Os bilhetes foram postos à venda na passada sexta-feira de manhã e esgotaram num ápice. A digressão mundial de Ricky Gervais, um dos nomes maiores do entretenimento, passa por Lisboa em outubro, e vai ter casa cheia na Altice Arena. A corrida aos bilhetes já era esperada pela produtora do espetáculo, que pediu, por isso, à plataforma que faz a gestão das entradas um reforço da capacidade de processamento dos servidores, para que os utilizadores não tivessem de enfrentar largas filas de espera. Acontece que esse pedido tem um custo. A cada bilhete acresceram cinco euros.
Não é a primeira vez que a produtora Ritmos e Blues inclui este extra no preço dos bilhetes para espetáculos. Ao Observador, fonte oficial da empresa explica que a taxa, denominada Premium Event Fee, é aplicada a “espetáculos que esperamos que tenham elevada procura”. Além de Ricky Gervais, também está a ser cobrada para o concerto de Rod Stewart, para o qual ainda existem bilhetes, e já foi incluída nas entradas para o espetáculo de Madonna. Quem compra um destes bilhetes depara-se com uma nota de rodapé: “Taxa aplicada a eventos cuja dimensão e volume de vendas exijam alocação de recursos acrescidos”.
Mas o que é, afinal, esta taxa de “evento premium” que faz os bilhetes ficarem mais caros? A mesma fonte da Ritmos e Blues explica que, em casos como este, em que é esperada uma procura elevada, “alocamos mais servidores, mais potentes e por mais tempo, para que a venda seja feita sem contratempos, contratando um software de filas de espera extra, o que melhora significativamente a experiência do cliente”.
Este “acréscimo de recursos” é feito “com o intuito de evitar o colapso do sistema de ticketing, como tantas vezes acontece”, diz a produtora. Isto porque “os sistemas de venda online de bilhetes não têm tido em Portugal a mesma evolução técnica que em outros países da Europa (que por isso também cobram taxas muito superiores às praticadas no nosso país), e estamos a procurar reverter, de alguma forma, as dificuldades que daí advêm”, justifica a Ritmos e Blues.
Face a isto, a produtora diz que procurou “agir com o intuito de melhorar o serviço prestado aos nossos clientes, evitando que ficassem bloqueados sem efetivar compras, com dificuldades de entrar no site, em filas de espera intermináveis, entre outros inconvenientes”.
Os cinco euros cobrados a mais servem para que a promotora pague os tais recursos extra à plataforma que processa a venda dos bilhetes, que no caso desta sexta-feira foi a Meo Blueticket. “Tudo isto tem um custo que é absorvido pelo consumidor final, sob a forma do Fee referido, cujo valor inclui IVA a 23%, por via de ser uma prestação de serviços, enquanto nos bilhete esta taxa se cinge a 6%”. É por isso que o custo do reforço de capacidade da plataforma não é incluído no preço final do bilhete, sendo cobrado à parte. Além desta taxa adicional é cobrada a habitual comissão de serviço (6%) que é apurada não apenas sobre o valor do bilhete, mas sim sobre soma deste mais o Fee de recursos extra.
Apesar deste reforço de capacidade pago pela promotora à plataforma, a venda de bilhetes para o espetáculo de Ricky Gervais não decorreu sem problemas. Os cerca de oito mil bilhetes colocados à venda — sendo que decorreu uma pré-venda entre quarta e quinta-feira — esgotaram pouco depois das 10h00, hora em que foram colocados à venda no site da plataforma Meo Blueticket e em lojas como a Fnac e a Worten. Mesmo assim, quem acedia ao site da Blueticket tinha de enfrentar uma fila de espera de largos minutos, mesmo depois de os bilhetes já terem esgotado.
Questionadas pelo Observador sobre a cobrança deste valor acrescido consoante a expectativa de adesão ao espetáculo, as plataformas de bilhética mais representativas em Portugal diferem na resposta. Fonte oficial da Blueticket, plataforma que foi adquirida pela Altice em 2020, refere que “a Blueticket implementa o acordado com o promotor de cada espetáculo, variando esse procedimento de promotor para promotor e de espetáculo para espetáculo”.
O Observador questionou a Blueticket sobre qual o aumento do valor cobrado às promotoras por este reforço de capacidade, mas não obteve resposta. Para o espetáculo de Ricky Gervais, que tinha uma lotação de 8094 espetadores, o valor amealhado, sem IVA, rondou os 30 mil euros.
De “situação pouco frequente” ao “nenhum custo adicional”
Outra das grandes plataformas de bilhética, a BOL, admite que, “por vezes, pode ser necessária uma solução tecnológica de reforço para eventos com procura anormalmente elevada”, mas esta “é uma situação pouco frequente”, refere Ricardo Nuno, CEO da ETNAGA, consultora de sistemas de informação que desenvolveu a BOL. “O custo associado a esse serviço pode ser ou não imputado ao promotor e dependerá do acordo existente, tipo de evento e tempo do serviço”, explica o responsável.
Já a outra grande plataforma de venda de ingressos para eventos, a Ticketline, tem uma política diferente. “São muitos os eventos que colocamos à venda na nossa plataforma, muitos deles de grande fluxo”, começa por explicar fonte oficial da empresa.
“Sempre que temos conhecimento do início de venda de um destes eventos, os nossos serviços incluem e pressupõem a preparação dos nossos meios técnicos e humanos de forma a responder da melhor maneira possível a necessidades do mesmo e da entidade que o promove, onde está incluído o reforço de servidores, sem que a entidade promotora tenha de o solicitar previamente”, sublinha a empresa. Foi o que aconteceu, sabe o Observador, no caso dos concertos dos Coldplay, anunciados em agosto do ano passado, e que geraram um volume de procura intenso.
