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Cristiana Kopke, a quase estrela pop dos anos 80 em Portugal

Assistente de Thilo Krassman e letrista para artistas como as Doce ou Dina, era uma voz promissora da pop em Portugal. Lançou um álbum em 1982 - e desapareceu. Esta é a história de Cristiana Kopke.

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Cristiana Kopke foi, em tempos, uma das cantoras mais promissoras do país. E foi mais: assistente de produção de Thilo Krassman, escreveu letras para artistas como as Doce ou Dina, teve um grupo com Armando Gama, lançou um inovador disco a solo e, sem avisar, desapareceu. Fugiu de um mundo pop sedento de hits mas desafortunado de estabilidade financeira, sempre em rutura com o presente e levou uma vida quase nómada.

Tudo começa em Lourenço Marques. “O meu avô materno era Governador de Moçambique, na altura fui a primeira neta”, diz-nos em entrevista. O avô foi intransigente e insistiu que os pais de Cristiana tivessem a primeira filha em África: “‘Tudo para cá. Nasce aqui’. E eu nasci lá”. Ainda conheceu Portugal aos 4 anos: “Lembro-me da viagem de navio para cá, lembro-me de situações, eu era pequenina. Estive em Lisboa brevemente entre os 4 e os quase 6. E depois fui para Paris”.

É em Paris que começa a crescer a sua ligação com a música pop, quando descobre uma banda especial, uma influência marcante até aos dias de hoje. Cristiana admite que “era fanática dos Beatles, doente! Usava os casacos com a gola de veludo, tinha o corte de cabelo, era membro do clube de fãs e recebia discos daqueles flexíveis”.

Em Paris

A relação dos seus pais não terminou da melhor maneira. “Até porque vim de uma forma estranha. A minha mãe trouxe-me para Portugal ilegalmente porque o divórcio foi em França e tinha sido decretado que eu não podia sair de lá. Portanto, a minha mãe trouxe-me à revelia do meu pai. Arrastou-me. Eu não falava português na altura. Cheguei a Portugal e lembro-me de dizer a uma das minhas tias, a única que falava sempre francês comigo: ‘pourquoi il y a la messe tout le temp?’. Porque é que a gente só ouve missa no rádio? Porque, para mim, fado e missa era tudo um bocadinho igual. Não percebia nada”.

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Portugal e a saia acima do joelho

Encontra em Portugal uma realidade muita distinta da parisiense, onde escasseia a liberdade em que tinha crescido. Acostumada a outros que não os nossos brandos costumes, sente-se desenquadrada. Lembra-se de “ter sido insultada”, apenas pelo tom, por umas “velhas na paragem do autocarro porque tinha uma saia um palmo acima do joelho”. “Isto foi na altura da Mary Quant [inventora da mini-saia] e essas coisas. Foi muito, muito difícil a minha adaptação a Portugal naquela altura”. Trazia no sangue rebeldia, desenquadrando-a da sociedade portuguesa da altura.

“Um dia estava num café onde ia a malta da música, perto do Teatro Villaret, onde íamos muito. Já não me lembro do nome daquilo. Estava o Tozé Brito e provavelmente o grupinho do costume. E, entretanto, apareceu o Thilo Krassman, disse que andava à procura de uma assistente. Nunca me tinha passado pela cabeça”.

“Fui muito rebelde. Nunca aceitei muito bem coisas rígidas, pré-estabelecidas. Portanto, entrei em rebeldia. Bem, diverti-me tanto! Diverti-me horrores. Hoje percebo — bem, já há muitos anos — que devo ter dado muito trabalho à minha mãe, aos professores e aos educadores no geral. E, pronto, sim, em função das muitas palhaçadas que fiz no Liceu Francês fui convidada gentilmente a sair. Fui convocada para uma reunião com o director-geral, o ‘proviseur’. Disse-me: ‘Olhe, nós vamos ter que a convidar a sair’. E eu, com um ar muito inocente, que era a minha especialidade, digo assim: ‘Porquê? Nunca cá venho, não chateio ninguém!’”.

A vida foi-se desenrolando. Alguns anos mais tarde, teve uma revelação. “Há um dia em que penso: ‘Mas, espera aí, eu tenho 21 anos. Já estou a trabalhar, feita estúpida. Esta gente está-me a fazer a cabeça em água. Uns e outros. Ou vou fazer agora o que me apetece fazer ou quando chegar aos 40 vou ser uma chata.’ E fui. Comecei a aventurar-me’”.

