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350 milhões de euros por hora; 12% do comércio global afetado; e preço do barril de Brent a subir, já que 5% a 10% das mercadorias que por ali passam são de petróleo e gás natural. Estas são apenas algumas das consequências da suspensão da via principal do Canal do Suez, no Egito, que desde a manhã de quarta-feira está bloqueada pelo navio porta-contentores MV Ever Given, cujo tamanho pode ser comparado ao de um arranha-céus — 400 metros de comprimento e 59 metros de largura, pesando 219 mil toneladas.
Desencalhar o navio não está a ser tarefa fácil e as últimas previsões apontam que poderá demorar semanas. Até lá, procuram-se alternativas e começam a temer-se os custos para o comércio mundial.
Porque é que o MV Ever Given encalhou?
Foi no Canal do Suez que o percurso do porta-contetores se alterou de forma imprevisível. A 22 de fevereiro, o navio saiu do porto de Kaohsiung, em Taiwan, dirigindo-se depois para as cidades chinesas de Quingdao, Shanghai e Ningbo. Voltou depois a Taiwan, a Taipei, passou novamente pela China, no porto de Yantian, e depois seguiu caminho para Tanjung Pelepas, na Malásia. A 23 de março chegou ao Egito e estava previsto que saísse do país na quinta-feira, a caminho da Europa. A primeira paragem seria Roterdão, nos Países Baixos, indo depois ao porto britânico de Felixstowe. O destino final seria Hamburgo, na Alemanha.
Não chegou, porém, a sair do Egito. Na manhã de dia 23 começaram os problemas. Segundo um comunicado da empresa detentora do porta-contentores Evergreen Line, “o acidente ocorreu a seis milhas da entrada sul do Canal, quando o porta-contentores se dirigia a norte no Mar Vermelho”. As rajadas de vento na ordem dos 30 nós (cerca de 55 quilómetros por hora) fizeram com que o navio “se desviasse do seu curso, levando a que encalhasse”, ficando atravessado e preso aos dois lados do canal. “Foi de forma acidental”, acrescenta a empresa.
Segundo explica o The Washigton Post, as rajadas ainda diminuíram a visibilidade e criaram uma tempestade de areia. O vento criou um “efeito vela” na mercadoria, que, devido ao peso, alterou o curso do porta-contentores. Além disso, o comprimento do MV Ever Given (400 metros de comprimentos e 59 metros de largura) é considerado o limite para um navio passar no Canal do Suez — criando pouco espaço de manobra para prevenir incidentes deste tipo.
Esta não é a primeira que o MV Ever Given tem um acidente por causa do vento. Em 2019, no porto de Hamburgo, o porta-contentores embateu contra outro navio, acabando por danificá-lo.
O que está a ser feito para desencalhar o porta-contentores?
Os responsáveis pelo Canal do Suez estão a tentar desencalhar o porta-contentores “empurrando a embarcação com recurso a oito grandes rebocadores”, sendo o maior o BARAKA 1 que tem um “poder de reboque” de 160 toneladas, lê-se no site oficial das autoridades egípcias.
Ao mesmo tempo, empreendem-se esforços para tentar escavar a área onde o porta-contentores encalhou, com a ajuda de retroescavadoras, existindo também dragas que extraem areia e lama de debaixo da embarcação. O objetivo é que, juntando estes processos, o navio consiga deixar de estar atravessado entre as margens do canal.
Além disso, as autoridades estão a retirar carga do navio para que o MV Ever Given consiga flutuar com maior facilidade, sendo também mais fácil empurrá-lo. E aqui também se incluíram os 25 membros da tripulação, todos indianos, que estão todos bem e já abandonaram o Egito.
Até agora, os esforços têm sido em vão, revelou a empresa Bernhard Schulte Shipmanagement à BBC. Para Sal Mercogliano, especialista em história marítima ouvido pelo órgão britânico, o foco deve estar em retirar a areia e a lama da zona em que o navio embateu, junto à margem — um processo pode “demorar semanas” até estar concluído.
Outra opção passa ainda por descarregar ainda mais o navio, ainda que, de acordo com o especialista, isso levante outros problemas: “Ter-se-ia de trazer guindastes flutuantes — e qualquer coisa que se faça agora tem de se determinar como isso afetaria a estabilidade do navio”. No pior cenário, a embarcação podia mesmo “partir-se em duas” por causa da “distribuição desigual de peso”.
