quem é o comediante que manda os adversários "vaffanculo"?

Num certo ano de 2016, um britânico, um espanhol, um americano, um francês de direita e um italiano vão às urnas. O britânico decide sair de um clube onde nunca foi verdadeiramente feliz; o espanhol não sabe bem onde votar e acaba por esperar quase um ano para saber quem é que afinal de contas manda na terra dele; o americano escolhe um homem com um penteado duvidoso e ideias polémicas, que faz o resto do mundo franzir um sobrolho coletivo; o francês de direita fica-se por um indivíduo que é tão, mas tão de direita, que só ele pode roubar votos à senhora da extrema-direita.

E o italiano? O italiano vai a votos num referendo onde está em causa a reformulação de um terço da Constituição, depois de o primeiro-ministro ter dito que isso tudo tornaria o país mais estável. Só que, no final, tudo isto pode ser abalado por outro homem que começou por ganhar a vida como comediante, logo se tornou num político anti-partidos e que, acima de tudo, não tem qualquer preocupação com a estabilidade política do país.

A piada faz-se sozinha — mas mesmo que assim não fosse, Beppe Grillo faria toda a questão de ser o seu autor. Como aconteceu numa entrevista que deu ao The New York Times, nos idos de 2013. Pouco antes, o seu partido, o eurocético e ideologicamente ambíguo Movimento Cinco Estrelas, tinha acabado de conquistar 25,5% dos votos, tornando-se no maior partido da oposição na Câmara dos Deputados e assim ser a possível chave para desbloquear a formação de um Governo do Partido Democrático. Quando lhe perguntaram se iria permitir estabilidade ao Governo que se seguiria, disse que essa hipótese era “inadmissível”. E depois recorreu à metáfora, recurso estilístico recorrente na comédia: “Seria como Napoleão fazer um um acordo com Wellington”.

Ora, Wellington, neste momento, é Matteo Renzi — só que nada garante que, tal como o primeiro fez em Waterloo, o primeiro-ministro italiano saia vitorioso da batalha deste domingo. Num esforço para pôr um fim à tradição enraizada em Itália de os governos serem curtos e ineficazes — nos últimos 70 anos, Itália teve 63 governos —, o primeiro-ministro e líder do Partido Democrático promoveu um conjunto de reformas constitucionais que acredita serem o antídoto ao atual problema.

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Matteo Renzi disse que se demitia se perder o referendo — abrindo o caminho para Beppe Grillo chegar a primeiro-ministro após novas eleições

(TIZIANA FABI/AFP/Getty Images)

Entre as medidas propostas por Matteo Renzi, está a redução do Senado, dos atuais 315 membros para apenas 100. Além disso, os seus membros não seriam eleitos diretamente, mas antes pelas assembleias regionais. Na prática, o Senado deixaria de ter o atual peso que tem no sistema político italiano — tem o mesmo poder da Câmara dos Deputados. No atual sistema, todas as leis só são aprovadas quando contam com a aprovação das duas câmaras — um processo não raras vezes longo e demorado.

Outro ponto importante na reforma defendida por Matteo Renzi é a possibilidade de o partido que surja com mais de 40% dos votos ter automaticamente uma maioria de 55% na Câmara dos Deputados. E, se os 40% não forem atingidos numa primeira votação, as duas listas mais votadas vão a uma segunda volta para determinar quem ficará em maioria absoluta.

O plano de Matteo Renzi passou o teste do parlamento — mas sem distinção. Após ter conseguido a aprovação da maioria, mas não de dois terços, a proposta passou para as mãos dos italianos. E, pelo meio, Renzi pôs a cabeça no cepo e disse que se demitiria caso o “Não” venha a vencer este domingo. “Se os cidadãos votarem ‘Não’ e quiserem um sistema decrépito que não funciona, não vou ser eu quem vai negociar com os outros partidos um Governo de gestão”, disse o primeiro-ministro italiano numa entrevista à RTL em novembro. Com efeito, o referendo passou a tomar um significado que até então não tinha. Agora, para além de uma consulta popular sobre alterações à Constituição, a votação deste domingo é um referendo ao próprio Matteo Renzi.

Se o futuro do primeiro-ministro italiano depender do que dizem as sondagens, então a conta dos 63 governos em 70 anos terá de ser atualizada. É que, segundo os últimos estudos de opinião, entre aqueles que dizem que vão às urnas no domingo o “Sim” deverá perder com cerca de 48% dos votos e o “Não” sairá por cima com aproximadamente 52%.