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Recorda-se de um momento definitivo da sua vida: “Um dia estava num café onde ia a malta da música, perto do Teatro Vilarett, onde íamos muito. Já não me lembro do nome daquilo. Estava o Tozé Brito e provavelmente o grupinho do costume. E, entretanto, apareceu o Thilo Krassman, que nessa altura estava na Movieplay, ali perto. O Tozé apresentou-nos”. Durante a conversa, uma revelação: “Thilo disse que andava à procura de uma assistente. Nunca me tinha passado pela cabeça”.

E foi assim a primeira incursão no mundo da música, como assistente de produção do músico, compositor e maestro Thilo Krassman. “Ia com ele para estúdio e ia aprendendo. Nessa altura estava ele a produzir o Pedro Malagueta. Lembro-me disso particularmente bem porque, no dia das misturas, diz-me ele: ‘Olha, eu não posso ir. Vais tu fazer a mistura com o Zé Fortes’”. Ficou surpreendida, mas correu bem. “A voz e a mistura já fui eu sozinha. Ele fez de propósito, claro”.

Mestre Thilo

Naquela altura, Cristiana Kopke era como a sombra profissional de Thilo Krassman, “andava sempre para trás e para a frente, porque o Thilo, na altura, era diretor musical de quase todas as revistas. Passava as noites com ele no Parque Mayer, dentro do fosso da orquestra”. E rapidamente começou a fazer parte do grupo. “Tive o privilégio de aos 20 anos, ainda uma miudeca, andar pela noite lisboeta como ela era na altura, fazer a voltinha que fazia aquele pessoal”. O grupo era constituído por pessoas como o César de Oliveira ou o Carlos Cruz. “Saía-se da revista às 3 da manhã e ía-se comer qualquer coisa que o pessoal estava cheio de fome, depois ia-se para a ‘Cova da Onça’ ou para o ‘Porão da Nau’. Eu ia na boa, tipo menina com os tios todos. Era tudo pessoal mais velho e eu estava protegídissima. Diverti-me imenso. E, de facto, foram os últimos anos da noite lisboeta, pelo menos como era naquela altura”.

Em Lisboa

O Cova da Onça ficava na Avenida da Liberdade. Era um bom restaurante para se dar uns passos de dança, o mesmo onde, a partir de certa hora, havia espaço para uma espécie de cabaré. Já o Porão da Nau ficava situado na cave do mesmo espaço onde agora é a Cervejaria Maracanã, na Avenida Fontes Pereira de Melo em Lisboa. O andar de cima, um restaurante, tinha o pertinente nome de Convés. Foi o primeiro lugar de Lisboa a vender pizzas. O Porão era frequentado por muitas estrelas nacionais e, por vezes, até algumas internacionais, personalidades como a Gal Costa, Ella Fitzgerald ou Duke Ellington embarcaram nas noites daquele espaço onde, por várias vezes, Thilo Krassman actuou com a sua banda, o Thilo’s Combo. De resto, até tocaram no espaço aquando a sua inauguração em Fevereiro de 1965.

Não foi por acaso que a música surgiu na vida de Cristiana. “Tive aulas de música desde criança, porque adorava e tinha a obsessão da música, o meu pai comprou uma guitarra e eu enlouquecia a minha mãe. O Vicente da Câmara [fadista que morreu em 2016], que era pessoa de ir lá a casa, encorajou-me muito e eu na altura, com uns 15 anos, lá fazia umas coisinhas ingénuas”.

"Os Tantra eram uma banda fantástica. Eu e a minha amiga pensámos: 'Vamos lá ter com eles'. Com aquela falta de vergonha que se tem naquela idade, entrámos durante o ensaio de som. Foi ali que conheci o Armando [Gama] e já não nos largámos”.

Alguns anos depois destas primeiras experiências musicais com as tais juvenis composições, viria a retomar a aventura mas no campo da produção. Assumiu um papel criativo pelo qual foi reconhecido passados poucos anos, e isso deve-se em parte ao mundo publicitário. Foram os seus primeiros sucessos, recorda-se bem: “Depois, com o Thilo tive uma experiência muito engraçada que foi começar a escrever para jingles. Ele fazia as músicas e eu fazia as letras. Fizemos até coisas que chegaram a ganhar prémios como um anúncio da Yoplait. Foi um ano e meio, fui uma esponja de absorção de muito conhecimento”.

