Os Ensaios do Observador juntam artigos de análise sobre as áreas mais importantes da sociedade portuguesa. O objetivo é debater — com factos e com números e sem complexos — qual a melhor forma de resolver alguns dos problemas que ameaçam o nosso desenvolvimento.
A protecção dos denunciantes de crimes tornou-se um assunto essencial e tem merecido destaque isolado, muito por culpa dos fenómenos Julian Assange, Rui Pinto ou Edward Snowden. Contudo, o tema é indissociável do “crime sem vítimas”, que é a corrupção e criminalidade conexa. É portanto preciso voltar a ela, antes de mais.
Os portugueses parecem mais conscientes de que é preciso querer tomar medidas para combater os fenómenos de corrupção: num estudo recente, a corrupção passou para o topo das preocupações dos inquiridos. O primeiro-ministro, António Costa, já anunciou que o combate à corrupção será a grande bandeira da próxima legislatura. Só poderá ser, de facto, da próxima: apesar dos sucessivos anúncios de “pacotes anticorrupção”, desde há mais de uma década, o facto é que Portugal se mantém abaixo da média europeia e completamente estagnado na implementação de medidas de combate à corrupção. A percepção pública, porém, está a mudar. Segundo o Eurobarómetro Especial sobre a Corrupção, 92% dos portugueses acreditam que se trata de um problema geral no país, e 42% já reconhecem que a corrupção tem consequências no seu quotidiano e afecta a sua própria vida. Acresce ainda que, num estudo de 2017 realizado para a Comissão Europeia, estimou-se que, no âmbito da contratação pública, as perdas anuais de potenciais benefícios para os países da União Europeia decorrentes da falta de mecanismos de protecção de denunciantes estariam entre os 5,8 e os 9,6 mil milhões de euros.
Ou seja, a corrupção é uma preocupação cada vez maior dos cidadãos, mesmo que isso não esteja a ter correspondência nas políticas públicas. Porquê? É possível que Luís de Sousa, no seu ensaio Corrupção, da Fundação Francisco Manuel dos Santos, tenha razão quando afirma que, “em termos abstractos, a maioria dos cidadãos rejeita a corrupção. Contudo, na prática, perante constrangimentos reais à satisfação das suas necessidades, acaba por ceder”. Talvez haja, o que não é possível demonstrar cabalmente, um modo de estar na sociedade portuguesa que julga que é com corrupção que as coisas funcionam e que sempre vão assim funcionar. Ora, num país onde ainda reina uma cultura que condena os “bufos”, talvez seja tempo de ultrapassar o estigma. Há que perceber as vantagens e que estes merecem protecção, que não podem ser prejudicados na sua vida pessoal e profissional por denunciarem o que conhecem, que não podem pactuar com o fenómeno com medo de perder o emprego, de não voltar a arranjar emprego, de sofrer qualquer tipo de marginalização. Também aqui estamos a tratar de criar mecanismos de transparência e de combate à corrupção. Vejamos, então, o que está em causa.
Definição: de que falamos quando falamos em “denunciante”?
Em primeiro lugar, insista-se, é importante que culturalmente um denunciante não seja tratado como um “bufo”. Os denunciantes, num Estado democrático, comunicam às autoridades factos ilegais de que tiveram conhecimento de forma legal. Mais detalhadamente, como explica a Associação Transparência e Integridade, o denunciante deverá ser alguém (não só um funcionário público ou um trabalhador do sector privado, mas também um consumidor ou um utente de serviços públicos) que, tendo conhecimento relevante, divulgue “irregularidades, incluindo corrupção, outras infrações penais, violações de obrigações legais, erros judiciários, riscos específicos para a saúde pública, segurança ou meio ambiente, abuso de autoridade, uso não autorizado de fundos ou bens públicos, má gestão, conflitos de interesses e actos que visem encobrir qualquer uma das práticas mencionadas”.
