Quando assumiu o controlo do Chelsea, Todd Boehly e o grupo empresarial que liderava sabia o clube que ia herdar. Mais: fez por conhecer ao máximo tudo aquilo que ia encontrar. Assim, sabia que os londrinos ainda viviam da conquista da Liga dos Campeões em 2021 no Porto (seguindo-se triunfos na Supertaça Europeia e no Mundial de Clubes) mas sabia também do choque de imagem que foi o período a partir do momento em que começaram as sanções a Roman Abramovich pela invasão da Rússia à Ucrânia, com o cúmulo de haver autorizações do governo para que os blues tivessem gastos perante as receitas totalmente congeladas. Foi a partir daí que começou a gizar o futuro de uma instituição que mudou por completo em duas décadas assente nos gostos e vontade do oligarca russo. Foi aí que começou a perceber o que podia mudar.
Entre encontros com os principais players do mercado do futebol, incluindo o empresário português Jorge Mendes (um dos primeiros encontros que quis manter), Boehly teve de adaptar a visão de “entretenimento” à realidade muito particular do futebol europeu e da liga inglesa. Exemplo prático? Cristiano Ronaldo era uma ambição do norte-americano, o treinador Thomas Tuchel fez prevalecer a sua visão sobre aquelas que seriam as maiores carências da equipa para atacar no mercado. Raheem Sterling, avançado do Manchester City, foi o reforço garantido para o ataque (56,2 milhões). Koulibaly, central do Nápoles, surgiu como concretização de um sonho antigo em garantir um novo patrão para a defesa (38 milhões). Depois, os dois presentes inflacionados entroncaram também na defesa, com o central ex-Leicester Fofana e o lateral ex-Brighton Cucurella a custarem em conjunto 145,3 milhões. No entanto, o projeto durou umas semanas.
Apesar das dificuldades sentidas na segunda metade da temporada de 2021/22, o Chelsea garantira ainda o terceiro lugar da Premier League além das finais (perdidas) da Taça de Inglaterra e da Taça da Liga. Agora, em 2022/23, estava longe desses objetivos. Tuchel, que parecia condenado quase pelo que tinha acontecido no mercado, rescindiu. Como é habitual, o desfile de nomes consagrados foi grande mas Boehly quis seguir outro caminho e foi pelo projeto e pelas ideias a médio/longo prazo para o clube. Rúben Amorim, treinador do Sporting, foi contactado. Graham Potter, a fazer um grande arranque pelo Brighton, acabou escolhido. A opção era percetível num plano meramente teórico mas foi falhando na prática. O mercado ia reabrir.
A contratação de João Félix ao Atl. Madrid, num empréstimo de seis meses a troco de 11 milhões de euros, foi um dos exemplos da viragem do Chelsea neste mercado, onde a ideia do treinador pareceu passar para um segundo plano perante a prioridade em assegurar algumas das maiores e mais cobiçadas promessas do futebol europeu num total de 329,5 milhões que pode ainda subir pelas cláusulas por objetivos. Ou seja, e apenas em seis meses, os londrinos gastaram mais de 600 milhões de euros em contratações. Como? Fazendo contratos de longa duração que permitem diluir o valor pago pelo passe ao longo dos vínculos que irão prolongar-se até 2029 a 2031. E Enzo Fernández acabou por ser a cereja no topo do megalómano bolo.
Depois de uma primeira investida ainda antes do fim do ano, na sequência de um Campeonato do Mundo em que o médio argentino foi campeão como uma das peças chave do conjunto de Lionel Scaloni, o Chelsea não desistiu e chegou a acordo no último dia de mercado (ou nas últimas horas, de forma mais exata) com o pagamento de 121 milhões de euros e um esforço dos próprios intermediários para compensar os custos de recorrer ao mecanismo de factoring para o Benfica fazer entrar na íntegra o valor da cláusula de rescisão – entre londrinos e jogador estava tudo acertado há várias semanas, com o argentino a receber sete vezes mais do que tinha na Luz. Contas feitas, o médio transformou-se na maior contratação de sempre da Premier League, assinando também um vínculo válido até junho de 2031. E agora a dúvida em torno do futuro do Chelsea que existe é outra: em décimo da Liga e eliminado das taças, Potter consegue resistir?