Uma das bandeiras de Beppe Grillo é um referendo sobre a permanência de Itália no euro

ANDREAS SOLARO/AFP/Getty Images)

E, assim sendo, há dois vencedores no domingo: o ex-primeiro-ministro Silvio Berlusconi, que aos 80 anos, e depois de estar prestes a afogar-se num mar de escândalos parece continuar à tona, liderando o Forza Italia; e acima de tudo Beppe Grillo, o homem que há cerca de uma década iniciou a sua improvável caminhada até às mais altas esferas da política italiana sob um lema que, entre as hostes do Movimento Cinco Estrelas, costuma ser acompanhada com o dedo do meio levantado: “Vaffanculo!“.

Agora, com as sondagens do referendo a seu favor e também as de umas eventuais eleições em Itália a colocarem-no ombro-a-ombro com Matteo Renzi, uma subida de Beppe Grillo e dos grillistas ao poder parece ser uma hipótese cada vez mais provável — e, com isso, a realização de um já prometido referendo à permanência da Itália no euro. Um Italexit — depois do Grexit (nunca concretizado) e do Brexit (a caminho de ser aplicado), já entrou para a lista de receios dos mercados — seria a mais estrondosa punchline de qualquer piada que terá passado pela cabeça do líder do Movimento Cinco Estrelas.

O contabilista que deu em comediante

Se tivesse feito a vontade ao pai, Beppe Grillo teria sido um contabilista discreto e não um comediante. Quando era pequeno, tinha o hábito de interromper as refeições familiares cantando num vai-vem de notas graves e outras agudas. “O Beppe cantava ou pegava na sua guitarra e soltava uivos como o James Brown”, contou Andrea, irmão de Beppe Grillo, à New Yorker. “O nosso pai dizia ‘ele parece um animal!'”, recordou, em 2013. Outra vezes, aparecia à mesa com uns óculos escuros e imitava Ray Charles. O pai, Enrico, apesar de no seu íntimo achar piada ao filho, comentava com a mulher: “O teu filho é um parvo. Olha para as parvoíces que ele faz enquanto devia andar a estudar”.

A família Grillo vivia na cidade portuária de Génova, num bairro de classe média-baixa. Enrico Grillo era dono de uma pequena empresa que fabricava tochas para uso industrial. Quando chegou a altura de ir para a universidade, Beppe Grillo foi encorajado pelo pai para estudar contabilidade. A ideia era ir trabalhar para a empresa do pai — algo que fez durante três anos, até sair em 1971, depois de ter confirmado que não era aquilo que queria para a sua vida.

O que Beppe Grillo queria mesmo era fazer comédia. Já quando era adolescente ganhava alguns trocos em espetáculos ao vivo. Tinha começado como músico, mas era nos intervalos entre as músicas que o público o recebia com melhor cara, rindo-se das suas piadas circunstanciais. Gradualmente, começou a largar a guitarra e agarrou-se às piadas.

Beppe Grillo estudou para ser contabilista, profissão que exerceu na empresa do pai. Depressa desistiu e entregou-se a tempo inteiro à comédia. Nos anos 1970, depois de trabalhar em bares e pequenas festas, começou a dizer umas piadas na televisão com alguma regularidade.

Foi a elas que regressou, depois de sair da empresa do pai. Primeiro em part-time, enquanto pagava as contas com um emprego como vendedor de calças de ganga. Depois, a tempo inteiro, quando foi despedido. Assim que soube que os seus serviços já não eram necessários, foi de comboio até Milão, onde começou a fazer sessões de comédia em bares. Pouco depois de ter chegado, conseguiu uma audição com um diretor da RAI, a televisão pública italiana.

A partir daí, Beppe Grillo passou a ser uma figura assídua nas salas-de-estar transalpinas. Começou por fazer piadas nos intervalos de segmentos de alguns programas, depois passou por dois programas de viagens, um nos EUA e outro no Brasil, onde dava a conhecer os países sempre pelo prisma do humor.

