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FACUNDO ARRIZABALAGA/EPA

FACUNDO ARRIZABALAGA/EPA

Brexit. As três dúvidas que saíram de um dia de ziguezagues

Theresa May trocou as voltas aos deputados, adiou a votação sobre o Brexit e espera agora conseguir mais concessões dos europeus enquanto ganha tempo. Conseguirá? No Reino, a confusão está instalada.

Em nove minutos, tudo pode mudar. É essa a conclusão principal a retirar desta segunda-feira, dia em que o Governo britânico fez um recuo digno de nota em apenas nove minutos. Às 11h21 da manhã, o porta-voz da primeira-ministra, Theresa May, reforçava que a Câmara dos Comuns iria votar no dia seguinte a proposta de acordo para o Brexit. A ideia tinha sido amplamente repetida ao longo dos últimos dias. “A votação vai acontecer, como planeado”, foi o disco repetido que vários ministros e membros do Governo foram tocando nas televisões e jornais.

Eis que, às 11h30, todas essas frases caíam em saco roto. Reunida em videoconferência com os seus ministros, May anunciava a sua decisão: adiar a votação, já que, tendo em conta o cenário que se apresentava perante o Governo, o acordo como está não iria passar no Parlamento. A ideia seria reforçada pela própria à tarde, perante os deputados: “Se avançássemos com a votação, o acordo seria chumbado”, declarou May, perante muitos deputados céticos. “Prefiro não dividir a Câmara neste momento”, explicou, acrescentando que o plano agora é regressar a Bruxelas e obter “garantias” relativamente ao backstop, o mecanismo que, se entrar em vigor, manterá a Irlanda do Norte numa união comercial com a UE, algo que desagrada profundamente à maioria dos deputados. À hora em que May explicava isto no Parlamento, já o seu principal negociador, Olly Robbins, tinha chegado a Bruxelas.

A reação dos deputados às declarações da primeira-ministra foi duríssima. Começou com gargalhadas perante a frase de May “embora haja amplo apoio de ambas as partes a este acordo, continua a haver muitas preocupações”. Seguiram-se três horas em que os deputados repetiram as mesmas perguntas à primeira-ministra: “Porquê renegociar à última hora se até aqui dizia que tal era ‘impossível’?”, “Por que não aceitar um novo referendo?”, “Por que não se demite?”, foram algumas das ideias marteladas pelos deputados, que falaram em “humilhação”, “falta de controlo”, “perda de autoridade” e “ejaculação parlamentar precoce” — mas também em “coragem” por parte dos conservadores que apoiam a primeira-ministra.

Acima de tudo, depois de um dia de loucos que inverteu todo o calendário de discussão do acordo e que lançou o país ainda mais na incerteza — tendo a libra britânica caído para o seu valor mais baixo dos últimos 20 meses —, três dúvidas ficaram a pairar sobre a cabeça de todos. Irá a Europa aceitar renegociar a questão do backstop? Quando será votado um novo acordo nos Comuns? E irá May começar o novo ano com uma moção de censura?

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A Europa aceitará renegociar a questão do backstop?

Oficialmente, não. Foi isso que o presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, se apressou a esclarecer logo da parte da manhã. Pouco depois, seguir-se-ia o primeiro-ministro da República da Irlanda, Leo Varadkar: “Não é possível reabrir nenhum aspeto do acordo sem reabrir todos os outros”, relembrou. O Governo irlandês, disse, “já fez muitas concessões” neste processo.

Donald Tusk e Theresa May irão voltar a reunir-se para discutir que "garantias" pode a UE dar aos britânicos sobre o backstop (Leon Neal - WPA Pool/Getty Images)

Getty Images

De Dublin surgem receios de que May queira pôr em causa o backstop, a tal “apólice de seguro” que a União Europeia (UE) e Londres acordaram para o caso de não haver entendimento sobre a questão da fronteira entre as Irlandas até 2021. Em causa está a impossibilidade de haver uma fronteira física, como determinaram os Acordos de Paz de Sexta-Feira Santa entre as duas Irlandas.

