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Bilhetes cancelados, regras pouco claras e fãs revoltados: a polémica com os concertos de Taylor Swift

A See Tickets cancelou bilhetes com base no método de pagamento, regra que fãs dizem não ter sido comunicada. Juristas dizem que consumidor tem de ser informado de forma "clara".

Há várias semanas que muitos fãs de Taylor Swift estão em rebuliço. Meses depois de terem comprado bilhetes para os primeiros concertos da cantora norte-americana em Portugal, marcados para 24 e 25 de maio do próximo ano, foram surpreendidos com e-mails da plataforma que vendeu os ingressos informando-os que estes tinham sido cancelados. Sabe-se, agora, que o motivo foi terem usado o mesmo cartão para pagar mais de quatro bilhetes.

Não é à toa que por todo o mundo chamam The Great War ao momento da venda de bilhetes para os espetáculos da artista que a revista Time considerou “Pessoa do ano”. A referência à faixa do último álbum de Taylor Swift espelha a dificuldade que é conseguir assegurar entradas para os seus concertos. A ansiedade e confusão chegou a Portugal a 12 de julho, quando a “grande guerra” incluiu filas, problemas técnicos e muitas críticas. Os bilhetes esgotaram de imediato e os que os conseguiram respiraram de alívio.

Pelo menos até 16 de novembro, quando, nas redes sociais, vários swifties (como são conhecidos os fãs fiéis de Taylor Swift) denunciaram que tinham tido os seus bilhetes cancelados pela See Tickets (plataforma que vende os ingressos) com a justificação de que haviam infringido a aparentemente única regra imposta pela plataforma de bilhética: o limite de quatro bilhetes por código de acesso. Algo que negavam ter feito.

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Dias depois de o Observador reportar os cancelamentos a Last Tour, promotora de eventos ibérica responsável pelo espetáculo e que também organiza o festival MEO Kalorama, em Lisboa, confirmou que estava “a par dos casos e a resolvê-los através do apoio ao cliente”, remetendo explicações para a See Tickets. Agora, a promotora especifica ao Observador o que motivou de facto o cancelamento: a utilização do mesmo método de pagamento.

“Os nossos sistemas detetaram que algumas pessoas efetuaram reservas acima do limite, utilizando o mesmo método de pagamento para reservar mais do que os 4 bilhetes, pelo que tivemos de cancelar alguns desses bilhetes, deixando-os com os 4 bilhetes autorizados para cada comprador, para cumprir o limite detalhado”, lê-se na resposta enviada por e-mail por Eva Castillo, diretora da comunicação da Last Tour. “De acordo com a política de compra da The Eras Tour e as ordens de cumprimento recebidas pela See Tickets do promotor, apenas é permitida a compra de 4 bilhetes por cada código para um único comprador”, acrescenta.

O Observador tentou saber, tanto junto da See Tickets como da Last Tour, o número de bilhetes cancelados nestas condições, mas nenhuma forneceu a informação. O departamento de comunicação da Last Tour em Portugal continua a remeter explicações sobre o tema para a See Tickets, avançando que a plataforma já respondeu a todos os clientes e sanou todas as questões, situação que é desmentida por clientes ao Observador.

Diogo Marques, 23 anos, é um dos que continua à espera de resposta. O jovem de Loures recebeu um e-mail da See Tickets a 16 de novembro informando-o de que os bilhetes que tinha para ver a sua cantora favorita foram cancelados. Diogo diz que usou o seu código de acesso para comprar apenas um bilhete, mas utilizou o mesmo cartão — o da mãe — para o pagamento dos bilhetes de outras quatro colegas (com outros códigos).

“A justificação foi exatamente a mesma [de outras pessoas que vi online], que tinha excedido o limite de compra, quando tenho a fatura de compra onde tenho provado que apenas comprei um bilhete”, explica ao Observador, por telefone. “Não obtive qualquer resposta da parte deles [See Tickets], tenho queixas no Portal da Queixa, tento entrar em contacto pelas redes sociais, já enviei e-mails para o e-mail de suporte deles e nada… Até inclusive para a Last Tour já enviei mensagem”. Perceber, agora, que o motivo para o cancelamento dos seus ingressos foi a utilização do mesmo método de pagamento surge como uma surpresa. “Até fui conferir os e-mails de confirmação e a única coisa que temos no descritivo do e-mail e o que está no portal da ajuda é que há um limite de 4 bilhetes por código. Foi a única coisa que nos passaram na altura. Estamos dentro dos conformes”, acusa.