Do concerto dos Tantra ao Duo Sarabanda

Nas férias cruzava o país de uma ponta à outra, sempre com uma guitarra atrás e com a voz aquecida para cantar. Fez férias em comunidades no Algarve ou em Vilar de Mouros. “Coisas daquela altura”, diz-nos. Um dia, ao chegar a Alvor, no Algarve, à boleia com uma amiga, aproximava-se do estrelato sem saber. Ouviram música. E disse-lhe a amiga: “Ah, é verdade, há um concerto dos Tantra”. “E os Tantra eram uma banda fantástica”, lembra. “Eu e a minha amiga pensámos: ‘Vamos lá ter com eles’. Com aquela falta de vergonha que se tem naquela idade, entrámos durante o ensaio de som. Foi ali que conheci o Armando [Gama] e já não nos largámos”.

Começam a namorar e a fazer coisas juntos, pouco depois Armando Gama deixa os Tantra. Recorda-se da rapidez com que aquilo tudo aconteceu: “Seis meses depois já tínhamos composto juntos uma série de coisas, era tudo originais, aquilo começou a gerar o que viria ser o Duo Sarabanda. Um dia, também o Tozé [Brito] falou de nós ao Milo [MacMahon], do Duo Ouro Negro. Acho que o Tozé mencionou-nos mas nem conhecia o nosso trabalho”.

Com Armando Gama, no início do Duo Sarabanda

Segundo Cristiana, “o Milo tinha na altura duas situações: um restaurante no Campo Grande, onde é hoje a churrasqueira, que se chamava Os Bons Velhos Tempos ou uma coisa desse género, e um bar que era o Hit, ali ao pé da Avenida de Roma. Era um bar muito pequenino, uma salinha com um palco muito pequenino com um balcão do bar ao lado. Nós começámos a tocar aos fins-de-semana, tudo acústico. Era a nossa onda. Tínhamos um repertório baseado em Simon & Garfunkel e Beatles. Começámos a aproveitar e a fazer musiquinhas nossas e a introduzi-las, eram na mesma onda. Até que um dia o Tozé vai lá ao fim-de-semana acompanhado de um senhor, o Cláudio Condé, que na altura era o director da Polygram. Dali saiu o nosso primeiro contrato discográfico”.

Em 1980, o Duo Sarabanda participou no Festival da Canção da RTP. “Foi o único ano em que aconteceu em duas eliminatórias, até ali”. Confessa que ficou sempre com a sensação que a Polygram exerceu influência para uma possível vitória, mas isso não adiantou de muito, foram eliminados e nem chegaram à final.”

[“Made in Portugal”, do Duo Sarabanda]

Dos Sarabanda ficaram ótimas memórias. “Tivemos muito sucesso. De muita qualidade mas muito soft. Era um delírio. Íamos à província, nas condições que ninguém imagina”. Apesar de as condições não serem as mais profissionais, “no último ano dos Sarabanda tivemos 28 espetáculos no mês de agosto, nos sítios mais remotos que possas imaginar. Havia uma sede ainda muito grande de coisas novas. Eu e o Armando decidimos que em cada aldeia onde íamos havíamos de abrir sempre os espetáculos com uma música da região. Chegámos a Moura, à Praça de Touros, afinámos as gargantas e cantámos ‘Toda a vida fui pastor… todo a vida guardei gado’. E, na frase seguinte, entraram todos em harmonia. Eu toda arrepiada. O Armando olhava para mim… lágrimas nos olhos. Depois do espetáculo estive uma hora e meia a assinar autógrafos”.

Sempre a música, entre ela e os outros

A paixão pela música tornava-se uma carreira e um amor antigo deixava de ser hobby. “Sempre gostei de escrever letras, adoro escrever. Sempre foi a minha forma de terapia, desde muito nova”. A letra mais conhecida que escreveu, será, muito provavelmente, a da canção “Há Sempre Música Entre Nós” e, segundo a nossa entrevistada, foi feita especificamente a pensar na Dina. “A música já estava feita. Aliás, eu sempre trabalhei melhor assim. Claro que também tive poemas já escritos, em que amigos me perguntavam se podiam musicar. Mas por encomenda sempre trabalhei por cima da música. Também escrevi para mais pessoas, como as Doce. Às vezes vejo nas listas da Sociedade Portuguesa de Autores e fico surpreendida. Escrevi tantas, até para discos infantis. Fiz várias adaptações de outras músicas para o Marco Paulo, escrevi para o Luís Pedro Fonseca também. Escrevia muito, e eu e Armando éramos conhecidos enquanto dupla, pelo tipo de sonoridade que fazíamos. As minhas palavras encaixavam de forma perfeita nas notas dele. Portanto, havia muita solicitação”. E a verdade é que ainda hoje escreve ocasionalmente para algumas pessoas.