Como solução, caso não haja acordo até lá, poderá entrar em vigor esta “rede de segurança” que mantém a Irlanda do Norte numa união aduaneira com os europeus, mantendo assim a livre circulação de bens entre as duas Irlandas — mas dando um papel diferente aos norte-irlandeses, o que desagrada a muitos nos Comuns. Para além disso, há ainda o facto de o Reino Unido só poder sair do backstop com o OK das duas partes (europeus e britânicos). Uma receita que desagrada a alguns conservadores, à maioria dos trabalhistas, aos escoceses do Partido Nacional Escocês (SNP) e aos unionistas irlandeses (DUP).

O que poderá então May conseguir de diferente em Bruxelas, no Conselho Europeu do final desta semana (quinta e sexta-feira)? Provavelmente algumas cedências formais, mas não de substância. Para isso mesmo apontou o presidente do Conselho, Donald Tusk, esta tarde, quando tweetou que os europeus estão dispostos não a renegociar o acordo, mas sim a “facilitar a sua ratificação” por parte dos britânicos.

Por outras palavras, em causa podem estar as tais “garantias” de que May tanto falou no Parlamento. Como avançaram fontes europeias a Peter Foster, editor europeu do Telegraph, a solução pode estar nas palavras: “O Serviço Jurídico da Comissão Europeia pode fazer uma declaração ou redigir uma adenda em que fique claro que o Artigo 50 é a base legal” e que, portanto, “só pode ser uma ‘ponte’ para o futuro e não uma solução permanente”. A ideia é a de utilizar linguagem que não ponha em causa o que foi acordado, mas que ajude a deixar claro que, caso um backstop entre em vigor, ninguém deseja que se mantenha indefinidamente.

Quando será votado um novo acordo nos Comuns? E será aprovado?

Para já, é impossível dar uma resposta concreta a esta pergunta já que, a avaliar pelo que foi discutido no Parlamento, o Governo e os serviços da Câmara dos Comuns não se entendem quanto aos prazos máximos em que um acordo deve ser votado.

Perante os deputados, May reforçou que uma nova votação teria de ocorrer até dia 21 de janeiro, como estava previsto até agora. Só que, no Twitter, os serviços do Parlamento demonstravam um entendimento diferente. Respondendo a perguntas dos internautas, a equipa legal da Câmara explicava que, sendo esta votação retirada, a contagem voltava a zeros. “Na prática, a data mais tardia [em que poderia ser votado um acordo] é a de 28 de março”, explicavam, referindo-se à véspera do dia em que o Reino Unido sai da UE. Confrontada com esta ideia em pleno debate, a primeira-ministra disse crer que essa informação não estava “correta”, mas não se alongou em considerações.

De qualquer das formas, a intenção do Governo deverá ser a de votar o acordo antes disso, embora ganhando algum tempo com este recuo. À jornalista da Sky News Beth Rigby, uma fonte falou em “inícios de janeiro” como uma altura provável para nova votação. Até aí, May espera não só ter conseguido as tais “garantias” europeias face ao backstop, como ter convencido mais deputados conservadores ou trabalhistas a apoiarem o seu acordo.

Theresa May, no corropio entre Downing Street e a ida aos Comuns. Perante a falta de apoio, a primeira-ministra optou por apresentar um adiamento da votação (GETTY IMAGES)

Getty Images

Dois grupos estão debaixo da sua mira, com duas estratégias diferentes, como explica a Economist: “Ela espera que os deputados mais moderados possam apoiar o seu acordo por recearem que, se for chumbado, o Reino Unido possa sair da UE de forma caótica, sem qualquer acordo. Entretanto, o adiamento e a indecisão sobre o Brexit tem levado a uma campanha revigorada para que haja uma nova votação pública. Ela espera que isto possa levar alguns dos mais fogosos Brexiteers a apoiarem o seu acordo, por recearem perder o Brexit de todo.”

Irá essa estratégia resultar? É difícil de prever. Para o editor do Guardian Andrew Sparrow, este é um plano que “cheira a desespero”. Para já, as probabilidades não estão a seu favor. Alguns dos conservadores mais pró-Brexit têm feito frente a May — o chamado grupo do European Research Group (ERG) — alertavam ao final do dia que os seus receios não se prendem apenas com o backstop.