Em segundo lugar, não estamos aqui a tratar de casos de delação premiada, note-se. Esta figura visa conferir ao agente do crime uma isenção ou atenuação de pena por colaboração com as autoridades. Ou seja, alguém que praticou um crime mas que, tendo obtido conhecimento da prática de outros ou dos mesmos crimes por outras pessoas, colabora com as autoridades no sentido de serem apurados todos os factos que sem essa colaboração se tornariam de difícil ou impossível acesso. Ao contrário do arrependido ou do delator, o denunciante nunca age como autor ou cúmplice do crime, nem recorre à prática de outros crimes para obter informação ou para denunciar o crime às autoridades.
Olhando, então, para o que aqui se entende por “denunciante”, é fundamental percebermos que quem colabora com as autoridades carece de protecção legal e que essa colaboração até deve ser incentivada, sob pena de mantermos o já falado receio de represálias sociais ou profissionais na sequência da denúncia, por um lado, ou, por outro, de mantermos os Estados, que têm competências exclusivas de investigação criminal, dependentes daqueles que, no limite, deveriam beneficiar de mecanismos de delação premiada e não de regimes de protecção semelhantes aos que devem ser conferidos a quem não praticou crimes para denunciar. Essencial é que se entenda, desde logo, que o denunciante não é um praticante de um crime, mas antes aquele que tomou conhecimento, de forma legal e legítima, da prática de um crime e que tem o dever público de o comunicar às autoridades.
Perspectiva internacional: que mecanismos de protecção existem lá fora?
O atraso na implementação destes mecanismos de transparência não é só nosso, claro. Já em 2007, a Pricewaterhouse Coopers (PWC) analisou mais de 5.400 empresas de 40 países e constatou que os mecanismos internos existentes para detectar fraudes não eram suficientes e que se revelava necessário incentivar as denúncias e a protecção dos denunciantes contra a retaliação. Mas também verificou que 43% das fraudes praticadas nas empresas eram descobertas através de whistleblowers. Os mecanismos de protecção de denunciantes só agora começam a dar os primeiros passos em Portugal, sim. Mas, no direito internacional e no direito comparado, o caminho tem sido feito. E a realidade demonstra-o: recorde-se, por exemplo, que os grandes escândalos da Enron e da Worldcom foram detectados graças a denúncias efectuadas por duas funcionárias daquelas empresas. No Reino Unido, por exemplo, num inquérito de 2014, constatou-se que, só naquele ano, os casos de whistleblowing tinham aumentado em 38% face ao ano anterior. E que 60% dos casos tinham que ver com casos de branqueamento de capitais ou manipulação de mercado, por exemplo. O que, só por si, representa uma grande distância para com a nossa realidade. O que podemos, afinal, aprender com os outros?
Na Europa. A Convenção Penal do Conselho da Europa sobre a Corrupção, de 1999, foi precursora, em contexto europeu, no regime de protecção de denunciantes. Há 20 anos já se previa que os Estados signatários da Convenção instituíssem medidas adequadas a garantir a protecção de denunciantes e testemunhas de corrupção e criminalidade conexa. No mesmo ano, foi também assinada a Convenção Civil do Conselho da Europa sobre a Corrupção que, em linha idêntica, protegia os trabalhadores denunciantes que, de boa fé, denunciassem casos de corrupção às autoridades. O Parlamento, o Conselho e a Comissão, por seu turno, têm gerado um elevado número de diplomas, diferenciados por sectores, que visam proteger denunciantes: em 2014, o Regulamento 596/2014 reconheceu a protecção de denunciantes como sendo essencial para assegurar o funcionamento do mercado interno, pelo que os Estados-membros deviam garantir a existência de mecanismos que favorecessem a denúncia de ilícitos; noutro Regulamento, o Parlamento e o Conselho previram medidas de protecção de identidade de denunciantes de acidentes ocorridos na aviação civil; numa Directiva de 2013, visava-se incentivar métodos adequados para a protecção de denunciantes em matéria de segurança de operações offshore de petróleo e gás; em 2014, o Comité de Ministros do Conselho da Europa recomendou aos Estados-membros a criação de mecanismos jurídicos para protecção de denunciantes no âmbito das relações laborais; em 2015, a 4.ª Directiva Anti-Branqueamento de Capitais e Contra o Financiamento do Terrorismo esclareceu que a denúncia de irregularidades por trabalhadores não constitui violação de deveres de confidencialidade, desde que realizada de boa fé, além de que os denunciantes de suspeitas de branqueamento de capitais devem ser protegidos contra ameaças ou outro tipo de hostilidades, nomeadamente contra actos discriminatórios das entidades empregadoras; no Estatuto dos Funcionários das Comunidades Europeias prevê-se que estes devem comunicar ao Organismo de Luta Anti-Fraude irregularidades de que tomem conhecimento; e a Comissão Europeia, em 2012, já havia implementado as Whistleblowing Guidelines.