Já nos anos 80, o seu humor começou a ficar um pouco mais sério. “Os seus espetáculos começaram a ser cada vez mais cáusticos, ele atacava assuntos mais quentes, fossem eles sociais ou políticos, causando arrepios na espinha dos vários diretores de televisão que, apesar do ‘risco’, continuavam a convidá-lo para os seus programas”, lê-se na pequena nota biográfica no site oficial de Beppe Grillo.

Em 1986, depois de uma rábula televisiva em que fazia humor com as suspeitas de corrupção em torno do primeiro-ministro — o socialista Bettino Craxi, que acabou por ser mesmo condenado por corrupção no âmbito do caso Mãos Limpas, o que o levou a fugir para a Tunísia, onde morreu em 2000 —, foi afastado da televisão pública. Só em 1994, um ano depois da demissão de Bettino Craxi, é que voltou permanentemente à RAI. Eram poucos os italianos que não o conheciam.

Naquela altura, Beppe Grillo já não era um simples comediante — era cada vez mais um ativista. Apesar de ter começado a prestar atenção à causa da ecologia, foi a corrupção que continuou a merecer a grande parte dos seus esforços. Em 1993, numa intervenção num programa de televisão, denunciou 22 pessoas que estavam a usar a SIP (empresa de telecomunicações estatal italiana à altura) num esquema de transferência de dinheiro para contas no estrangeiro. Tudo isto, por intermédio de chamadas para linhas de astrologia e eróticas. A denúncia levou Agostino Cordova, um procurador, a contactá-lo. Queria saber como é que ele tinha chegado àquela informação. “Eu disse ao Cordova: ‘Bom, eu descobri isto porque as empresas estão cotadas na bolsa e os seus documentos são domínio público. Não é que se tenha de fazer qualquer coisa de inacreditável para consegui-los'”, recordou Beppe Grillo à New Yorker.

Em 2002, Beppe Grillo foi das primeiras pessoas a falar publicamente do caso que culminou na falência da Parmalat, em 2004. O comediante tinha informações privilegiadas, que referia nos seus números cómicos. Durante a investigação, foi interrogado pelas autoridades, que procuraram a sua colaboração.

Na década seguinte também voltou a ajudar as autoridades, quando se deu o caso da Parmalat, palco de um esquema de fraude financeira. Depois de de ter recorrido aos seus conhecimentos de contabilidade, costumava dizer que tinha previsto a falência que viria a marcar indelevelmente aquela empresa. Num espetáculo num teatro em 2002, bem antes de os rumores em torno da Parmalat se terem espalhado, Beppe Grillo disse ao público que um executivo daquela empresa lhe falou concretamente do estado das suas contas. “Num país normal, a empresa colapsava, ia à bancarrota”, disse. Um vídeo do momento chegou às televisões e a história cresceu a partir de então.

Em 2004, foi interrogado pelas autoridades como “pessoa conhecedora dos factos” no caso Parmalat. À saída de uma sessão, disse aos jornalistas: “Eu repeti o que tenho dito nos meus espetáculos há já algum tempo. São coisas que eu digo há anos que estavam nas bocas de toda a gente. A Parmalat é um deboche, mas isto é apenas a ponta de um iceberg enorme”. E depois, num gesto que viria a repetir cada vez mais, atirou uma farpa aos jornalistas que tinha à frente e não só: “Mas a verdadeira catástrofe é a informação. É mau que estas coisas sejam conhecidas por nós, comediantes, e não pela imprensa, que só chegou depois”.

Depois de uma carreira a aproveitar-se da política para fazer comédia, Beppe Grillo era agora um homem que se servia do palco que a comédia lhe dava para fazer política. Em 2005 fundou o seu blogue, que chegou a ser o oitavo mais lido do mundo. Um dia, publicou a lista de deputados que tinham sido condenados por vários crimes. Depois, tentou publicá-la nos jornais italianos, que responderam negativamente. De seguida, Beppe Grillo recolheu fundos junto dos seus seguidores e no dia 22 de novembro de 2005 comprou uma página inteira no International Herald Tribune, a versão europeia do The New York Times. Além da sua fotografia e do título “Limpar o parlamento!”, Beppe Grillo remetia para o seu blogue, onde a lista de 23 deputados condenados podia ser consultada. No fundo, lia-se a seguinte assinatura: “Beppe Grillo e milhares de cidadãos italianos”.

