“Antes do Natal”. Foi esse o prazo que tanto Olaf Scholz (SPD) como Armin Laschet (CDU) estabeleceram na noite deste domingo para que haja uma acordo para uma coligação governativa na Alemanha. É o sonho dos dois homens que ainda acalentam a esperança de vir a ser chanceler e substituir Angela Merkel, que sai de cena ao fim de 16 anos no poder. Sim, o SPD foi o vencedor, mas a margem curta e a aritmética complicada fazem com que os conservadores da CDU ainda alimentem esperanças, caso Scholz falhe nas negociações. As conversas que se avizinham prometem ser uma dor de cabeça — e o mais certo é que o sonho de Scholz e Laschet se transforme num “Pesadelo Antes do Natal”, como o nome em inglês do filme de Tim Burton.
O foco agora está em tentar adivinhar quais serão as cores que irão colorir o próximo Governo alemão. Vermelho (SPD), amarelo (FDP) e verde (Verdes) como o semáforo? Preto (CDU), amarelo (FDP) e verde (Verdes) como a bandeira da Jamaica? Ou será antes como a do Quénia, com o negro (CDU) e o vermelho (SPD) pontuados pelo verde dos ecologistas? Essa é a grande questão que irá dominar a política germânica dos próximos meses. Mas adiantamo-nos: antes de olhar para o futuro, há que puxar a cassete para trás e recordar como foi esta noite eleitoral. Até porque, entre vencedores, vencidos e assim-assim, há pistas para perceber quem terá mais ou menos influência no processo que se segue.
Os vencedores
Verdes e liberais
São dois partidos muito diferentes — um ecologista de esquerda, outro de direita liberal —, mas esta noite tiveram mais a uni-los do que a separá-los. Para os Verdes, o resultado de 14,6% dos votos (que lhes deu 116 deputados no Bundestag) é um aumento significativo face às últimas eleições de 2017 (+5,7%). O FDP não tem de todo o mesmo crescimento (+0.8%), mas consolidou a sua força e é o parceiro de coligação mais desejado por todos — ainda nos últimos dias de campanha Scholz tentou sublinhar a sua proximidade com Christian Lindner, líder dos liberais.
Os dois partidos são os grandes vencedores da noite eleitoral, roubando espaço às duas grandes forças políticas do centro e assumindo-se como fiéis da balança, essenciais para qualquer acordo de governo: se Scholz quiser tentar ser chanceler sem a CDU, necessitará tanto dos Verdes como do FDP; se falhar, Laschet também necessitará destes dois partidos se não quiser fazer acordos com os sociais-democratas.
Com esta força política consolidada, ambos os partidos têm agora margem para imprimir parte das suas ideias no futuro programa de Governo e os seus líderes Annalena Baerbock e Christian Lindner podem até sonhar (mais um sonho de Natal?) com pastas ministeriais. Para além disso, mostraram que este é um momento de charneira na política alemã, em que os dois grandes partidos clássicos já não conseguem recuperar as maiorias gigantescas de outrora. Prova disso é a sondagem que dá conta de que estes são os dois partidos mais votados pelos eleitores que se estrearam nesta eleição.
Stimmanteile bei Erstwählenden: Mit 23 Prozent der Stimmen ist die FDP laut Infratest dimap die erfolgreichste Partei in dieser Gruppe. Danach folgen Grüne, SPD und Union vor der Linken und der AfD. #btw21 https://t.co/cgk7tl0cJS pic.twitter.com/rnCwA3YNYu
— tagesschau (@tagesschau) September 26, 2021
“Mais de 75% dos alemães não votaram no partido do futuro chanceler”, lembrou o líder dos liberais, bastante satisfeito no seu discurso desta noite. Já Baerbock não reagiu tão entusiasticamente nesta noite eleitoral, admitindo que o partido “queria mais” e assumindo as culpas por “erros” como o do escândalo de plágio que protagonizou.
O partido sonhou alto ao longo da campanha, achando que poderia ser possível ameaçar a hegemonia CDU-SPD, mas a noite confirmou que a fasquia talvez estivesse demasiado alta. O que não põe em causa o estatuto de vencedor dos Verdes nestas eleições — razão pela qual na sede do partido se dançou noite dentro.
Angela Merkel
A chanceler não se pronunciou ao longo deste dia. Ao ter optado pelo voto por correspondência, evitou a ida às urnas e o confronto com os jornalistas. À noite, esteve na sede da CDU e fez parte da moldura humana atrás de Armin Laschet aquando do discurso deste, mas também não falou em público nem respondeu a perguntas de ninguém.
É certo que Merkel assistiu a uma noite de pesadelo para o seu partido — que obteve o pior resultado de sempre em eleições legislativas ao longo da sua História. Mas se Merkel já saía da chancelaria com taxas de aprovação elevadas por parte dos eleitores, os resultados desta noite deixam ainda mais claro que os bons resultados da CDU ao longo dos últimos anos estiveram sempre intrinsecamente ligados à marca Merkel.
