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Assunção Cristas e Nuno Melo nas eleições europeias de 2019
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Assunção Cristas e Nuno Melo nas eleições europeias de 2019

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Assunção Cristas e Nuno Melo nas eleições europeias de 2019

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Como Melo está a ser empurrado (com gosto) para candidato à liderança do CDS

Do Golden Tulip à Vichyssoise: como os herdeiros do portismo veem em Melo a (última) oportunidade para salvar o CDS. Os motores já estão a aquecer, mas tiro de partida será só depois das autárquicas.

Foi como um rastilho. Na quinta-feira, 8, Margarida Bentes Penedo, da direção de Francisco Rodrigues dos Santos, publicou um artigo no Observador, onde fez uma alusão à proximidade da anterior direção com o PS. A indignação entre a anterior direção foi geral e muitos saltaram da cadeira. O momento certo para contra-atacar estava para breve: as jornadas parlamentares do partido. O jantar, em São João da Madeira, seria uma espécie de cimeira oficiosa do portismo que pretendia começar a posicionar um rosto como oposição a Francisco Rodrigues dos Santos no pós-autárquicas: Nuno Melo. Adolfo Mesquita Nunes retirou-se desta batalha e o CDS da era Portas-Cristas aposta agora as fichas todas no eurodeputado.

Passo um da operação Melo: começar a jogar em casa, na bancada parlamentar, não-alinhada com Francisco Rodrigues dos Santos. Em São João da Madeira, os motores começaram a aquecer logo ao almoço, pela mão do próprio líder parlamentar, Telmo Correia, amigo de longa data de Nuno Melo.

A relação do líder da bancada com Rodrigues dos Santos nunca foi próxima, mas piorou quando Telmo Correia decidiu integrar a comissão de honra de Luís Filipe Vieira e o presidente do CDS deu-lhe uma reprimenda pública. O líder parlamentar viu isso como um ataque desleal. Apesar das promessas de coordenação, foram raras as reuniões entre o líder centrista e os deputados do partido.

Telmo Correia começou por dizer: “Alguém me perguntava hoje se isto era um exercício de oposição [interna] no CDS. Não, nós queremos é melhorar a oposição [ao Governo]”. Mas os sinais que se seguiram foram diferentes. Logo no arranque dos trabalhos, Telmo Correia lembrou que as jornadas eram ali porque João Almeida — o candidato a São João da Madeira — fez esse desafio. Cumpriu assim um desejo que o adversário de Francisco Rodrigues dos Santos revelou no congresso em que o líder do CDS foi eleito.

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JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Em mais um desconforto para a direção, o líder parlamentar agradeceu a presença de João Gonçalves Pereira, que era deputado e que estaria ali nessa qualidade se não tivesse abandonado o Parlamento em rutura com Francisco Rodrigues dos Santos. Mais: o líder parlamentar elogiou João Gonçalves Pereira e defendeu (ao contrário do que a direção impôs) que o atual vereador estivesse na lista encabeçada por Carlos Moedas em Lisboa. E ainda acrescentou, para quem quisesse ouvir, que não ia estar com rodeios de circunstância: “É tempo de cada um dizer o que pensa, sem receios nem melindres”.

Nessa mesma tarde, em entrevista ao Observador, Telmo Correia ainda carregaria mais nas tintas ao dizer que “o CDS devia tratar melhor a herança do seu passado”. Negava ainda que o convite de Nuno Melo fosse uma provocação, mas dizia que teve “decisão em todos os convites”. E acrescentaria ainda: “Se alguém critica eu chamar o Nuno Melo, não faz sentido — preciso dele, que é uma figura do partido e sei a importância que tem a norte…” E fazia questão de enaltecer outras figuras do portismo: “Há figuras que não estão neste momento na política ativa mas acho que o CDS tem de continuar a contar com elas: Nuno Magalhães, Pedro Mota Soares”.

