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Charles Duhigg: "Há muitos anos diziam que não era possível conversar a sério ao telefone. Um dia também vamos conseguir nas redes sociais"

Jornalista vencedor de um Pulitzer, Charles Duhigg escreveu "Supercomunicadores" para tentar melhorar os diálogos com a mulher. Em entrevista diz-nos que há regras simples que podemos usar sempre.

Poucas linhas adentro do livro de Charles Duhigg (publicado pela Dom Quixote), há algo que começa a ficar óbvio: qualquer um de nós pode tornar-se num supercomunicador. Não há aqui uma romantização nem a tentativa de vender uma muito escorregadia banha da cobra. O que o norte-americano tenta demonstrar, através da ciência e de exemplos práticos, é de que há três tipos de conversas. É preciso treinar para os saber distinguir, uma vez feito o treino, é preciso desenvolvê-los, fazer uma coisa simples que, por vezes, nos ultrapassa na ideia de comunicar: ouvir. Mostrar que se está a ouvir, fazer perguntas, muitas, como o autor nos diz a dado momento: “É importante pensar no que se ouve, como se ouve e como se mostra o que estamos a ouvir outra pessoa”.

A facilidade com que isto pode ser alcançado não é novidade para quem já leu outros livros de Duhigg, como o best-seller A Força do Hábito (também publicado entre nós pela Dom Quixote), de 2012, numa altura em que a carreira do também jornalista sofreu um empurrão com o Pulitzer que lhe foi atribuído (a ele à equipa que com ele trabalhava então) graças a uma série de peças publicadas no New York Times em volta de algumas práticas das grandes companhias de tecnologia.

Numa altura de polarização, um livro como Supercomunicadores é bem-vindo. Não para dar ferramentas a fim de vencer um argumento, mas para aprender a desmontar os desencontros que tantas vezes existem nas conversas do presente. Mas também é um livro que nos conduz para os tipos de diálogos que hoje em dia vemos na televisão e de como isso tem entrado nas nossas conversas sociais. Um extra: Supercomunicadores também pode dar algumas soluções para ruídos e entropias na comunicação doméstica ou nas trocas de informação mais pessoais e íntimas.

A capa da edição portuguesa de "Supercomunicadores", de Charles Duhigg (Dom Quixote)

Depois de A Força do Hábito, agora Supercomunicadores. O que o leva a investigar estes temas?
Cada livro parte de uma questão que quero muito responder a mim próprio. Por exemplo: como é que melhoro os meus hábitos? Ou: como é que aperfeiçoou-o a minha comunicação com os outros? No início, o que quero perceber é como é que resolvo este problema para mim. Assim que o faço, espero ter construído um lugar que possa partilhar com os outros e que os outros possam beneficiar daquilo que aprendi também.

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Qual foi o problema original que gerou este livro?
Muito simples: eu e a minha mulher tínhamos um problema de comunicação. Havia um padrão. Por exemplo: eu chegava a casa depois de um longo dia de trabalho, começava a queixar-me do que tinha acontecido e ela dava-me alguns conselhos. “Porque é que não levas o teu patrão a almoçar para se conhecerem melhor”, coisas assim. E em vez de ouvir o que ela me dizia, ficava mais chateado. O que fazia com que ela ficasse chateada também. Quando comecei a falar com investigadores, rapidamente descobri que este é o erro: tendemos a pensar numa discussão como algo sobre um tema, sobre o nosso dia, sobre os filhos. Contudo, cada discussão é feita de vários tipos de conversação e cada conversação cai num de três grupos: há conversas práticas, em que resolvemos problemas; emocionais, “posso dizer-te como me estou a sentir mas não quero que resolvas os meus sentimentos, quero antes que mostres empatia”; e conversas sociais, sobre como falamos nos relacionamentos banais uns com os outros. Em todos os casos, se a conversa não for do mesmo tipo em simultâneo, para as diferentes pessoas envolvidas, é difícil criar uma conexão.