A prova mais evidente está em Pomerânia Ocidental-Rúgia. O círculo eleitoral por onde a antiga chanceler concorre ao Bundestag há mais de 30 anos foi perdido pela CDU e conquistado pelo SPD. O candidato conservador Georg Günther conseguiu apenas reunir 20,6% dos votos, um valor muito aquém dos 44% obtidos por Merkel em 2017.
Vencidos
Armin Laschet
O maior vencido da noite é, claramente, Armin Laschet. O homem que partiu como favorito no início da campanha eleitoral, e se viu ultrapassado por Olaf Scholz à última hora, chegou a este domingo e não conseguiu convencer mais de 24% do eleitorado a darem-lhe o seu voto — o pior resultado de sempre da História da CDU, ainda pior do que os 25% que a CDU tinha obtido nas eleições de 1949.
O partido terá perdido quase um milhão e meio dos votos que tinha obtido em 2017 diretamente para o SPD, de acordo com a análise do Infratest Dimap, citada pelo Frankfurter Allgemeine Zeitung. Ao mesmo tempo, perdeu quase meio milhão para os liberais do FDP e uns estonteantes 830 mil para os Verdes. Cerca de 100 mil dos que votaram em Merkel em 2017 desta vez optaram por ficar em casa.
“Não podemos estar felizes com isto”, assumiu Laschet perante o partido e os alemães. Mas não se pense que o conservador da Renânia do norte quer atirar a toalha ao chão: num discurso onde reconheceu o mau resultado, Laschet também quis manter em aberto a possibilidade de conseguir a chancelaria, caso o SPD falhe nas negociações: “O partido que nomeia o chanceler nem sempre é o que vence as eleições”, lembrou. Mais um sonho para adoçar o amargo de boca que foi esta eleição para a CDU.
Die Linke e AfD
O partido de esquerda radical alemão teve uma noite para esquecer: se em 2017 alcançou 9,2% dos votos, desta vez não foi além dos 5%, uma quebra para praticamente metade. E, à medida que os votos estiverem todos contados, esta eleição pode tornar-se um pesadelo ainda maior para o Die Linke: se não alcançar os 5% de limiar para a entrada no Parlamento, os esquerdistas podem mesmo ficar fora do Bundestag.
A liderança do partido assumiu o desastre num discurso rápido e seco. A sede do Die Linke esvaziou-se num ápice. Enquanto a maioria foi para casa lamber as feridas, um apoiante solitário ficou a dançar sozinho na pista de dança, ao som de uma banda sonora apropriada: “Dancing on my own”, de Robyn, notou o Politico.
Do outro lado do espectro partidário, a extrema-direita não teve uma noite tão má, mas também não pode cantar vitória. Com cerca de 10% dos votos, a AfD perdeu face a 2017 (-2,6%). Completamente afastado do poder — todos os partidos mantêm a “cerca sanitária” em torno da Alternativa —, mantém-se como força da oposição, mas não capitalizou com a crise provocada pela Covid-19.
“A AfD não consegue ir além do seu eleitorado base”, apontava o Die Welt, sobre um partido que mantém bons resultados no Leste da Alemanha, mas não se consegue estender para lá dessa região. Até os líderes do partido, habitualmente tão efusivos, reconheceram que o dia “não foi de grande vitória”.
Em banho-maria
Olaf Scholz
Em teoria, Olaf Scholz deveria estar na categoria de vencedor desta noite eleitoral, já que está encaminhado para ser o próximo chanceler alemão depois de uma campanha onde protagonizou uma recuperação notável face a Armin Laschet. Scholz bem tentou que fosse essa a narrativa: discursou dizendo que os eleitores lhe deram um “mandato claro”, falou de si na terceira pessoa, bebeu cerveja para descontrair em frente às câmaras e absorveu os gritos entusiásticos de “Olaf! Olaf!” por parte dos seus colegas de partido na Willy Brandt Haus.
„Olaf Olaf“ -now at party headquarters of @spdde pic.twitter.com/zL1U9jLzuw
— Nina Haase-Trobridge ???????? (@NinaHaase) September 26, 2021
É certo que foi a melhor votação para o SPD desde 2002 — os sociais-democratas só venceram legislativas nesse ano e, antes disso, em 1972 e 1998 —, mas a diferença face à CDU é pela margem mínima (menos de 2%). Isso faz com Scholz vá negociar uma coligação sempre com a sombra do conservador atrás de si. Qualquer passo em falso será aproveitado pela CDU.
Scholz pode ficar contente pela campanha que fez, mas o resultado final da eleição é curto e não o deixa respirar de alívio. A erosão dos partidos grandes como o SPD veio para ficar na Alemanha e o social-democrata não conseguiu inverter isso. Agora começa um longo caminho: negociar cada detalhe de uma coligação com parceiros tão diferentes como os liberais e os verdes — e logo com um limite de tempo (auto-imposto). Em breve veremos se foi apenas um sonho de uma noite de outono ou se Scholz tem mesmo estofo de vencedor.