Melo atira a primeira pedra

No terraço, o ambiente era de jantar de dez anos de final curso. Havia bebidas, croquetes e conversa de velhos amigos, todos protagonistas no tempo de Portas e/ou Cristas. Era possível ver Hélder Amaral, ex-líder distrital e figura com peso em Viseu à conversa com Álvaro Castello-Branco, também ex-líder da distrital do Porto e com influência. Mas outros não faltaram à chamada para ouvir Nuno Melo: o ex-líder parlamentar, Nuno Magalhães, Henrique Monteiro, que se demitiu da distrital da Guarda há dois meses em rutura com a direção, ou Gonçalves Pereira, até há bem pouco tempo líder da distrital de Lisboa. Embora uns tenham mais peso e outros estejam já afastados dessas lides, todos terão uma palavra a dizer na hora de eleger delegados para o próximo congresso

Antes de Nuno Melo falar, Telmo Correia fazia novamente as apresentações, agora perante todos. “O mundo vai ficar verdadeiramente estranho no dia em que eu não esteja ao lado do Nuno Melo ou ele não esteja ao meu lado. Isso seria, como diria um amigo nosso que aí está do Partido Popular, muy raro! Há uma afinidade tão natural que não percebo como alguém pode achar estranho.”

E depois ainda se colocou ao lado de Nuno Melo como seu companheiro de luta, eles que, efetivamente, estiveram quase sempre do mesmo lado: “Nunca abandonámos o partido, nunca nos virámos contra o partido, e não nos parece pensável sequer que algum dia um de nós vire contra o partido ou esteja contra o partido.” Telmo Correia tentava justificar aqui também a leitura política feita do convite: de que a intervenção de Melo seria um ato de oposição interna e não uma aula sobre como fazer oposição ao Governo PS.

Nuno Melo começaria a falar minutos depois e não fugiria à questão, ao dizer que notou “nas palavras uma certa sensibilidade na circunstância da presença, o que é estranho, tendo em conta que estando aqui sinto que estou em casa. Espero que não traga ao Telmo nenhum dissabor ou constrangimento.” O eurodeputado deixava ainda indiretas, que não podiam ser mais diretas para a direção de Francisco Rodrigues dos Santos: “Não me tinha na conta de oposição. Há momentos em que as reflexões têm de ser feitas. Para fora e para dentro. Vou dizer o que acho que tem de ser dito e se no final for interpretado como oposição que seja, embora não seja essa a intenção.”

HUGO DELGADO/LUSA

Junto ao púlpito, na mesa onde Melo também jantou, estavam João Almeida, Telmo Correia e Cecília Meireles –também apontada como uma possível adversária de Francisco Rodrigues dos Santos. A deputada e antiga secretária de Estado do Turismo estava a uma distância que lhe permitia terminar as frases de Nuno Melo. A cumplicidade foi evidente.

Nuno Melo tocaria no ponto que provocou a ira de várias figuras do CDS: o tal artigo em que Margarida Bentes Penedo diz que “o grupo de personalidades que governou o CDS até 2020 quer conviver com o PS e espera por ‘outro PS’ –  uma fantasia absurda.”

Melo atentou à “profundidade do disparate” e lamentou: “Eu senti-me ofendido”. Cecília Meireles, a poucos metros e em jeito de aparte parlamentar, completou: “E eu também”. Foi então que o antigo vice-presidente do CDS (que era o número dois no tempo de Assunção Cristas), deu um ralhete de pai ao líder do partido: “Muitos de nós que cá estamos já combatiam os socialismos quando muitos dos que hoje nos atacam sem necessidade nenhuma ainda estavam sentados nos bancos da escola. Quando assim é, há lições que eu não recebo”. E se dúvidas existissem a quem se dirigia, disse-o com as letras todas: “Eu nunca mudei e não vou mudar agora, tenha a direção nacional a certeza, por muito que isso pudesse dar jeito à narrativa”.

Quando acabou de falar, Melo foi aplaudido de pé e várias pessoas foram dar-lhe palmadas das costas, que mais não eram que abraços de apoio em tempos de Covid. A conspiração continuou, entre cigarros, no terraço do hotel Golden Tulip.

A aula de Nuno Melo que se transformou num arraso à direção do CDS: “Já combatíamos o socialismo quando estavam na escola”

No dia seguinte, quando encerrou as jornadas parlamentares, Francisco Rodrigues dos Santos optou por não responder aos críticos.

Em clima de tensão com deputados, Rodrigues dos Santos inspirou-se em Ayuso e preferiu falar para fora

Já esta segunda-feira, numa nota publicada no Facebook a propósito dos 47 anos do partido, Francisco Rodrigues dos Santos, escreveu uma mensagem onde diz que “este é o momento de unir todos os nossos militantes e mostrar que somos a verdadeira alternativa ao socialismo”. Depois, faz questão de enaltecer os que trabalham nas eleições autárquicas. A estratégia passa, mais uma vez, por destacar que está a trabalhar pelo partido enquanto os fiéis à anterior direção o tentam boicotar.

