O homem escolhido para próximo presidente do Banco Montepio, Pedro Gouveia Alves, liderou em 2009 a equipa que criou uma estratégia que mascarou rácios de crédito vencido e escondeu, de forma considerada ilícita, as dificuldades que o banco atravessou no início da crise económica, especificamente no crédito à habitação concedido a particulares.
Foi uma “campanha” que teve continuidade no ano seguinte e que envolvia uma tabela de prémios (até 1.500 euros) para os colaboradores que conseguissem ajudar o banco a fazer melhor figura nos rácios de crédito problemáticos. E previa, também, prémios atribuídos à equipa que arquitetou a estratégia — prémios decididos “de forma arbitrária” pelo conselho de administração de Tomás Correia para recompensar a task force onde estava Pedro Alves.
Este atual administrador não-executivo da equipa de Carlos Tavares tem mais de duas décadas de serviço ao Montepio e, em várias fases, foi visto como um “delfim” de António Tomás Correia (embora, noutras fases, Tomás Correia terá indicado a outros responsáveis do Montepio não ter qualquer confiança no gestor). Nesta fase, porém, Pedro Alves é a proposta de Tavares e Correia para resolver o impasse na direção do banco.
O que se passou na reunião do Montepio. A última “facada” de Tomás Correia foi para Carlos Tavares
Mas Pedro Alves está há várias semanas à espera de que o Banco de Portugal dê “luz verde” a que possa assumir um cargo executivo no banco (o cargo de presidente). O processo está a ser muito difícil, apurou o Observador, e no setor há grandes dúvidas de que essa idoneidade lhe venha a ser reconhecida, desde logo pelo envolvimento em “infrações puníveis” pelas regras, “cosmética” de contas e “escamoteamento” de perdas reais — tudo isto detetado na auditoria especial feita pela Deloitte, concluída em 2015.
Uma auditoria que está, deste então, no Banco de Portugal e que ajudou a lançar a contra-ordenação contra Tomás Correia e o Montepio. Trata-se de um documento que, do que se sabe, não levou a mais ações sancionatórias contra os diretores que criaram e explicaram a estratégia à cadeia de comando. Não houve mais sanções, mesmo tendo a auditora tido acesso – tal como teve agora o Observador – à apresentação powerpoint comprometedora que foi apresentada por Pedro Alves e pela sua task force.
Uma cratera a abrir-se sob os pés do banco
Faltavam cerca de duas semanas para as eleições que viriam a reeleger José Sócrates primeiro-ministro, em setembro de 2009. O pior da crise económica viria nos anos seguintes, mas já em 2009 a mistura entre taxas Euribor elevadas e a subida do desemprego estava a criar grandes dificuldades às pessoas e, por consequência, aos bancos. Diz-se que o crédito da casa é a última coisa que se deixa de pagar, mas era precisamente nesse ponto que estavam milhares de clientes bancários — e o Banco Montepio, altamente exposto ao crédito à habitação, de particulares, estava a ver uma cratera a abrir-se sob os seus pés.
Segundo a apresentação a que o Observador teve acesso, na íntegra, a “razão de ser” do “projeto” devia-se à “degradação da qualidade dos ativos do Montepio, que resulta da dimensão atingida pela carteira afetada por situações de incumprimento”. Essa “degradação” gerava uma “exposição do Montepio ao escrutínio negativo de entidades externas“.
Havia mais de 580 milhões de euros em crédito vincendo com atraso inferior a 60 dias e mais de 820 milhões em crédito que já estavam em fase de pré-contencioso.
Quem estava na task force de Pedro Alves?
↓ Mostrar
↑ Esconder
De acordo com a apresentação powerpoint a que o Observador também teve acesso, além de Pedro Alves, pertenciam à task force Pinto da Silva, Amândio Coelho e Pedro Crespo (da direção comercial da Grande Lisboa). Com o apoio de Raquel Soares Falacho e Luísa Xavier (gabinete de compliance). Foi, também, ouvido pela auditora outro diretor do Montepio na altura: João Neves (da direção de planeamento e controlo).
A administração da caixa económica, então liderada por António Tomás Correia, terá antecipado as consequências de chegar ao final do exercício (de 2009) com um retrato fiel da verdadeira dimensão dessa cratera. Solução: lançar um plano nacional de limpeza do balanço do banco, num sprint final no último trimestre do ano, para ficar o menos mal possível na “fotografia” que é tirada às carteiras dos bancos a cada dia 31 de dezembro.
Problema: essa limpeza do balanço não ia fazer-se só com base em recuperações de crédito (nem com venda de carteiras de crédito a terceiros, como hoje é muito comum os bancos fazerem). A estratégia, considerou a Deloitte na auditoria especial feita ao Montepio em 2015, foi “prioritariamente dirigida ao melhoramento de rácios financeiros e não à recuperação de montantes correspondentes a crédito concedido e não recuperado“. Por outras palavras, a prioridade não foi cobrar créditos, mas sim – em muitos casos – escondê-los.