Isso acontece muito nas relações?
Era o que estava a acontecer comigo e com a minha mulher. Eu estava a ter uma conversa emocional e ela estava a ter uma conversa prática.

Como resolveu o problema?
Bom, aprendi a ter o mesmo tipo de conversa ao mesmo tempo. E ao fazê-lo, comecei a apreciar o momento em que tenho a mesma conversa.

Ou seja, qualquer um de nós pode aprender a ser um supercomunicador?
Sim, qualquer um pode ser um supercomunicador. E é algo muito evidente, não há muitas questões à volta disso. É uma questão de reconhecer que técnicas estamos a usar quando estamos a comunicar com alguém. Ou seja: que tipo de comunicação devemos aplicar num determinado momento e qual é a mais fácil. E depois é aplicar isso a toda a gente.

"Qualquer um se pode preparar, treinar, para ser um supercomunicador. É uma questão de prestar a atenção a como a comunicação funciona. Perceber, por exemplo, que elementos diferenciadores existem na comunicação com a minha mulher que fazem com que tudo resulte, que seja um sucesso. Como posso usar isso com as outras pessoas na minha vida?"

É errado pensarmos que está tudo na forma como falamos, na parte mais técnica? É sobretudo sobre o ouvir? Isso não o surpreendeu?
Não fiquei surpreendido com a ideia propriamente dita, com essa diferença de conceitos, mas sim com a quantidade de coisas que estão associadas ao ato de ouvir. Pensei neste “ouvir” como algo passivo, ou seja, simplesmente absorver o que alguém dizia. Na verdade, é mais do que isso, é mostrar que estamos a ouvir, provar que estamos a ouvir. É preciso passar tempo com alguém, fazer questões, repetir, recapitular para que de facto se perceba que estamos a ouvir, para que isso tenha resultados. É importante pensar no que se ouve, como se ouve e como se mostra que se está a ouvir alguém.

Apresenta muitas histórias no livro. Envolvem espiões, agentes da CIA…
Alguma favorita?

Talvez a que envolve um julgamento.
Essa é muito interessante. Mostra como nos influenciamos de formas tão diferentes que por vezes nem nos apercebemos. Há sempre uma negociação discreta que acontece no início de uma conversa. E quando isso está a acontecer, habitualmente o objetivo dessa negociação é perceber o que cada pessoa quer daquela conversa. E temos de fazer pequenas experiências para perceber isso, temos de testar teorias, ver como as pessoas reagem, há uma espécie de ping pong que é essencial para fazer isso funcionar. E é nuclear para perceber porque é que gostamos de falar com certas pessoas. Ou porque é que precisamos, quais os objetivos. Um tribunal, uma sessão de um julgamento, é um exemplo perfeito de tudo isto.

Quando ganhou o Pulitzer liderou uma equipa de jornalistas. O que aprendeu na realização deste livro que usaria de forma diferente nessa situação?
Uma das coisas que faria era passar mais tempo a fazer mais perguntas, mais perguntas aos meus colegas para tentar perceber os momentos em que eles estavam a dizer algo emocional ou algo mais prático. Creio que poderia ter feito um trabalho muito melhor em relação isso. Algo que também poderia ter feito era mostrar que estava a ouvir mais ativamente, poderia ter passado mais tempo a fazê-lo e teria gostado de o fazer. Bastava conseguir fazer isto para as mudanças valerem a pena.

Até que ponto alcançar estes objetivos depende de ótimas perguntas?
Mais do que fazer as perguntas certas, já há uma grande diferença em fazer perguntas. Porque muitas vezes elas nem sequer são feitas. No geral, quando fazemos perguntas, quando tentamos que elas sejam realmente envolventes, descobrimos que há uma vontade de nos encontrarmos.

De perceber onde se está, que tipo de conversa se está a ter?
Exato. Se a pessoa que nos está a ouvir, que está a responder às perguntas, se ela se deixar envolver com o que estamos a perguntar, isso corresponde a um encontro.