"A relação acabou primeiro e ainda continuámos mas era muito díficil de gerir, e eu não era a pessoa mais madura do mundo. Em termos de amadurecimento, acho que comecei a chegar ao estado adulto quando tinha 40. Ainda hoje sou um bocadinho adolescente, mas já com maturidade e equilíbrio. E gerir uma coisa daquelas é muito difícil”

O Angel Studio, no Alto de S. João, foi berço de muito dos discos clássicos da música portuguesa. Por exemplo, o primeiro disco que lá foi gravado foi o Ar de Rock do Rui Veloso. Lena D’Água, Doce, Heróis do Mar, Xutos & Pontapés, Fausto e muitos outros também lá gravaram discos que fizeram história. Mas, para Cristiana Kopke, aquele lugar era muito mais que isso.

“Naquela altura, eu, o Armando e as Doce fazíamos os backing vocals de toda a gente. Como também éramos amigos do Zé, passávamos lá a vida. Isto foram anos em que o estúdio fazia parte do nosso percurso de dia”. E do convívio nasceu algo mais: “Éramos muito amigos. Também, naquela altura, a cena musical era muito diferente. As Doce vinham fazer as vozes para nós, nós para as Doce. Naquele disco há até um assobio do Paulo de Carvalho. Porque éramos todos amigos, funcionávamos em troupe”.

Cristiana lembra um de muitos dos “bons momentos” que lá passou, que aconteceu no dia em que conheceram a Dina. “Ela entrou pela porta, com a sua guitarrinha. Nós estávamos com uma pedra monstra nos cornos, estávamos a rir-nos feitos parvos. A Dina só me disse anos depois que achou que nos estávamos a rir dela”. A primeira impressão não impediu o que viria depois. “Eu e o Armando quase que adotámos a Dina, a quem passámos rapidamente a chamar de meia-dose [por causa da sua altura]”.

Foto de promoção do Duo Sarabanda

Mas muitas destas ligações terminaram com o fim da relação com Armando Gama. “A relação acabou primeiro e ainda continuámos mas era muito díficil de gerir, e eu não era a pessoa mais madura do mundo. Em termos de amadurecimento, acho que comecei a chegar ao estado adulto quando tinha 40. Ainda hoje sou um bocadinho adolescente, mas já com maturidade e equilíbrio. E gerir uma coisa daquelas é muito difícil”. Os Sarabanda chegavam assim ao fim.

Depois de anos de estrada e de estúdio, Cristiana estava num impasse. Como seria o futuro? A solução acabaria por vir do norte. “A dada altura, aquele maluco, o Sérgio [Castro] dos Arte & Ofício, estava em Lisboa. Surgiu a conversa: ‘Podias vir trabalhar connosco uns tempos, que aquilo é muita giro. Há lá uma miúda que canta connosco e tal’”. E foi para o Porto, onde esteve um ano e meio, a fazer “coisas com uns e outros”. “Cantei nos Arte & Ofício e nos Trabalhadores do Comércio [ambas com Sérgio Castro], dependia dos concertos. Mas era mais Arte & Oficio.”

Por lá tornou-se amiga de António Pinho Vargas. Um dia disse-lhe: “António, ando à procura de fazer coisas diferentes… Mas tenho aquele problema, aquela coisa que já deves ter ouvido muita gente dizer: eu sei o que não quero, mas não tenho bem a certeza sobre o que quero”.

Kriskopke e as noites americanas em Lisboa

Voltou para Lisboa com vontade de fazer algo diferente, desabafou com António Avelar de Pinho, A&R da Polygram da altura: “Eu sei que vocês vão achar isto uma grande doideira. Mas eu gosto muito de Duran Duran e desta onda nova que está a aparecer. Gostava de experimentar uma coisa minimalista em termos instrumentais”. Carlos Maria Trindade, dos Heróis do Mar, foi chamado para o comando da produção do disco, dado o conhecimento que tinha sobre a tecnologia necessária para o trabalho em questão: sintetizadores. E assim nasce La Nuit Américaine, com Cristiana a assinar como Kriskopke, o seu nome artístico.