“Acho que ela já não tem hipóteses de fazer aprovar este acordo”, prevê uma fonte europeia ao Politico, acrescentando que a probabilidade de uma saída sem acordo está agora mais elevada. Esse fantasma, contudo, pode levar a mudanças de posição de deputados de última hora. Serão suficientes?

Será apresentada uma moção de censura a Theresa May?

O líder do Partido Trabalhista, Jeremy Corbyn, aproveitou o debate desta segunda-feira para referir várias vezes a situação “caótica” em que a primeira-ministra “colocou o país”. De manhã, reagiu logo às notícias do adiamento, afirmando que o Reino Unido não tem neste momento um “Governo em funções”. No Parlamento, aproveitou para repetir a ideia que se a primeira-ministra não consegue um bom acordo para o país, deve “dar o lugar” a quem o consegue fazer — subentendendo-se que tal seria o Labour.

Contudo, apesar destas palavras, Corbyn nunca declarou que irá apresentar uma moção de censura para tentar derrubar este Governo, que considera tão incompetente. Isto apesar de ter sido várias vezes desafiado: primeiro no Twitter, pela primeira-ministra escocesa, Nicola Sturgeon (que classificou de “cobardia patética” a decisão de May); depois nos Comuns, pelo SNP, pelos Liberais Democratas e pelos galeses do Plaid Cymru, tendo todos mostrado disponibilidade para apoiar essa moção.

Ao final da tarde, um porta-voz do Partido deixava um esclarecimento sobre essa matéria aos jornalistas: uma moção de censura só será apresentada quando o Partido Trabalhista “achar que é mais provável [uma moção] ser bem sucedida”. “Quando a primeira-ministra regressar à Câmara sem ter conseguido mudanças significativas, os restantes membros da Câmara vão ser confrontados com essa realidade. Nessa altura, ela terá perdido decidida e inquestionavalmente a confiança do Parlamento num dos temas mais importantes que o país enfrenta.” Ou seja, por outras palavras, o Labour equaciona apresentar uma moção — mas não para já.

O taticismo político pode estar no facto de, para ser aprovada a moção, serem necessários os votos de alguns dos deputados que apoiam o Governo, já que a oposição não tem naturalmente maioria na Câmara. Há sinais que entre os conservadores mais eurocéticos há muita vontade de afastar May: “Não podemos continuar assim. A primeira-ministra tem de governar ou então demitir-se”, declarou esta tarde Jacob Rees-Mogg, o deputado do ERG que tem liderado um esforço para afastar a primeira-ministra, mas que não reuniu ainda as 48 cartas de deputados conservadores necessárias para abrir uma votação de moção de censura.

A oposição desafia o líder dos Trabalhistas, Jeremy Corbyn, a apresentar uma moção de censura. Por enquanto, o Labour ainda não o fez (JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR)

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Só que, claro está, nada é assim tão simples — caso contrário May já teria sido afastada. Rees-Mogg e outros Brexiteers como Boris Johnson podem estar desejosos de ver May pelas costas, mas não querem dar de mão beijada ao líder do Labour a possibilidade de vir a ser primeiro-ministro. “Isto não é governar, isto é arriscar colocar Jeremy Corbyn no Governo por ter falhado em conseguir o Brexit”, disse ainda Rees-Mogg aos jornalistas sobre a ação de May. Se forem os conservadores a promover uma moção de censura, May pode ser afastada, mas tal não significa necessariamente uma queda de Governo — pode ser apenas uma troca de liderança dos tories.

Nos próximos dias, todos se preparam para fazer contas e afiar facas: May espera convencer os deputados indecisos e assustados, Corbyn espera para ver e Rees-Mogg pressionará os seus colegas de bancada. Entretanto, as dúvidas vão pairando. E o relógio, esse, continua a contar até 29 de março, o último dia do Reino Unido dentro da União Europeia. A não ser que, claro está, o país decida voltar atrás. E se, até aqui, isso parecia impossível, desde esta segunda-feira de ziguezagues que já não o é: esta manhã, o Tribunal de Justiça da União Europeia decidiu que, se quiserem, os britânicos podem recuar unilateralmente na decisão de abandonar o clube europeu.

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