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A cantora atua pela primeira vez em Portugal a 24 e 25 de maio de 2024 no Estádio da Luz, em Lisboa

Getty Images for TAS Rights Mana

A situação é em tudo semelhante à de Giovanna Meneghel, 19 anos, que comprou três bilhetes com o seu código de acesso. Partilhou o cartão bancário, “visto que amigas minhas não tinham dinheiro na conta”, justifica ao Observador. Também Giovanna contactou a See Tickets assim que recebeu informação do sucedido, sem ter obtido retorno até à data de publicação deste artigo. “Ainda não tive nenhum tipo de resposta deles, e a situação se encontra na mesma infelizmente. Voltei a ver se em algum lugar dizia sobre esse limite no cartão. Li a política de privacidade e os anúncios da página do concerto, e sempre é dito um limite por conta da See Tickets e não por cartão.”

Nos e-mails enviados pela See Tickets a que o Observador teve acesso, em nenhum momento o limite de bilhetes por método de pagamento é mencionado. O primeiro data de 5 de julho e tem como assunto “Informações sobre a venda de bilhetes e datas adicionais!”. Foi enviado a quem “foi selecionado/a para participar na venda para Taylor Swift | The Eras Tour, no Estádio da Luz, Lisboa” e inclui as instruções sobre a venda prevista para 12 de julho, às 12h. Pode ler-se: “Poderá comprar no máximo 4 (quatro) bilhetes por código.”

O e-mail contém também um link para a página de FAQ (Frequently Asked Questions, em inglês) do Centro de Apoio da See Tickets para a The Eras Tour com as perguntas mais frequentes sobre o processo de compra. Tanto no e-mail como na página para que este remete, não há qualquer referência à impossibilidade de usar o mesmo método de pagamento para mais do que quatro bilhetes. Nessa página online, em resposta à pergunta “Quantos bilhetes posso comprar?”, é apenas frisado que “o código de acesso funciona para comprar os bilhetes das duas datas e é válido para 4 bilhetes”. “Não pode exceder o limite de quatro (4) bilhetes por código”, lê-se ainda. Em resposta à pergunta “Que métodos de pagamento posso utilizar?” também se diz apenas que a compra tem de ser feita através de Visa, MasterCard, Maestro, PayPal, Apple Pay ou Google Pay. Dias depois, a 11 de julho, no e-mail enviado pela plataforma com o desejado “Código de Acesso Único para Venda Taylor Swift”, repetem-se as instruções, também sem qualquer menção ao limite por método de pagamento.

A See Tickets tem duas páginas dedicadas à informação sobre o evento Taylor Swift Eras Tour: Perguntas Frequentes e Centro de Apoio. E é para estas que direciona os clientes em todas as comunicações. É unicamente no site geral da See Tickets, nos Termos e Condições de Consumidor, que se lê: “Se encomendar ou comprar mais bilhetes do que o máximo permitido por pessoa, por cartão ou por residência, a SEE terá o direito de cancelar toda a encomenda / bilhetes, pelo que nesse caso irá ser-lhe restituído o preço de bilhete e qualquer taxa de reserva, transação ou suplemento que tenha pago.”

“Não obtive qualquer resposta da parte deles [See Tickets], tenho queixas no Portal da Queixa, tento entrar em contacto pelas redes sociais, já enviei e-mails para o e-mail de suporte deles e nada... Até inclusive para a Last Tour já enviei mensagem"
Diogo Marques

A revolta dos fãs com a alegada falta de clareza das políticas de compra não é um caso exclusivo português. No Reino Unido, onde a cantora pop também atuará no ano que vem, vários swifties que compraram bilhetes através da plataforma de bilhética AXS também se viram perante a frustração de ver os seus bilhetes cancelados mesmo tendo, no seu entender, seguido as regras. A situação está reportada em meios locais como o Edinburgh News ou o Birmingham Live. Nesse caso, a plataforma de bilhética cancelou os bilhetes de quem comprou mais de quatro bilhetes por morada, com fãs a usar as redes sociais para reclamar que a AXS não comunicara as regras corretamente. “A AXS nunca comunicou que eram quatro bilhetes por morada, disseram quatro por código”, protestou um cliente na rede social X (antigo Twitter).

Perante o sentimento de injustiça de alguns, a questão legal é ambígua. Para Maria Paula Milheirão, advogada e sócia da SRS Legal, a fim de aferir se houve ou não algum tipo de incumprimento ou ilícito por parte da See Tickets “é essencial verificar se o consumidor foi informado de maneira clara, objetiva e apropriada sobre as limitações associadas à venda dos bilhetes”, explica ao Observador, por e-mail. “Caso o consumidor não tenha sido informado (nomeadamente da forma como são atribuídos os códigos), estará então a See Tickets em incumprimento dos seus deveres de informação e inclusive dos seus deveres de cumprimento contratual podendo o consumidor demandar a See Tickets por danos”, diz, salientando, no entanto, que o consumidor “deverá fazer prova dos danos sofridos, o que poderá revelar-se complicado”. A advogada lembra que o consumidor “também pode fazer queixa à ASAE e à Direção-Geral do Consumidor, bem como à DECO, para prevenir que se repitam estas situações.”

