Passou o All-Star Weekend e num instantinho aqui estamos nós, naquela fase da época da NBA que antecede a fase da época da NBA que mais gostamos – e uma forma mais simples de dizer isto é que acabou a primeira parte da regular season, as equipas já fizeram as trocas que tinham a fazer e faltam menos de 40 jogos para chegarmos ao playoff, que é o que realmente queremos ver. E quem é que queremos ver? A resposta é simples: não-americanos. Giannis, Jokic, Doncic, Shai, Wemby.
Ok, parece que estou a desmerecer as estrelas dos Celtics (Tatum e Brown) e a regular season. Mas vamos ser sinceros: a primeira parte da época, por mais interessante que seja, serve para percebermos em que estado as equipas estão e que mudanças têm de efetuar. No Oeste, as duas equipas que dominam (Minnesota e Oklahoma) estavam no fundo da tabela há três ou quatro anos, enquanto Golden State entrou no modo colapso geracional; a Este, os Celtics estão a confirmar o seu favoritismo, enquanto os Bucks, apesar do seu terceiro lugar, podiam estar melhor defensivamente, razão pela qual mudaram de treinador.
O All-Star Weekend, que é cada vez mais um golpe de marketing sem interesse desportivo, marca o início da competição a sério: o período de trocas acabou e é nesta altura que os melhores jogadores começam a jogar mais minutos, de modo a ajudarem as suas equipas a subirem na tabela, que a rotação diminui e se estabelecem aqueles sete ou oito com quem se vai jogar o resto da época, o contacto físico aumenta, o trash talk intensifica-se, começa a sentir-se o cheiro a playoff, a win or go home, como dizem os americanos.
Esta é a altura em que os focos se centram nas estrelas. Mas, ao contrário do que acontecia na época de Bird, Magic e Jordan, os focos procuram não-americanos. A NBA, como agregadora dos melhores jogadores do mundo, pertence ao grego Giannis, cuja simples presença transforma os Bucks em eternos candidatos ao título; ao camaronês Joel Embiid, sendo que no caso ainda não é certo se a lesão de que padece o permite voltar a jogar este ano; a Rudy Gobert (França) e Karl-Anthony Towns (República Dominicana), ambos de Minnesota; a Shai Gilgeous-Alexander (canadiano de Oklahoma); a Luka Doncic (Dallas) e a Nikola Jokic (Denver). Até os Knicks, cuja maior estrela, Brunson, é um americano, têm em Anunoby (Reino Unido) e Bogdanovic (Sérvia), os side man principais para alcançarem uma gracinha. E, já agora, os Celtics seriam tão candidatos sem o letão Porzingis?
Como máquina de vender que é, a NBA capitaliza no que pode. Resulta nisto: os San Antonio Spurs, a pior equipa do Oeste, são transmitidos de forma regular não só nacional como internacionalmente. Porque toda a gente quer ver Victor Wembanyama, o rookie francês que parece um atentado contra as leis da física, um gigante que dribla e passa como os melhores bases, penetra como os melhores extremos, e domina tanto a tabela defensiva como ofensiva. Wemby não tem uma equipa decente à sua volta e os rumores de trocas não param. Fala-se muito da ida de Trae Young para os Spurs, por exemplo. Trae ou não, as trades serão inevitáveis: Wemby está destinado a dominar a NBA e todos os grandes jogadores, daqueles que são estrelas mas não conseguem levar sozinhos uma equipa ao título, vão querer ser a segunda ou terceira estrela, ao lado do francês.
Acumular estrelas parecia ser a estratégia, há uns anos – foi o que rendeu títulos aos Heat, quando reuniu Lebron, Wade e Bosch. Mas recentemente não tem resultado por aí além – os Suns têm Booker, Durant e Beal e estão em sexto na Conferência Oeste; Kyrie e Doncic jazem um lugar abaixo; os Bucks juntaram Damian Lillard a Giannis e a defesa colapsou – o homem que saiu dos Bucks, Jrue Holiday, tornou os Celtics ainda mais sólidos e, de longe, a equipa com maior profundidade da liga (além de Jrue, Tatum, Brown, White e Porzingis, o banco ostenta Al Horford, Pritchard, Hauser, além do português Neemias Queta).