Movimentações nos bastidores. “É desta que o Melo vai”

Adolfo Mesquita Nunes, Pedro Mota Soares e Cecília Meireles também são vistos como nomes para representar a ala alternativa ao “grupo do Chicão”, mas Melo é o que está mais bem posicionado neste momento. Adolfo Mesquita Nunes já tinha avisado que, se passasse a moção de confiança à direção no Conselho Nacional de fevereiro, não haveria outra oportunidade. E manterá a palavra. Entre Cecília Meireles, Mota Soares e Melo, o eurodeputado é o que conseguirá, acreditam os portistas, mais facilmente conseguir agregar delegados que apoiaram João Almeida e ir ‘roubar’ votos a outras tendências do partido que apoiaram Rodrigues dos Santos.

Um antigo membro da direção Assunção Cristas explica ao Observador que “a intervenção de Nuno Melo, pelo tom, palavras e clara afirmação de alternativa causou surpresa em quase todos”, uma vez que o eurodeputado “já teve a oportunidade de ser candidato e aclamado por duas vezes em tempos mais favoráveis e nunca o quis”. Ainda assim, acrescenta a mesma fonte, fica à vista de todos que “Nuno Melo vai avançar e conta com dois argumentos de peso: ele quer e o partido está manifestamente a desaparecer e a precisar de alguém que jure que o fará sobreviver”.

Nos dias que se seguiram às jornadas, ninguém queria abrir o jogo, mas percebeu-se a concertação de posições. Antes de Nuno Melo dar uma entrevista ao programa Vichyssoise, da Rádio Observador, já outros colegas seus em anteriores direções sabiam dessa presença — que ainda não tinha sido anunciada publicamente — bem como que anunciaria que levaria uma moção ao Congresso. “Bom, ele agora vai à Vichysssoise, é esperar para ouvir o que ele tem para dizer”, dizia um. “Esta semana já chega, vamos deixar o presidente casar descansado [Francisco Rodrigues dos Santos casou-se no sábado]”, dizia outra antiga figura de destaque nos tempos de Portas e Cristas ao Observador, que não negava as movimentações para um avanço de Melo. O movimento seguinte seria agora o eurodeputado dar mais um passo em frente na entrevista ao Observador. E assim foi.

Mais um passo: uma moção ao Congresso e uma estratégia

Nuno Melo tinha algo a acrescentar três dias depois de ter arrasado a direção do CDS: anunciou que ia apresentar uma moção na reunião magna do partido: “Em primeiro lugar vou apresentar uma moção ao Congresso, isso posso dizer desde já que farei.” É certo que já houve outras circunstâncias em que o eurodeputado apresentou uma moção de estratégia global, mas acabou por não a levar a votos. Sobre se admite ser candidato, diz claramente: “Nunca excluí e não excluo agora“.

Nuno Melo: “Vou apresentar moção ao Congresso do CDS e decisão de ser candidato não depende das autárquicas”

Entretanto, Nuno Melo já demonstra preocupações de estratégia. Um dos obstáculos dos opositores à atual direção é que Francisco Rodrigues dos Santos pode aproveitar um relativo bom resultado autárquico para se agarrar ao lugar e, à boleia disso, antecipar o Congresso para colher os louros das vitórias locais do CDS. “Não será mérito da direção, mas isso será aproveitado”, diz um dos críticos ao Observador. Os seis presidentes de câmara que o CDS tem atualmente, lembra outra fonte, “apoiaram todos João Almeida no Congresso”.

Os críticos preveem que o CDS consiga vencer todas as autarquias, sabendo que só a de Ponte de Lima — simbólica e importante para os centristas — pode escapar. Além disso, como o CDS vai com o PSD em várias coligações, pode aumentar o número de vereadores à boleia de candidaturas encabeçadas pelo PSD. Perante esta realidade, Nuno Melo deixa claro duas coisas: que vai ajudar nas autárquicas como candidato (tem sido candidato à Assembleia Municipal de Famalicão, à qual preside) e que a decisão de ser candidato não depende do resultado obtido nas autárquicas.

Nuno Melo disse aos microfones do Observador claramente que “a decisão que tomar em relação a esse congresso não terá que ver seguramente com o resultado das eleições autárquicas, mas sim com o estado geral do partido”. Para o eurodeputado “será impossível medir o estado geral do partido pelo resultados em eleições autárquicas, se tivermos em conta que, nas principais candidaturas, o CDS vai coligado com o PSD e, portanto, o músculo, o peso e a relevância do CDS não se consegue medir nessas coligações”.