Já este ano, o Parlamento Europeu aprovou um novo diploma com o intuito de proteger denunciantes que ajam em prol do interesse público na União, criando um enquadramento legal de protecção uniforme em toda a União Europeia, eliminando as variações normativas que actualmente existem de Estado-membro para Estado-membro. Ao abrigo da directiva, todas as pessoas que denunciem casos de fraude fiscal e de lavagem de dinheiro, que ponham em causa contratos públicos, a segurança dos produtos e dos transportes, a protecção do ambiente, a saúde pública, a protecção de consumidores ou de dados pessoais, passam a estar protegidas, prevendo-se canais de comunicação seguros para as denúncias e medidas contra a intimidação e as represálias, além de se prever o recurso aos meios de comunicação social em que haja perigo iminente para o risco público ou risco de retaliação, como a despromoção ou o despedimento.
Nos Estados Unidos. Os sistemas anglo-saxónicos são tidos como os mais avançados do mundo nesta matéria, já que também foram os primeiros a assumir a importância que o assunto tem no que diz respeito ao combate à corrupção e à criação de sociedades dotadas de mecanismos de transparência. Nos EUA existe legislação sobre esta matéria em vários graus: federal, estadual e local, relativa ao sector público e ao sector privado. O Whistleblower Protection Act, de 1989, e o Whistleblower Protection Enhancement Act, de 2012, versam, ao nível federal, sobre o sector público; o Sarbanes-Oxley Act, de 2002, e o Dodd-Frank Wall Street Reform and Consumer Protection Act, de 2010, debruçam-se sobre o sistema financeiro e empresarial, no sector privado.
O WPA, mais antigo, já prevê a protecção de trabalhadores, antigos, actuais ou candidatos a emprego, enunciando um extenso conjunto de factos denunciáveis, que consubstanciem violações de quaisquer leis, má gestão, desperdícios de fundos ou abusos de autoridade. Qualquer denúncia encontra-se protegida a tal ponto que a protecção se mantém caso os factos se venham a revelar falsos, desde que a denúncia tenha sido realizada de boa fé. Com o intuito de proteger denunciantes, foi criado um órgão independente que recebe as denúncias, as pré-avalia e as transmite à autoridade competente para a investigação. Além disso, todo aquele que empregar algum género de retaliação contra um denunciante de crimes federais incorre numa pena de prisão de até 10 anos ou multa.
Por fim, realce-se que os norte-americanos possuem ainda mecanismos de recompensas, através dos quais é facultado ao cidadão denunciante a capacidade de processar alguém que tenha defraudado o Estado, de forma a recuperar dinheiro que tenha fugido do próprio Estado. Os cidadãos são, assim, incentivados a denunciar irregularidades ou ilegalidades, uma vez que ficam habilitador a receber até 30% das quantias recuperadas judicialmente. A CMVM americana, por sua vez, pode atribuir a denunciantes de violações à legislação sobre o sector financeiro o pagamento de recompensas também de até 30% dos valores recuperados.
No Reino Unido. Também aqui a denúncia se encontra protegida, sobretudo no âmbito das relações de trabalho. A lei estabelece, por exemplo, que os deveres de sigilo ou confidencialidade decorrentes de contrato ou acordo entre trabalhador e empregador é considerado nulo, isto é, não produz quaisquer efeitos se impedir o trabalhador de denunciar uma irregularidade, ilegalidade ou crime de que tenha conhecimento lícito. No Reino Unido foi ainda criado um órgão independente do Governo e da Administração Pública que pode receber denúncias de funcionários públicos relativas a violações de códigos de ética.