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Publicidade de página inteira Beppe Grillo no International News Herald, em 2005

Esta era a fase em que Beppe Grillo era conhecido pelos seus espetáculos que, na verdade, eram manifestações. Era político, mas não se assumia de esquerda nem de direita, colocando-se a caminho de apanhar tantos apoiantes quantos estivessem no caminho. Era pela “decência”, pelo “bom senso” e sobretudo populista. O auge disto tudo foi em 2008, quando a 8 de setembro convocou várias cidades a celebrarem o V-Day. V, de vaffanculo. “Nós somos parte de um novo Woodstock!”, bradou à multidão. “Só que desta vez os drogados e os filhos da mãe estão do outro lado!”

Nasce o Movimento Cinco Estrelas, com o dedo do meio levantado contra a “casta”

Em 2009, sem grande surpresa, Beppe Grillo avançou para a formação do Movimento Cinco Estrelas. Com génese na Internet, o partido anti-partidos de Beppe Grillo assentava em cinco princípios: a proteção do ambiente, a manutenção de bens como a água no setor público, tornar o acesso à Internet num direito fundamental e promover a criação e manutenção de um sistema de transportes sustentável. Mas, a julgar pelas intervenções de Beppe Grillo e da sua crescente entourage, bastava mesmo uma palavra: vaffanculo, claro. Sempre para aqueles que eram a cara do poder e que mereceram o epíteto de “casta”.

Os vaffanculo eram dados de várias maneiras. Uma das mais criativas foi em resposta aos planos do Partido Democrático de construir uma ponte entre a parte continental de Itália e a ilha da Sicília, separados apenas por três quilómetros de mar, conhecidos como Estreito de Messina. Em outubro de 2012, provar a sua opinião de que a ponte era desnecessária — e também para lançar a sua campanha às eleições legislativas, que seriam em fevereiro de 2013 —, Beppe Grillo cercou-se de pequenos barcos cheios de apoiantes e atravessou o estreito a nado. No final da empreitada, que demorou quase uma hora a ser concluída, disse: “Os corretores de apostas estavam a cotar-me em 15 para 1, estavam todos à espera de que eu tivesse um ataque de coração a meio do caminho”. Na altura, o primeiro-ministro de Itália era o discreto tecnocrata Mario Monti — cujo estilo calmo e pouco entusiasmante levou a que Beppe Grillo o chamasse de Rigor Montis.

https://www.youtube.com/watch?v=q0pazlS__kk

Nas eleições de 2013, o Movimento Cinco Estrelas apresentou-se às eleições de uma maneira nunca antes vista em Itália. Os candidatos a deputados, que concorriam sob condição de já viverem nos círculos eleitorais onde viviam à altura da campanha, eram escolhidos através de votações online. Além disso, não podiam ter cadastro criminal nem um passado partidário e teriam de renunciar a privilégios como carro e motorista. E no final de cada mês, parte dos seus salários seria destinada a um fundo para ajudar pequenas e médias empresas.

Estas foram as eleições em que, para gáudio do populista Beppe Grillo e dos grillistas, o Movimento Cinco Estrelas conseguiu a representatividade que lhe faltava. Apesar da vitória do Partido Democrático, o partido do comediante passou a ser o maior partido na Câmara dos Deputados. Ali, o Partido Democrático, liderado por Pier Luigi Bersani, estava em maioria absoluta. Mas no Senado já não. Para conseguir formar Governo, o líder do centro-esquerda estendeu a mão ao Movimento Cinco Estrelas — sem efeito. Pier Luigi Bersani viria a desistir e a entregar o mandato a Enrico Letta, que fez uma grande coligação ao centro. Era abril de 2013.

Ora, a 22 de fevereiro de 2014, nem um ano depois, após um tumulto no centro-esquerda e no Partido Democrático, Matteo Renzi desafia Enrico Letta, que acaba por se demitir e ceder-lhe o lugar. Desde então que o ex-presidente da câmara de Florença é o centro-esquerdista que há mais tempo se mantém no cargo de primeiro-ministro desde… Bettino Craxi. Isso mesmo, o homem que foi alvo das piadas de Beppe Grillo nos anos 1980 e que morreu no exílio na Tunísia.