A montanha-russa de Enzo num ano, da explosão no River ao recorde da Premier
Foi o objetivo número 1 desde início para o Chelsea, mesmo sendo conhecidas as abordagens por outros médios como Moisés Caicedo ou no último dia de mercado Sabitzer. E foi aquele que obrigou a negociações mais longas ao longo de mais de um mês, depois de uma primeira ronda negocial que parecia ter arrumado em definitivo as hipóteses dos londrinos em garantir o argentino. O médio campeão mundial deixa a Luz para assinar um contrato a longo prazo de oito anos e meio como Mudryk, permitindo assim que o clube possa diluir por mais temporadas o valor da maior transferência de sempre de um clube da Premier League. O jogador estará pronto para ser opção de Graham Potter quando o treinador quiser, sendo que num ano Enzo “explode” no River, joga seis meses no Benfica, é campeão mundial e sai por 121 milhões.
Idade e internacionalizações: 22 anos, dez internacionalizações (um golo)
Valor de mercado segundo o Transfermarkt: 55 milhões
Valor final da transferência: 121 milhões de euros
Mudryk, o Neymar ucraniano pretendido pelo Arsenal que pode chegar aos 100 milhões
Conhecido como Neymar ucraniano apesar de ter Cristiano Ronaldo como principal referência, o jovem de 22 anos tornou-se o grande destaque deste mercado de inverno pela exorbitante quantia paga pelo Chelsea pela sua contratação e também pelo número de anos de contrato com os londrinos. Principal figura de uma campanha do Shakhtar na Champions que prometeu muito mas acabou em eliminação para a Liga Europa, Mudryk estava também a ser cobiçado pelo Arsenal e foi por essa razão que os blues esticaram (e muito) a corda para fechar o negócio que rende à equipa de Donetsk 70 milhões de euros à cabeça que podem ainda chegar aos 100 milhões caso cumpra determinados objetivos desportivos. Em paralelo, e para diluir o valor investido no ala/avançado, o jogador assinou um vínculo longo de oito anos e meio até 2031.
Idade e internacionalizações: 22 anos, oito internacionalizações (zero golos)
Valor de mercado segundo o Transfermarkt: 40 milhões
Valor final da transferência: 70 milhões + 30 milhões por objetivos
Badiashile estava referenciado apenas a médio prazo mas foi aposta a curto prazo
O investimento no centro da defesa feito no verão não terá sido suficiente, a oportunidade de negócio foi aparecendo e o interesse de outros clubes acabou por fazer o resto. Apesar de ser um alvo a médio prazo do clube, o Chelsea acabou por avançar para a contratação do jovem central francês (internacional A, depois de ter sido opção nos últimos dois jogos dos gauleses na Liga das Nações) por um montante de 38 milhões de euros, a fasquia mínima exigida pelo Mónaco. Também Benoît Badiashile assinou um contrato de longa duração válido para as próximas sete temporada e meia, que terminará apenas em junho de 2030. O gaulês era apontado pelas principais publicações internacionais como um dos grandes centrais de futuro.
Idade e internacionalizações: 21 anos, duas internacionalizações (zero golos)
Valor de mercado segundo o Transfermarkt: 40 milhões
Valor final da transferência: 38 milhões
Madueke: nove jogos pelo PSV, 473 minutos e mais 35 milhões numa posição preenchida
A transferência mais surpreendente nesta janela de mercado, não apenas pelo jogador mas também pelos valores em causa. Internacional inglês pelas camadas jovens, o ala/avançado que passou pelo Crystal Palace e pelo Tottenham antes de acabar a formação pelo PSV realizou apenas nove jogos oficiais na presente época (cinco na Eredivisie) com 473 minutos e dois golos mas conseguiu convencer o Chelsea a pagar 35 milhões de euros aos neerlandeses pela sua contratação, neste caso sem valores oficiais da transferência que sejam confirmados pelo clube. Noni Madueke tem apenas 20 anos mas assinou também um contrato de longa duração até junho de 2030, esperando ainda a sua oportunidade para fazer a estreia nos blues.
