O Ministério Público está a investigar a contratação de Joaquim Morão, um histórico autarca do PS, pela Câmara Municipal de Lisboa quando era liderada por Fernando Medina por suspeitas da prática de corrupção e de outros ilícitos criminais — entre os quais o de alegado financiamento partidário do PS.
Afinal, o que está em causa neste caso? A conferência de imprensa de Fernando Medina esta quinta-feira foi esclarecedora? O Observador pergunta e responde a nove grandes dúvidas sobre este caso, que está a deixar o agora ministro das Finanças sob o ataque da oposição.
1 Quem levou Joaquim Morão para a câmara de Lisboa?
Não há qualquer dúvida de que foi Fernando Medina a levar o antigo autarca de Castelo Branco para a Câmara de Lisboa. Num primeiro momento, na quarta-feira, o ex-líder do executivo lisboeta remeteu a contratação de Joaquim Morão para os serviços:
Os processos de contratação da Câmara Municipal de Lisboa eram instruídos pelos serviços competentes para contratação, no cumprimento das normas aplicáveis”, respondeu à TVI.
Um dia depois, esta quinta-feira, Medina já assumiria toda a responsabilidade: “Fui eu que o escolhi.”
Um despacho de 5 de junho de 2015, assinado pelo próprio Medina, confirma isso.
O ministro das Finanças disse também esta quinta-feira que contratou o ex-autarca por ajuste direto. Sobre isso não há qualquer registo, como veremos a seguir.
2 Fernando Medina contratou Morão por ajuste direto?
Na verdade, o que Fernando Medina fez foi uma nomeação (política, mas com justificação técnica) e não um ajuste direto ao abrigo do Código dos Contratos Públicos.
Com Lisboa em obras, Fernando Medina decidiu criar a 5 de junho de 2015 – nesse despacho a que o Observador teve acesso – uma Equipa de Coordenação de Investimentos em Infra-estruturas Municipais (ECIM). Fê-lo ao abrigo do Regime Jurídico das Autarquias Locais.
O mesmo despacho determinava que a ECIM ficava na sua “dependência” [da do presidente da autarquia, Fernando Medina] e na do “Sr. Vereador Arq.° Manuel Salgado”. Joaquim Morão foi nomeado coordenador da ECIM. A equipa integrava ainda um elemento indicado pelo gabinete do próprio Medina, Bruno Vasconcelos Maia, e outro pelo gabinete de Salgado, Jorge Lavaredas.
Sem fazer referência a qualquer remuneração, o despacho determinava ainda que a secretaria-geral da autarquia prestaria “apoio logístico em material necessário ao desenvolvimento dos trabalhos da ECIM.” Pode ler-se também no documento público ao que o Observador teve acesso, que “todos os serviços e empresas municipais deverão prestar toda a colaboração à ECIM no âmbito da sua missão agora definida e no sentido de concretizar o plano de investimentos definido.”
O objetivo da ECIM era o planeamento de obras na cidade, desde “empreitadas” até promover a “maior absorção possível de fundos comunitários.”
3 Esta foi a única contratação do ex-autarca de Castelo Branco?
Não, na verdade há dois ajustes diretos feitos pela câmara de Lisboa à empresa de Joaquim Morão (a JLD – Consultadoria Unipessoal) que também estão no epicentro da investigação: um a 22 de junho de 2015, no valor de 22.500 euros, e outro a 29 de abril de 2016, no valor de 73.788, 56 euros. Ambos os contratos são assinados pelo então vereador do Urbanismo, Manuel Salgado.
O primeiro destes contratos foi feito 17 dias depois de Fernando Medina nomear Joaquim Morão.
A investigação acredita que existiram “convites-fantasma” para algumas entidades, viciando a escolha a favor de Morão.
Nos anos em que ocorreram os contratos (2015 e 2016), embora não fosse obrigatório, a lei previa que fossem feitas consultas a três entidades antes de ser realizado um ajuste direto.
Medina alegou que o contrato foi feito por si por ajuste direto, o que dispensava consultas. Mas, na verdade, o agora ministro das Finanças não assinou qualquer procedimento desse tipo. Quem o fez foi Salgado e a prática era ouvir outras duas entidades.
4 A nomeação e os contratos são diferentes?
Não. O cargo para o qual foi nomeado por Fernando Medina (coordenador da Equipa de Coordenação de Investimentos em Infra-estruturas Municipais) prevê funções similares àquelas para as quais foi contratado, por ajuste direto, por Manuel Salgado.