É quase irónico: praticamente todas as super-estrelas da NBA são não-americanas, mas a equipa que é a favorita a vencer a competição tem como principais estrelas dois americanos (Brown e Tatum). Mas talvez esta seja uma visão enviesada pelos americanos: Tatum e Brown estarão mesmo ao nível das restantes super-estrelas? Porzingis não será igualmente tão importante como Tatum e Brown?
A outra grande excepção ao domínio não-americano é uma surpresa, embora não devesse ser. Os Clippers, após anos a apostar em diferentes combos de super-estrelas, parecem imparáveis desde a adição de James Harden – quase dá vontade de rir, porque Harden, nos últimos anos, tem jogado como se fizesse um frete. Mas não nos Clippers, onde tem funcionado como um ótimo facilitador. Talvez o segredo esteja na saúde: pela primeira vez em anos, tanto Paul George como Kawhi Leonard têm estado bem fisicamente e jogado quase sempre – Leonard, então, tem discretamente subido de forma e está a jogar a nível MVP, o que faz pensar o que teria sido a sua carreira se não fossem os anos de lesões consecutivas.
Agora imaginemos que querem apostar dinheiro no vencedor da NBA – um cêntimo, digamos, que não queremos nem que fiquem viciados no jogo nem que percam guito (o que me faria sentir responsável). Com a lesão de Embiid os 76rs parecem arredados da contenda a Este – mas atenção à forma extraordinária de Cleveland, que, além de contarem com a super-estrela Donovan Mitchell, têm Jarrett Allen, Evan Mobley e Darius Garland; atenção aos Knicks, que não são a equipa mais sexy do mundo, mas defendem como animais assustados e contam com Brunson, Julius Randle, Anunoby e Bogadnovic (ninguém quer apanhar os Knicks pela frente, e com boa razão); atenção aos Bucks, que têm Giannis e Dame – se, por alguma razão miraculosa, Doc Rivers descobrir uma forma de os pôr a defender, então têm de ser candidatos
Se isto parece complicado, então o que se passa a Oeste é capaz de colocar a ferver a mente mais elevada em cálculo e estatística. Oklahoma está em primeiro mas Shai, Chet e Gidey são muito novos e inexperientes e é dúbio que resistam às sucessivas contendas dos playoffs. Minnesota é outra conversa. Depende muito do seu trio de estrelas (Gobert, Karl-Anthony Town e Anthony Edwards) mas têm tudo: defesa dura, proteção do aro, lançamento, penetração, luta nas tabelas. Os Clippers subiram muito – mas eu não confiaria na saúde de três estrelas envelhecidas e numa equipa que não tem uma rotação muito forte.
Só que convém não desmerecer quem segue atrás. Os campeões, Denver, estão em quarto, mas até agora parecem ter jogado em modo passeio. Alguém duvida que quando chegar a hora Jokic vai acelerar? Dallas segue em sétimo, apenas com menos uma vitória que os quintos (os Pelicans), mas tem Doncic e Kyrie e Doncic é menino para botar 70 pontos no cesto quando for preciso. Um lugar acima estão os Suns, que andaram o ano inteiro a lidar com lesões consecutivas – mas quando pensamos no potencial de lançadores como Durant, Booker, Lillard e Grayzen Allen mais vale não fazer grandes previsões.
O mais lógico, a Oeste, é esperar uma final entre Minnesota e Denver (a menos que os Nuggets não subam um lugar); no Este, não fora a lesão de Embiid, e Bucks-Celtics era quase garantido como final de conferência. Assim, está tudo à espera da fibra que Knicks, Cleveland, Pacers e Heat (que passam metade da época a jogar mediocremente, para nesta altura despertarem e tornarem-se em assassinos cruéis e sem piedade) mostrem.
Eu punha o meu dinheiro em Celtics-Denver na final, mas eu não jogo. A minha única certeza é que as grandes estrelas da NBA são não-americanas, as pessoas ligam a televisão para ver os não-americanos – e que dentro de quatro, no máximo cinco anos, a final contará sempre com um tal Wembanyama.