Idade e internacionalizações: 20 anos, zero internacionalizações
Valor de mercado segundo o Transfermarkt: 15 milhões
Valor final da transferência: 35 milhões
11 milhões por seis meses de João Félix, que teve uma estreia para esquecer
O grande objetivo de Jorge Mendes era colocar o avançado português no Manchester City, por considerar que o trabalho com Pep Guardiola seria a grande mais valia para João Félix após três anos e meio ao serviço do Atl. Madrid de Diego Simeone. Não havendo essa possibilidade, a Premier League continuou a ser a liga preferida: o Manchester United desistiu quando conheceu as condições do negócio, o Arsenal tentou baixar o valor a pagar pelo empréstimo, o Chelsea chegou-se à frente cumprindo com aquilo que os espanhóis tinham colocado em cima da mesa e que passava pelo pagamento de 11 milhões de euros (ficando assim sem qualquer encargo salarial) sem opção de compra. A estreia acabou por ser a pior possível, com uma derrota e uma expulsão frente ao Fulham, para o internacional é a grande aposta do clube neste mercado de inverno.
Idade e internacionalizações: 23 anos, 28 internacionalizações (quatro golos)
Valor de mercado segundo o Transfermarkt: 50 milhões
Valor final da transferência: 11 milhões por seis meses de empréstimo
Malo Gusto, outra promessa garantida mas que vai chegar apenas no verão
Quando muitos já não acreditavam que fosse possível contratar o lateral direito francês de 19 anos do Lyon, eis que uma proposta diferente do Chelsea acabou por alterar as contas: internacional pelas camadas jovens e uma das grandes promessas do futebol europeu, Malo Gusto deslocou-se a Londres nos últimos dias do mercado de inverno para fazer exames médicos com a formação inglesa e assinar por sete temporadas e meia (junho de 2030) antes de ser cedido a título de empréstimo por seis meses ao mesmo Lyon. Valor total da operação? 30 milhões de euros mais objetivos, o dobro do valor de mercado que lhe é atribuído.
Idade e internacionalizações: 19 anos, zero internacionalizações
Valor de mercado segundo o Transfermarkt: 15 milhões
Valor final da transferência: 30 milhões + cinco milhões por objetivos
David Fofana, do primeiro contrato profissional à Premier League em dois anos
Mais uma das surpresas, talvez a maior mesmo que por um preço de compra mais reduzido do que a maioria dos novos jogadores que chegaram ao Chelsea nesta janela de inverno: David Fofana, avançado de 20 anos da Costa do Marfim que jogava nos noruegueses do Molde tendo menos de dois anos de contrato como jogador profissional, foi contratado a troco de 12 milhões de euros. Já entrou num encontro oficial dos londrinos, na goleada sofrida na Taça de Inglaterra frente ao Manchester City, mas não deverá ter muito mais oportunidades. O jogador africano fez também um contrato a longo prazo até junho de 2029.
Idade e internacionalizações: 20 anos, duas internacionalizações
Valor de mercado segundo o Transfermarkt: sete milhões
Valor final da transferência: 12 milhões
Andrey, uma aposta de futuro que chegou sobretudo pela cobiça no presente
O mercado brasileiro também entrou na órbita do Chelsea nos últimos tempos, numa fase em que alguns dos principais clubes europeus chegam a acordo para contratar as principais pérolas sul-americanas com apenas 16 anos mesmo que cheguem somente ao Velho Continente duas épocas depois pela idade. Neste caso, o médio internacional nas camadas jovens brasileiras foi o grande destaque do Vasco da Gama no último Campeonato, chegando a Stamford Bridge por um valor a rondar os 12,5 milhões de euros como um movimento de antecipação pelo interesse de outros conjuntos europeus na sua contratação (sendo que chegou a entrar como uma possibilidade no negócio da compra de Enzo Fernández por empréstimo).
Idade e internacionalizações: 18 anos, zero internacionalizações
Valor de mercado segundo o Transfermarkt: dez milhões
Valor final da transferência: 12,5 milhões