E, em Portugal, que garantias têm os denunciantes?
Comece-se por dizer que a referida directiva comunitária publicada neste ano de 2019 acabou por não ser transposta para o ordenamento jurídico português na última legislatura, o que se espera que venha a ser corrigido na próxima.
Podíamos aqui esmiuçar o ordenamento jurídico, procurando encontrar na Constituição ou na legislação penal e processual mecanismos de protecção de denunciantes tal como aqui se pretende abordar – e como, de resto, tem sido abordado, como vimos, pelo direito comunitário ou nos sistemas anglo-saxónicos. Mas, na verdade, no nosso ordenamento não é farto em diplomas que se debrucem expressamente sobre a protecção de denunciantes. Veja-se a Lei n.º 19/2008, criada no âmbito da Convenção Penal contra a Corrupção. Neste diploma foi introduzida uma norma que conferiu garantias aos funcionários públicos caso estes denunciassem casos de corrupção de que tivessem conhecimento no âmbito do desempenho das suas funções. Estes não podem, então, ser prejudicados sob qualquer forma.
Já em 2015, na sequência de novas recomendações do GRECO, da ONU e da OCDE, aquele diploma foi alterado, alargando as garantias previstas aos funcionários do sector privado, e possibilitando aos denunciantes o acesso ao direito de beneficiar das medidas relativas à protecção de testemunhas que se encontram previstas no processo penal, além da garantia do anonimato até à dedução da acusação ou do direito a ser transferido, sem faculdade de recusa, após a dedução da acusação.
Em 2017, em legislação relativa ao combate ao branqueamento de capitais e financiamento do terrorismo, foi previsto no ordenamento português que as pessoas que denunciem irregularidades ou violações naquele âmbito não podem ser alvo de procedimentos criminais baseados na apresentação dessa denúncia, excluindo assim, para estes efeitos, a ilicitude do acto de denúncia – impossibilitando assim a condenação do denunciante pela prática do crime de difamação. Além disso, é ainda prevista a confidencialidade do denunciante e a proibição da prática de actos hostis, a nível laboral ou não, sobre o denunciante.
Além disso, existe ainda um sistema de denúncia electrónica alojado no portal da Procuradoria-Geral da República, o “Corrupção: Denuncie aqui”. Trata-se de um sistema que funciona como um serviço de correio electrónico com a função de receber de funcionários informação sobre actividades ilícitas praticadas em contexto de trabalho, um sistema que tem sido recomendado como estando ao nível das melhores práticas internacionais. A prática, porém, tem feito constatar que a grande maioria das denúncias tem acabado com muitos arquivamentos e poucos inquéritos (3655 contra 478, nos anos de 2014 a 2017, segundo o Relatório do Ministério Público sobre Corrupção e Criminalidade Conexa), o que acaba por tornar o sistema menos relevante do que poderia ser, já que muitas das denúncias não versam sobre crimes de corrupção e criminalidade conexa, mas sobre outro tipo de irregularidades ou constituem meras denúncias de insatisfação relativamente a determinados serviços públicos. Trata-se, na verdade, de um mecanismo com pouca visibilidade, com pouca promoção mediática e social.
O que podemos fazer melhor?
As práticas internacionais, como vimos, ajudam a perceber em que sentido podemos caminhar. E a Associação Transparência e Integridade – Portugal publicou, em 2018, um documento sobre o estado da arte em matéria de protecção de denunciantes em Portugal, deixando uma série de recomendações relevantes para a melhoria do ordenamento jurídico sobre este assunto. Tomarei aqui a liberdade de mencionar algumas delas.
- A criação de um regime único. A TIP sugere a criação de uma lei geral de protecção de denunciantes, que na prática terá de ser consequente com a nova directiva comunitária que aponta nesse sentido e que terá, forçosamente, de ser transposta para o ordenamento jurídico nacional. A verdade é que, como refere a TIP, um regime único de protecção tem a vantagem de atingir uma maior democraticidade, na medida em que se torna mais fácil ao cidadão a consulta de uma única lei do que ter de se informar relativamente a cada área da vida em sociedade em que se possa inserir o seu caso enquanto potencial denunciante.