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"Diziam coisas como 'se não conseguem ver a outra pessoa, é impossível ter uma conversa com ela, nunca se irão conhecer realmente'

Gamma-Keystone via Getty Images

Durante o processo de investigação que fez para este livro, em algum momento começou a pensar nos supercomunicadores — e aqui incluo até as pessoas que estava a estudar — de um modo diferente? Ou seja: passou a compreendê-los, quando antes não os entendia?
Uma das coisas que mudou é que agora percebo… aliás, deixa-me fazer uma questão. Se estiver a ter um mau dia, chegar a casa e quiser falar com alguém que o faria sentir melhor, que o iria ajudar, sabe quem seria?

Sim.
Quem?

A minha mulher.
O que é que ela faz? Porque é que acha que valeria a pena falar com ela?

Ela ouve.
E foi sempre assim?

Não, com o tempo reduzimos o atrito, isto é, acho que nos ouvimos melhor agora. Daí ter ficado a pensar na importância do ouvir para ser um supercomunicador.
Aprendeu uma série de faculdades, provavelmente agora fazem perguntas um ao outro, mostram que ambos estão a ouvir. Provavelmente, repetem muitas coisas para garantir que perceberam que estão de facto a ouvir o que estão a ouvir. E isso são faculdades que pode desenvolver com qualquer pessoa, pode usar com a sua mulher, com colegas, com estranhos que encontra no autocarro. É isso que é importante. Por vezes pensamos na comunicação como algo que é muito especial só para quando estamos a fazer algo igualmente muito especial. Mas a verdade é que muitas pessoas podem ter ótimas conversas com qualquer pessoa e em qualquer situação.

Gosto de como faz parecer tudo tão fácil. De certa forma, o seu livro é tranquilizador: podemo-nos preparar para ser supercomunicadores.
Sim, penso que qualquer um se pode preparar, treinar, para ser um supercomunicador. É uma questão de prestar a atenção a como a comunicação funciona. Perceber, por exemplo, que elementos diferenciadores existem na comunicação com a minha mulher que fazem com que tudo resulte, que seja um sucesso. Como posso usar isso com as outras pessoas na minha vida?

E é simples de pôr em prática essa atitude numa altura em que se usa tanto as redes sociais, plataformas em que a maior parte das pessoas está mais preocupada em falar do que em ouvir?
Temos de aprender a usar as redes sociais. Há muitos anos, quando os telefones se tornaram populares, há cerca de cem anos, havia estudos, na altura a dizer que as pessoas nunca teriam uma conversa real ao telefone. Porque, até àquele momento, as pessoas falavam cara-a-cara. Então diziam coisas como “se não conseguem ver a outra pessoa, é impossível ter uma conversa com ela, nunca se irão conhecer realmente”. O que é interessante é que, naquela altura, tinham razão. Se espreitar as conversas que as pessoas tinham na altura, as transcrições de então, as conversas entre as pessoas pareciam telegramas, como se fossem pedidos de stock ou listas de compras. Não tinham conversas. Contudo, quando nós éramos adolescentes (Charles Duhigg tem 50 anos), conseguíamos ter conversas durante toda a noite ao telefone e eram conversas importantes e com emoção. E isso aconteceu porque aprendemos a usar os telefones. O que irá acontecer é que as pessoas irão aprender a usar as comunicações digitais e as redes sociais. Tenho dois filhos, de 13 e 16 anos, ambos têm telefones e sabem como comunicar digitalmente, têm conversas reais. É isso que eles são capazes e nós aprenderemos a fazer isso também. Um dia também vamos conseguir nas redes sociais.

"Se quisermos saber se devemos casar ou acabar uma relação, a IA não irá ser uma grande ajuda nessa conversa. Não tem essa capacidade. E pode nunca vir a ter... ou pode, mas isso é mais à frente. Hoje em dia temos imensas pessoas à nossa volta com quem conversar."