A empresa japonesa que construiu o porta-contentores, a Shoei Kisen Kaisha, também prometeu “trabalhar arduamente para resolver a situação o mais cedo possível”, tendo também pedido “desculpa pelo sucedido”.
Qual é a importância do Canal do Suez?
Aberto para navegação a 17 de novembro de 1869, foi o primeiro canal artificial construído pelo Homem, ligando o Mar Mediterrâneo ao Mar Vermelho através do Rio Nilo — e também a Europa à Ásia. Atualmente, é a rota marítima “que liga os dois maiores mercados do mundo” — o da União Europeia (UE) e do Extremo Oriente, o primeiro “consumidor” e o segundo “produtor”, descreve José Augusto Felícia, especialista em gestão estratégica, em declarações à Rádio Observador.
Esta passagem permite que a travessia entre os dois continentes seja muito mais rápida, evitando-se contornar o continente africano, naquele que foi um percurso descoberto pelos portugueses no século XV. No caso do Evergreen Line, o navio saiu da Malásia e chegou ao Suez em apenas onze dias. Se tivesse de contornar a costa africana, demoraria seguramente mais do que duas semanas, indica José Augusto Felícia — ainda que essa seja agora uma das alternativas para ultrapassar o problema do corte do Suez. O canal também é a opção mais económica para ligar os continentes: as empresas poupam cerca de 300 mil dólares em combustível.
O corte da travessia impacta de forma considerável o comércio mundial, estimando-se que cerca de 12% passe pelo Canal do Suez. Por dia, o tráfego marítimo que passa por lá atinge os 9.600 milhões de dólares (8.150 milhões de euros), de acordo com uma estimativa da Lloyd’s List Intelligence. Um dia após o barco ter encalhado, na quinta-feira de manhã, já havia aproximadamente 100 barcos que aguardavam pela passagem no Canal do Suez.
As implicações do encerramento do Canal
“É um drama” que o principal ponto de passagem entre os dois continente esteja bloqueado, diz José Augusto Felícia. A razão? “A grande fábrica do mundo é a China, nas últimas três dezenas de anos o país tornou-se o centro abastecedor das fábricas que abasteciam os Estados Unidos e a Europa”. Para mais, “a mão de obra e tecnologia estão China”.
Por causa do bloqueio, há a expectativa de que as mercadorias cheguem atrasadas à Europa. E não só. Ouvido pela revista Time, Jan Hoffman, titular da pasta do Comércio e Logística na Conferência das Nações Unidas Sobre Comércio e Desenvolvimento, defendeu que “o impacto a curto prazo deste bloqueio aumentará a pressão e os preços dos portes de envio”. E admite que as consequências podem mesmo chegar ao consumidor.
Ainda assim, o “drama mais imediato” tem a ver com as energias fósseis. O Canal do Suez é uma artéria em que transita entre 5% e 10% do petróleo transoceânico do mundo. “A questão baseada em produtos fósseis é essencial”, defende José Augusto Felícia. Se a situação se prolongar no tempo — e se os grandes petroleiros não puderem percorrê-lo –, o especialista antevê que uma rutura de stocks que “vai afetar a economia” da Europa. “É um problema sério”, salienta.
O preço de cada barril de petróleo já começou a subir na ordem dos 4%. De acordo com as declarações à CNBC de Yasushi Osada, investigador da Nissan, “as expectativas de que o bloqueio do Canal de Suez possam durar semanas aumentaram os temores de escassez de oferta nos mercados de petróleo”, o que fez subir os preços. Ainda assim, o facto de os investidores preverem lockdowns em países europeus faz com que “possa haver uma limitação no aumento do custo do petróleo”.
Não se sabe quanto tempo demorará a abrir o canal e para Diane Gilpin, fundadora da associação Smart Green Shipping Alliance, ouvida pela Time, é importante que se repense o papel do comércio internacional e das exportações mundiais: “Será que realmente queremos enviar tantas mercadorias ao redor do mundo e ficar à mercê dessas cadeias logísticas frágeis?”