Créditos passavam de “vencidos para vivos”
A Deloitte analisou casos práticos sobre a abordagem que foi feita aos clientes e entrevistou vários intervenientes. A opinião resultante é que a estratégia usada – em que os créditos passavam de “vencidos para vivos, contabilisticamente” – constituía uma “violação do Aviso do Banco de Portugal nº5/2008, pela ‘errada mensagem’ que era passada aos colaboradores do Montepio”.
Está em causa, dizia a Deloitte, um “ilícito contra-ordenacional previsto e punido” pelo código que rege as instituições de crédito: “o não reconhecimento como estando em dívida de montantes que se deveriam considerar vencidos, com o tratamento contabilístico adequado, nomeadamente no que se refere à constituição das provisões impostas pelas regras”.
O que era feito, na prática? Havia, por exemplo, créditos “individuais” concedidos para que os clientes pagassem as prestações dos créditos à habitação. Havia cartões de crédito a serem usados para pagar prestações em dívida. Havia longos períodos de carência de capital e juros, com aplicação retroativa. Estas e outras iniciativas inseriam-se numa “‘estratégia’ da instituição que parece funcionalizada à melhoria meramente cosmética da imagem do Montepio sem resolução (e até com escamoteamento) dos reais problemas que o Montepio enfrentava”.
E à frente da task force para este fim estava Pedro Alves, um diretor vindo do Banco Espírito Santo mas que, na altura, já acumulava quase 10 anos de Montepio e já tinha ascendido a “head of strategy and planning“, basicamente o diretor responsável pelas áreas de planeamento estratégico, orçamental e de gestão no Grupo Montepio.
Pedro Alves é o primeiro nome que aparece na task force de quatro pessoas (mais duas de apoio) que apresentaram aos departamentos relevantes a estratégia que deveria ser seguida por todos os colaboradores do Montepio que trabalhavam ao balcão, desde um qualquer chefe de sucursal em Braga até ao mais humilde bancário em Faro.
Os prémios para colaboradores, diretores e criadores do plano
Foi criada uma tabela de prémios onde, por exemplo, numa exposição “problemática” igual ou superior a um milhão de euros, um funcionário já conseguia obter um prémio quando atingisse 50% de redução. Podíamos estar a falar de entregas verdadeiras por parte dos clientes, mas a auditoria da Deloitte revelou que, em vários dos casos da amostra, as soluções foram menos “reais”.
Por cada “objetivo cumprido”, o colaborador recebia 125 euros por processo, num máximo de 1.500 euros. Quem conseguisse uma regularização imediata (até ao final do ano) recebia uma bonificação de 25%. Havia prémios diferenciados conforme a hierarquia como se pode ver na apresentação powerpoint onde se conclui que “os valores serão apurados a 31 de dezembro de 2009 e seriam creditados em conjunto com o vencimento de janeiro de 2020”.
Mas os “arquitetos” da estratégia também ganhavam se o “projeto” corresse bem: “com base no cumprimento dos objetivos desta ação, o Conselho de Administração deliberará a atribuição de prémio a cada trabalhador da Task Force de forma arbitrária“.
Segundo o plano apresentado por Pedro Alves, o Montepio tinha muito dinheiro a poupar caso conseguisse executar este plano com sucesso. Mesmo que se atingisse o valor máximo dos prémios, estaríamos a falar de um custo para o banco de cerca de 1,9 milhões de euros. Mas isso é apenas uma fração dos 6,45 milhões que poderia haver em custo adicional no funding [financiamento do banco nos mercados] por cada 50 pontos base [na taxa de juro] que aumentasse o custo da dívida que iria ser emitida em 2011 — caso houvesse um corte de rating ao banco por causa do mau estado das carteiras de crédito.
Os funcionários tinham um incentivo para pressionar os clientes de modo a que estes não falhassem prestações ou fizessem entregas em “dinheiro fresco”. Mas, no terreno, em grande parte dos casos, o que se verificou foi um “propósito fundamental de incentivar reestruturações através da concessão de períodos de carência, evitando situações de incumprimento ou default, o que constitui uma infração sancionada (…) uma vez que consubstancia uma medida destinada a prejudicar o conhecimento da situação patrimonial e financeira do Montepio através de uma melhora, artificial, dos seus rácios“.
“Temos como individualmente responsáveis por tais infrações todos os administradores do Montepio que sucessivamente aprovaram este tipo de campanhas”, conclui a Deloitte. Pedro Alves não era administrador do Montepio, na altura, mas era o diretor responsável pelas áreas de planeamento estratégico, orçamental e de gestão no Grupo Montepio. E era o primeiro nome da task force. Algo que não deverá escapar ao escrutínio do supervisor. E – sabe o Observador – o gestor tem vindo a ser chamado ao Banco de Portugal para prestar esclarecimentos adicionais relacionados com a idoneidade para o cargo de presidente do Montepio.
O Observador tentou, sem sucesso, esta quinta-feira, contactar Pedro Alves.