“Acreditamos que esta disponibilização faz parte da qualidade do nosso serviço e em nenhum momento é cobrado qualquer custo adicional à entidade promotora ou cliente final”, garante a Ticketline.
Ao que o Observador apurou junto do setor, a cobrança à parte deste tipo de taxa enquanto serviço não é frequente. Por exemplo, nos recentemente anunciados concertos de Bob Dylan, promovidos pela Everything is New, o preço de cada bilhete também tem uma comissão de serviço associada. A cada bilhete de 100 euros acrescem 7,38 euros de “custos de operação”. Nos bilhetes de 80 euros, esse custo é de 5,90 euros e nas entradas de 70 euros a comissão é de 5,17 euros. Sobre estes custos de operação é aplicado IVA de 23%, enquanto o IVA dos bilhetes é de 6%.
A lei portuguesa impede, aliás, que as “agências e postos de venda” cobrem “quantia superior em 10% à do preço de venda ao público dos bilhetes”. No caso dos bilhetes para o espetáculo de Ricky Gervais, a plataforma referia preços “a partir de 45 euros”, sendo o preço “partido” no momento da compra, em 40 euros mais cinco euros de suplemento.
O caso Ticketmaster
O funcionamento das plataformas de venda de bilhetes, seja pela gestão da procura ou pelas comissões cobradas, tem estado no centro de um intenso debate internacional nos últimos meses. Que começa nos próprios artistas. No final do ano passado, foi a digressão de Taylor Swift que deu que falar, por ter deixado milhões de fãs sem bilhetes para a muito aguardada tournée da cantora norte-americana.
Neste caso, os holofotes estavam apontados à plataforma Ticketmaster, controlada pela promotora Live Nation. A procura por bilhetes foi tal que o sistema da Ticketmaster não aguentou a pressão. E deixou os fãs sem perceber como era feita a gestão das filas virtuais. Além disso, a revolta dos utilizadores também se dirigiu ao preço dos bilhetes, que na caixa era muito superior ao anunciado, tendo em conta comissões e taxas.
Swiftonomics. Será Taylor Swift a conseguir quebrar o alegado monopólio da Ticketmaster?
O caso levou a própria Taylor Swift a manifestar-se contra a Ticketmaster, dizendo ser “muito difícil confiar numa entidade externa com estas relações e lealdades”, e acusando a plataforma de cometer “erros”.
Mais recentemente, os The Cure também se insurgiram contra a Ticketmaster. A banda britânica anunciou que nos seus concertos não haverá bilhetes de categoria “platina” ou “com preços dinâmicos”, para que os espetáculos “sejam acessíveis a todos os fãs”. Os bilhetes de “platina” são uma categoria habitual nos espetáculos cuja bilhética é gerida pela Ticketmaster. Tal como os preços “dinâmicos”, cujo preço depende da procura.
Isso mesmo é explicado pela empresa no seu site oficial. “Em alguns casos, os eventos nas nossas plataformas podem ter bilhetes sujeitos ao valor de mercado, cujos preços podem ser ajustados em função da procura. Isto é semelhante ao que acontece com bilhetes de companhias aéreas e quartos de hotel e é o que normalmente se chama de ‘preço dinâmico'”.
Esta tendência ainda não chegou a Portugal. As condições de venda das plataformas que operam em Portugal referem apenas que “ao preço acresce uma comissão de bilheteira” que em média “corresponde a 6% do valor do bilhete”, no caso da Blueticket, ou que “sobre o valor total da transação acresce custos de operação mais IVA à taxa legal em vigor, consoante o evento escolhido”, no que toca à Ticketline. A BOL refere que a compra “pressupõe o pagamento de custos de operação de 6%, acrescidos de IVA, sobre o valor total da compra (valor mínimo 0,05€ por bilhete)”.
A digressão de Ricky Gervais é um dos casos sujeitos ao “regime” da Ticketmaster. À exceção de Portugal e de alguns países europeus, quem quis comprar bilhetes para a Armageddon teve de fazê-lo através do controverso sistema.
Em Espanha, por exemplo, o espetáculo do humorista, que passa por Barcelona em agosto, tem preços que oscilam entre os 52 e os 226,5 euros, sendo estes últimos da categoria “platina”. Aos bilhetes mais baratos, de 52 euros, são aplicados “gastos de gestão” de seis euros sobre um preço base de 46 euros. Os bilhetes de 73,5 euros, por exemplo, têm um preço base de 65 euros mais “gastos de gestão” de 8,5 euros.
Na Áustria os preços variam entre 54,90 e 249 euros, sendo que todos os preços “incluem taxas de serviço”. Já em Inglaterra os preços dos bilhetes são mais elevados, tal como o valor das comissões. Em Manchester, um bilhete “platina” chega às 295 libras, cerca de 335 euros. As queixas sobre os preços chegaram ao artista. “O organizador do evento atribuiu o preço destes bilhetes de acordo com o seu valor de mercado. A sua disponibilidade e preço estão sujeitos a mudança. O Ricky vai doar os ganhos dos Bilhetes Platina Oficiais a instituições de solidariedade”, refere o site da Ticketmaster relativamente às datas no Reino Unido.
Esta dificuldade na gestão da procura online tem motivado queixas, também, sobre a facilidade com que os bilhetes “caem” na mão de revendedores, o que faz disparar os preços.
No caso de Ricky Gervais em Portugal, aconteceu o mesmo. Poucas horas depois de os bilhetes terem sido colocados à venda, já era possível encontrar entradas em sites de revenda a mais do que o triplo do preço definido. Um bilhete para o balcão zero custava, na plataforma oficial, 70 euros. Neste sites de revenda pode chegar quase a 300 euros.