Fonte da Autoridade de Segurança Alimentar e Económica (ASAE), que regularmente faz operações de fiscalização direcionada à venda de bilhetes falsos ou irregulares, informa o Observador que este tipo de situação “não cai na esfera” da ASAE.

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A revista Time elegeu a cantora "Pessoa do ano" sublinhando o impacto económico da Eras Tour nas cidades que a acolheram

Getty Images for TAS Rights Mana

O sentimento de impotência e ausência de respostas já levou fãs a expressar-se nas redes sociais, e o assunto chegou à página de fãs da cantora em Portugal. “Recebemos algumas mensagens de pessoas a dizer que os seus bilhetes para a The Eras Tour em Lisboa teriam sido cancelados sem motivo aparente”, lê-se numa publicação na rede social X (antigo Twitter) da conta Taylor Swift Portugal.

Também em plataformas como o Portal da Queixa se acumulam denúncias sobre os cancelamentos, ou no portal online da DECOPROTeste. “Se a compra dos bilhetes foi realizada de acordo com as condições contratadas, nomeadamente no que concerne ao limite máximo de bilhetes por consumidor, o promotor não pode decorridos meses após a mesma proceder ao cancelamento mediante a restituição do preço pago”, defende Sofia Lima, especialista em assuntos jurídicos da DECO. Também Maria Paula Milheirão afirma que “seria importante entender porque é que a See Tickets confirmou as respetivas compras de bilhete, não tendo detetado logo que existiam ordens de compra que não cumpriam as condições que estabelecera.”

Os e-mails de cancelamento datam pelo menos desde o dia 16 de novembro. Nos casos a que o Observador teve acesso, a plataforma de bilhetes See Tickets tem procedido ao reembolso dentro de poucos dias. Para a jurista da DECO Sofia Lima, “as condições de pagamento devem constar claramente nos T&C do promotor, sendo certo que as mesmas devem ser cumpridas desde que não sejam ilegais ou abusivas”. “Sem prejuízo do exposto, podemos suscitar alguma reserva relativa ao período temporal decorrido entre a compra dos bilhetes e respetivo cancelamento”, defende ainda.

Sofia Lima lembra que “os promotores devem reembolsar o preço do bilhete nas seguintes situações: o espetáculo não se realiza no local, data e hora marcados; o programa ou os artistas principais são substituídos ou se o espetáculo sofrer uma interrupção (exceto em casos de força maior)”, desenvolve. “Mais se esclarece que compete à Inspeção-Geral das Atividades Culturais (IGAC) o dever de fiscalizar os requisitos relativos ao incumprimento do reembolso do bilhete”, remata.

“Caso o consumidor não tenha sido informado estará então a See Tickets em incumprimento dos seus deveres de informação e inclusive dos seus deveres de cumprimento contratual"
Maria Paula Milheirão, advogada e sócia da SRS Legal

De facto, a Inspeção-geral das Atividades Culturais tem “um papel preponderante na supervisão e fiscalização das atividades culturais” em Portugal, como consta no site. Mas Luís Silveira Botelho, inspetor-geral da IGAC, expõe ao Observador, por e-mail, que “a competência da IGAC, em matéria de devolução do valor do preço do bilhete, limita-se à aplicação do artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 23/2014, de 14 de fevereiro”, que diz o seguinte:

“O promotor do espetáculo constitui-se na obrigação de restituir aos espectadores a importância correspondente ao preço dos bilhetes nas seguintes situações:

a) Não realização do espetáculo no local, data e hora marcados;

b) Substituição do programa ou de artistas principais;

c) Interrupção do espetáculo.”

O mesmo artigo diz que “compete à IGAC a verificação dos pressupostos de que depende a não restituição da importância correspondente ao preço dos bilhetes, mediante reclamação de qualquer interessado.”

Ora, explica o inspetor-geral que “no presente caso terá havido restituição do valor do preço do bilhete, pelo que não há lugar à aplicação desta norma”. “Eventualmente, poderá existir responsabilidade contratual ou extracontratual, mas essa é uma matéria que ultrapassa os nossos poderes de fiscalização”, conclui. Até à data, a IGAC não recebeu reclamações sobre o tema.

A See Tickets nunca respondeu aos vários pedidos de esclarecimento do Observador, nomeadamente para explicar o que fará com os bilhetes cancelados.

Entretanto, o desespero aumenta entre quem julgou ter o bilhete para os concertos esgotados e vê as datas cada vez mais próximas. “Vou continuar a dar seguimento à queixa no Portal da Queixa”, insiste Diogo Marques, lamentando que plataforma de venda e promotora escolham “deixar as pessoas sem qualquer tipo de resposta ou feedback“. “Já ponderei avançar para alguma queixa na polícia.”

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