Desde então, o Movimento Cinco Estrelas consolidou-se enquanto elemento da política italiana, apesar dos vários precalços. Desde 2013, um total de 18 dos seus 109 representantes na Câmara dos Deputados (ou seja, 17%) saíram do seu grupo parlamentar e juntaram-se a outras forças. Apesar de os defensores do Movimento Cinco Estrelas terem descrito o partido como uma organização horizontal e criada nos princípios da democracia direta, houve muitos que saíram das suas fileiras perante a sobreposição de Beppe Grillo em relação a todos os que o rodeiam. E em Roma, onde o Movimento Cinco Estrelas venceu as eleições autárquicas este ano, o mandato de Virginia Raggi tem sido uma coleção de polémicas e passos em falso.

Depois do referendo, o futuro será estranho e imprevisível

Agora, com o referendo deste domingo, Beppe Grillo espera roubar o lugar a Matteo Renzi no Palazzo Chigi. Para já, no ano do Brexit — sobre o qual Beppe Grillo disse que “a União Europeia deve mudar ou então morre” — e de Donald Trump — cuja vitória o comediante de Génova disse querer “dizer que os milhões de demagagogos não são as pessoas, mas sim os jornalistas e os intelectuais, presos a um mundo que já não existe” —, o Movimento Cinco Estrelas já teve duas conquistas simbólicas contra o Partido Democrático, retirando-lhe as autarquias de Roma (a capital) e de Turim (um bastião socialista). A fechar, pode estar uma vitória do “Não ” no referendo.

E o que é que virá com o advento do “Não”? E, mais importante ainda, o que é que Beppe Grillo e os grillistas poderão retirar daí?

A resposta não é clara.

Caso vença o “Não” e Matteo Renzi honre a sua palavra demitindo-se, há dois cenários possíveis. O primeiro consiste na nomeação de um Governo de gestão, que atuará até às eleições legislativas, que terão de acontecer até ao dia 23 de maio. O segundo cenário seria o Presidente, Sergio Mattarella, dissolver a assembleia e convocar eleições antecipadas.

Se assim for, Beppe Grillo terá razões para rir — mas não às gargalhadas. Se, por um lado, teria nova hipótese de concorrer a umas novas eleições no pico da sua forma — que seria em grande parte fortalecida por vencer um referendo contra a “casta”, como os grillistas chamam a quem tem poder —, muito dificilmente o comediante genovês teria um resultado claro o suficiente para torná-lo primeiro-ministro, mesmo vencendo as eleições. Formar uma maioria com o atual sistema é um feito longínquo e Beppe Grillo teria enormes dificuldades para receber a ajuda daqueles a que tem gritado “vaffanculo!“.

“[Matteo Renzi] pode ter sido ingénuo, mas também pode ter gostado da ideia de um primeiro-ministro todo-poderoso com ele sentado firmemente no Palácio Chigi. Mas será que ele esquece que pode perder? E não terá ele percebido que ele pode perder ao ganhar?”
Silvia Mazzini, professora na Universidade de Humboldt, em Berlim

É, pois, inesperado, que Beppe Grillo seja hoje a favor de um sistema que dificilmente o favorecerá. E igualmente paradoxal é o facto de o sistema a que ele se opõe — e que Matteo Renzi defende neste referendo — ser possivelmente o que melhor se encaixa nas aspirações de poder do populista. Bastar-lhe-ia ter 40% dos votos para conseguir uma maioria absoluta na Câmara dos Deputados — o suficiente para governar, com um Senado fraco e pouco mais do que decorativo.

A ironia é sublime — e Matteo Renzi pode vir a ser alvo da punchline da piada deste referendo e de Beppe Grillo. “[Matteo Renzi] pode ter sido ingénuo, mas também pode ter gostado da ideia de um primeiro-ministro todo-poderoso com ele sentado firmemente no Palácio Chigi. Mas será que ele esquece que pode perder? E não terá ele percebido que ele pode perder ao ganhar?”, escreve Silvia Mazzini, professora de Filosofia Política na Universidade de Humboldt, em Berlim, no site da Al Jazeera. “Se esta reforma constitucional for aceite, o vencedor das próximas eleições não terá necessariamente o nome Matteo Renzi, mas por exemplo (e neste momento isso parece ser mais realista) pode ser Beppe Grillo.”

Os dias que se seguem parecem difíceis de descortinar. Seja como for, Beppe Grillo deverá manter a frase que disse num comício em agosto: “Hoje em dia, dizer ‘Não’ é uma das maneiras mais bonitas e gloriosas de fazer política. E quem não o entender, vaffanculo!”.

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