O primeiro objetivo dessa estrutura para a qual Morão foi nomeado era “concretizar e manter atualizado o planeamento de todas as intervenções ao nível das infra-estruturas municipais, em concretização ou a concretizar pelos serviços do município ou pelas empresas municipais, tendo em conta os impactos dessas intervenções nas condições de mobilidade na cidade nomeação”.
Ora, o primeiro dos contratos, o tal assinado 17 dias depois no valor de 22.500 euros, tinha como objeto “serviços de consultoria em gestão de projetos e construção de infraestruturas”. E o segundo, assinado a 24 de março do ano seguinte no montante de 23.788 euros, tinha como objeto “serviços de consultoria nas áreas de gestão de projectos e construção de equipamentos e infraestruturas”.
Ou seja: depois de ter sido nomeado por Fernando Medina para coordenar as obras municipais em curso, Joaquim Morão foi contratado por Salgado para dar conselhos como consultor desse mesmo tipo de obras.
5 Qual é o objeto do inquérito criminal?
O inquérito criminal foi aberto em 2018 no Departamento de Investigação e Ação Penal (DIAP) de Lisboa, mas esteve parado durante muito tempo devido à falta de meios da Polícia Judiciária (PJ).
O DIAP de Lisboa e a PJ realizaram buscas esta semana no Departamento de Urbanismo, com o objetivo de apreenderem documentação relacionada com a contratação de Joaquim Morão por parte da Câmara Municipal de Lisboa. A notícia da TVI/CNN Portugal foi confirmada pelo Observador.
Foram igualmente realizadas buscas judiciais domiciliárias a Joaquim Morão e ao empresário António Realinho.
A Justiça suspeita da alegada prática dos crimes de corrupção, participação económica em negócio e falsificação de documento. A TVI/CNN revelou igualmente que está a ser investigado o alegado financiamento partidário ilícito do PS — informação que o Observador também confirmou.
6 Fernando Medina é suspeito?
Fonte oficial da Procuradoria-Geral da República confirmou a existência do inquérito criminal no DIAP de Lisboa e garantiu que “o mesmo não tem arguidos constituídos”.
Ou seja, do ponto de vista formal e com a informação disponível, não se pode dizer que o ministro das Finanças seja encarado como suspeito por parte das autoridades judiciais. Aliás, nem sequer foi alvo das buscas realizadas esta semana.
7 Há atos de Medina e Salgado sob suspeita?
Sim. O objeto da investigação está relacionado com várias decisões de Fernando Medina, enquanto presidente da Câmara de Lisboa, e Manuel Salgado, enquanto vereador do Urbanismo. A saber:
- Despacho de Fernando Medina de 5 de junho de 2015 a criar e a definir o raio de ação da ECIM. O despacho que nomeia Joaquim Morão como coordenador dessa estrutura e define que “todo o apoio logístico em material” será assegurado pela secretaria-geral da autarquia, e que “todos os serviços e empresas municipais deverão prestar toda a colaboração”.
- Por outro lado, estão em causa dois contratos que foram adjudicados à empresa JLD – Consultoria Unipessoal Lda (sociedade detida por Joaquim Morão) por parte do vereador Manuel Salgado.
Estes dois contratos para prestar uma consultoria têm vários pontos de contacto com o trabalho realizado pela ECIM, estrutura coordenada por Morão, como referimos acima. E foram adjudicados por um valor total de cerca de 96, 3 mil euros (sem IVA), tendo uma duração total de 25 meses.
8 Há algum ato em que António Costa é visado?
Tendo em conta a informação confirmada e disponível neste momento, não.
António Costa fez a sua declaração de renúncia à liderança da autarquia de Lisboa a 31 de março de 2015 para se concentrar nas funções de secretário-geral do PS.
Ou seja, até ao momento não é conhecido nenhum ato de António Costa que esteja sob suspeita.
9 Fernando Medina anunciou que pediu à Procuradoria-Geral da República para ser ouvido pelos investigadores. Isso significa que será chamado em breve pelo DIAP de Lisboa?
Não. O facto de alguém solicitar ao Ministério Público para ser ouvido não significa que o procurador titular dos autos seja obrigado a chamá-lo.
Acresce que o procurador que lidera o inquérito, sob a coadjuvação da Polícia Judiciária, goza de autonomia, não sendo prática dos procuradores-gerais da República darem ordens aos magistrados titulares dos autos para executarem determinadas diligências.
Em termos legais, a procuradora-geral Lucília Gago ou a direção do DIAP de Lisboa têm é o poder hierárquico de retirarem um determinado processo a um determinado procurador e distribui-lo a outro.