- A definição expressa do conceito de denunciante e das infracções denunciadas, que a TIP refere que deve ser suficientemente abrangente, de forma a incluir diversos tipos de denunciantes e de infracções detectadas. De facto, como refere o documento, a Lei n.º 19/2008 não configura uma definição de denunciante que possibilite um enquadramento suficientemente amplo do regime de protecção. O documento sugere, então, que seja legalmente definido o conceito de denunciante como “qualquer indivíduo, do sector público ou do sector privado, independentemente do vínculo laboral que possua (ou sequer da existência de um vínculo de todo), que comunique um crime, violação de tratado internacional, violação de lei ou regulamento ou um perigo para o interesse público de que tenha conhecimento e o faça com fundadas suspeitas da veracidade dos factos.” A esta definição, acrescentaria apenas a necessidade de prever que o meio de obtenção da informação da prática de tais irregularidades tenha sido de boa fé, sem que tenha envolvido a prática de outros crimes. Caso contrário, estaríamos perante um caso de delação premiada, como vimos anteriormente.
- Faz sentido, também, o alargamento dos mecanismos de comunicação de infracções a outras áreas para além dos já actualmente previstas – de combate ao branqueamento de capitais e financiamento do terrorismo e sociedades cotadas em bolsa. Essencial, para a operacionalização destes mecanismos noutros sectores de actividade é a criação de sanções aplicáveis às entidades que não implementem mecanismos internos de comunicação de denúncias.
- No pouco que o nosso ordenamento jurídico conseguiu produzir nesta matéria, não foi criada qualquer sanção expressa para quem retalie contra um denunciante, ao contrário do que acontece, por exemplo, nos Estados Unidos., o que também deverá ser corrigido.
- Os incentivos à denúncia com base em mecanismos de recompensa monetária, como existe nos EUA, pode ser encarado como pouco ético ou imoral, até, mas é possível incentivar a denúncia através da concessão de benefícios ou isenções ao denunciante.
- O Parlamento Europeu, em 2017, recomendou aos Estados-membros que criassem órgãos independentes incumbidos de recolher denúncias e dar seguimento às mesmas. Em Portugal, tal continua por cumprir, sendo que a ATI sugere que o Conselho de Prevenção da Corrupção possa assumir essas competências.
Conclusão
A prática, em Portugal, é a que podemos chamar “a do costume”: não está propriamente tudo por fazer, mas estamos muito longe de ser um exemplo em matéria de combate à corrupção. Neste tema específico da protecção de denunciantes, estamos mesmo muito longe daquelas que são as melhores práticas internacionais e até das recomendações das instituições europeias.
O que parece essencial é que sejam criados mecanismos de protecção de todos aqueles que, tendo conhecimento legítimo da prática de ilegalidades, nomeadamente em matéria de corrupção, sejam incentivados a denunciar tais práticas às entidades competentes e que não sejam prejudicados nas suas vidas pessoais e profissionais. A falta destes mecanismos legais tem, na verdade, dado origem a um debate público que permite que se tornem comuns as posições que defendem que aquele que, através da prática de crimes, obteve determinada informação relativa à prática de ilegalidades deva ser protegido, em vez de ser julgado e condenado pela própria prática do crime que cometeu. Quanto menos se protege o denunciante de boa fé, mais dependentes dos denunciantes criminosos ou de má-fé ficam as sociedades contemporâneas.
A grande conclusão é, pois, esta: essencial é que se construa um sistema forte, eficaz e completo de protecção de denunciantes. Não será preciso muito. Basta seguir as recomendações e as melhores práticas internacionais, e aquilo que têm defendido as associações e forças da sociedade civil que se têm dedicado a este tema. Mas talvez falte o mais importante: vontade política para o fazer.
Nuno Gonçalo Poças é advogado e foi assessor no XIX Governo. Escreve no Observador sobre o sistema político e a justiça.