Segundo o antigo vice-presidente centrista “pode até acontecer o PSD e o CDS perderem em todas essas coligações e aumentarem o número de autarcas, basta que os candidatos do CDS estejam num lugar razoavelmente cimeiro”. Por isso é que depois das autárquicas fará uma avaliação que excluirá da equação a manutenção do ‘hexa’ (se o CDS consegue manter as seis câmaras), “com todas as consequências que entenda que na altura deva tomar, se for candidato ou se não for candidato.” Resumindo: o CDS até pode ter o melhor resultado autárquico, que isso não invalida que Melo decida candidatar-se à liderança.

Ainda no plano estratégico, Nuno Melo sugere também que a atual direção pode tentar uma manobra de diversão e aproveitar o Congresso para capitalizar um eventual balanço positivo das autárquicas. “O Congresso tem um prazo estatutário normal e esse prazo significa que deverá acontecer no início do próximo ano, a menos que a direção entenda taticamente antecipá-lo, se o quiser antecipar será isso mesmo, por uma razão tática de quem quer aproveitar o que seja…” Questionado diretamente sobre se está a ser cozinhado algo nesse sentido, o eurodeputado diz que esse cenário “é uma possibilidade” e que “quem está na política, não sendo ingénuo sabe muito bem como as coisas acontecem.”

Esta problemática assenta numa realidade: Francisco Rodrigues dos Santos tem um relativo controlo sobre o aparelho centrista. Desde que foi eleito há um ano, o líder do CDS tem vindo a reforçar o poder nas estruturas. Tem teoricamente mais delegados afetos a si do que tinha em 2020. Com o desinteresse geral pela vida do partido, os seus opositores nem apresentaram lista em alguns distritos. Nesses, Francisco Rodrigues dos Santos só somou. Além disso, o peso da Juventude Popular — genericamente ao lado do seu antigo líder — representa cerca de 10% dos delegados no Congresso. Tudo isto dificulta a vida de quem quer derrubar Francisco Rodrigues dos Santos.

Quanto mais tempo passa, mais o líder ganha força no CDS, uma vez que, além do reforço do peso nas estruturas, há quem tenha desistido. O rosto mais mediático de desistências foi o abandono de Francisco Mendes da Silva, que era até há bem pouco tempo líder distrital de Viseu. Daí que Melo tenha feito um apelo para que os ‘lesados-do-Chicão’ (como informalmente são chamados nos corredores) não atirem a toalha ao chão: “Não desistam, não deprimam, enquanto tiver de ser, eu estou cá”.

O contexto certo para avançar?

Nuno Melo já disse duas vezes “não” à liderança do partido, mas agora podem estar reunidas as condições que faltaram da última vez. O eurodeputado sentia, nas circunstâncias anteriores, que ainda tinha um papel a cumprir em Bruxelas. Embora ainda esteja a meio do mandato como eurodeputado, Melo sabe que o lugar do CDS ficará bem entregue caso decida vir para Portugal liderar os destinos do partido: Pedro Mota Soares ficaria com o lugar. Aliás, Nuno Melo nem tem ido presencialmente a Bruxelas e Estrasburgo no último ano, preferindo participar nas sessões através de videoconferência, modalidade permitida pelo Parlamento Europeu em tempos de pandemia.

Para Pedro Mota Soares, mais dedicado à vida profissional, este poderia ser um movimento interessante: cumpriria o objetivo de ser deputado europeu e ficava na pole position para ser o cabeça de lista do CDS em 2024, quando terminasse o mandato que Melo lhe passou em mãos. Tanto Mota Soares, como Cecília Meireles, Nuno Magalhães e outros poderiam fazer parte de uma direção do atual eurodeputado e o CDS voltar a ser um partido de “rostos que não precisam de legenda”.

Nuno Melo é assim o preferido do portismo para avançar. Neste momento. O próprio, quando foi convidado da Vichyssoise na última sexta-feira, escolheu uma música para fechar Ideologia, do brasileira Cazuza. Explicou que fez esta escolha porque a música fala de “ideologia e do desencanto da política” e que, no seu entender, “há falta na política de um bocadinho de ideologia, que se reclame com utilidade para as pessoas e para o país”. Os primeiros versos da música diriam o resto sobre o que pensa sobre o atual estado do CDS:

Meu partido
É um coração partido
E as ilusões estão todas perdidas
Os meus sonhos foram todos vendidos
Tão barato que eu nem acredito”

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