Quando começámos a enviar mensagens de texto, elas eram sempre curtas. Agora são diferentes, por vezes parecem emails.
Exato, aprendemos a usar isso. E isso é importante, porque quando aprendemos a usar é quando começamos a ter conversas reais. E as regras são as mesmas, seja digital, ou cara-a-cara, preciso de fazer perguntas, mostrar que estou a ouvir, preciso de encontrar a outra pessoa na conversa e adaptar-me. Em simultâneo, convidar a outra pessoa a encontrar-me na minha conversa. As regras podem aplicar-se todos os meios, temos é de aprender a usá-las no contexto.

A inteligência artificial pode ter um papel nisto?
Sim. Atenção, não acho que consiga replicar uma conversa humana, qualquer pessoa que use IA percebe isso. Para algumas coisas é útil, podemos encontrar esclarecimentos, descobrir respostas factuais ou partilhar conhecimento. Mas se quisermos saber se devemos casar ou acabar uma relação, a IA não irá ser uma grande ajuda nessa conversa. Não tem essa capacidade. E pode nunca vir a ter… ou pode, mas isso é mais à frente. Hoje em dia temos imensas pessoas à nossa volta com quem conversar.

Voltando à pergunta inicial, mas desta vez aplicada a A Força do Hábito. De que forma mudou a sua vida?
Passo muito mais tempo a pensar em como criar bons hábitos. Quero criar um hábito na minha vida, escolho uma recompensa associada a esse comportamento, porque sei que a recompensa irá reforçá-la. Por exemplo, se vou correr de manhã, não o irei fazer num dia que sei que me vai atrasar o trabalho ou atrasar-me para algo, porque aí estarei a punir-me: estarei stressado, stressado a correr. Por isso, passei imenso tempo a pensar em como criar hábitos que quero que se tornem regulares.

Não vai correr porque iria ficar atraso. Troca por alguma coisa?
Nessa manhã simplesmente não vou correr. Como é que é consigo?

O mesmo. Se me vai chatear, não faço. Aprendi isso com a idade.
Quanto mais percebemos os nossos comportamentos e como os podemos moldar, tornamo-nos muito mais recetivos a moldá-los.

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"O mais importante para nos tornarmos um supercomunicador é querer ser um supercomunicador, querer criar uma ligação com a outra pessoa, levar isso a sério, criar uma ligação"

Corbis/VCG via Getty Images

Sente a pressão de ser um autor best-seller?
Não. Tento escrever sobre coisas que são interessantes, que podemos aplicar nas nossas vidas normais e que são verdade. E tento escrevê-las da melhor forma que consigo. Espero que o mundo goste delas. Mas não sinto pressão, não.

Mas está sempre à procura do próximo tema?
Sim, porque gosto de escrever. É o que gosto de fazer. Gosto de todas as componentes de fazer um livro. Investigar prepara a escrita, a escrita é parte importante do investigar. Não faço diferenciação, é tudo parte do mesmo.

Já agora e totalmente a propósito: Donald Trump é um supercomunicador?
Para as pessoas que gostam dele, sim. Se o vir em campanha, por exemplo, percebe que ele perde imenso tempo e energia a dizer que está a ouvir. E a comportar-se como o público que tem à frente: quando as pessoas estão emotivas, ele também fica emotivo. Quando estão sérias, ele fica sério. Não gosto do Trump, não vou votar nele, espero que não seja o próximo Presidente, mas é muito eficaz na hora de comunicar com as pessoas com quem ele quer comunicar.

E depois de escrever o livro, como estão as conversas com a sua mulher?
É um processo! Ela diz-me que há coisas que eu faço que não estão de acordo com o padrão do livro. O mais importante para nos tornarmos um supercomunicador é querer ser um supercomunicador, querer criar uma ligação com a outra pessoa, levar isso a sério, criar uma ligação, mostrar que queremos ter essa ligação. Tento fazer isso. E há momentos em que consigo e outros em que não consigo. Mas continuo a tentar. As conversas com a minha mulher ficaram melhores, sim. É um bom princípio.

 
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