A capa de “La Nuit Américaine”

La Nuit Américaine é uma homenagem ao [François] Truffaut, um grande cineasta francês, o primeiro europeu que arranjou uma maneira de filmar cenas noturnas em pleno dia. A isso chamou ‘La Nuit Américaine’, porque os americanos já tinham umas coisas nesse campeonato. E com as rádios, aquilo caiu-lhes no goto. Não há outra explicação”.

O disco foi redescoberto por apaixonados da música nos últimos anos, talvez por ser um dos melhores exemplos de synthpop em Portugal, ou por ser escandaloso que “Kodak” não seja um clássico da música portuguesa. Os preços subiram bastante nas lojas de revenda online, surgiu a história em algumas publicações e foi destacado em rádios. Cristiana tem reparado nisso: “Estou sempre a ver por aí, e vejo os direitos de autor nas cartas da SPA também!”. Já na altura foi outra história: “Aquilo não vendeu o que se esperava, apesar de ter passado muito na rádio”, diz.

[“Kodak”, de Kriskopke]

Na promoção do disco, o pragmatismo e descaramento da cantora destacava-se. “Eu dizia às pessoas: ‘Vocês querem-me entrevistar, eu digo o que tenho a dizer. Agora vocês escrevem o que eu digo e não escrevem ao lado’. E por acaso, devo dizer que não tenho a mais pequena queixa da imprensa da altura, muito pelo contrário”. Um exemplo é a sua entrevista para uma publicação da altura, a TVTop, onde se revelou sem preconceitos e com um discurso em que abordava assuntos que eram tabu naquela altura. “Eu acho que se as pessoas têm alguma coisa para dizer, dizem. Se não têm, digam: ‘Olha, eu sobre esse assunto não tenho nada a dizer’”.

O que prometia ser a continuação do sucesso do Duo Sarabanda, mas a solo, foi na verdade o princípio do fim do lado mais mediático da sua carreira musical. “Quando iam começar os espetáculos ao vivo com esse disco, cantei muitas músicas em bares onde atuava com frequência e integrei algumas dessas músicas em espetáculos que fiz posteriormente”. Mas hoje deixa questões sobre opções editoriais: “A altura em que esse disco saiu, eu acho — mas posso estar completamente enganada — foi a mesma em que surgiu a mentalidade que viria a ser a das décadas seguintes, algo como ‘ah, se isto funciona vamos repetir a receita'”.

“Visage”, Funchal, Brasil

Mas Cristiana estava decidida a fazer coisas de outra forma. “Depois do disco, pouco depois, conheci uns bailarinos brasileiros com os quais comecei a trabalhar e em vez de insistir em fazer espetáculos relacionados com o disco, montámos uma apresentação diferente. Uma coisa chamada Visage, com dança, música e muito cuidado com o guarda roupa. Maluquice essa que teve um sucesso enorme, de tal forma que no verão de 1983 fomos contratados para ir para o Funchal. A banda-sonora ia desde o tradicional brasileiro candomblé, passando por músicas brasileiras que todos nós conhecemos, mas abria com uma enorme música do Jean Michel Jarre. Muito visual, muita roupa, muita coisa. Eu mudava de roupa para aí 5 vezes. E cantava pelo meio também. Tive a ousadia de fazer vocalizações por cima do Jean Michel Jarre.” Chegaram ao Funchal com um contrato de 15 dias, mas o espetáculo correu tão bem que só saíram de lá 3 meses depois.

Cartaz do espectáculo “Visage”

A série de atuações culminou no Teatro Municipal do Funchal, onde, devido à dimensão, foi necessário adaptar os cenários, criados pelos seus bailarinos. “Eram cenários feitos para boites, teve que se refazer aquilo tudo, tinha uma série de estrados e eram pequenos.”

Durante o tempo de preparação foi contratada por vários hotéis do Funchal para cantar, um deles era o Casino Park: “A minha ambição era cantar com uma big band e eles tinham uma banda fantástica”. Foi convidada para jantar em casa de um amigo da mãe, alguém que conhecia desde sempre. “Estava eu nesse jantar e passa um senhor alto, muito bem parecido. Ele pára e olha. E eu olhei. Foi aquela coisa dos olhares. Veio o Carlos, que era o dono da casa, e disse: ‘Ah, olha, apresento-te fulano coiso e tal’. Surpreendida, disse-lhe assim: ‘Olhe, eu estou a cantar no Casino Park. Não quer lá ir?’. E no fim-de-semana, estou eu a cantar, entra-me o homem. Foi daquelas histórias que lemos nos livros. Começámos a sair a partir daquele dia, logo. E ele marcava sempre encontro no Hotel Savoy. Eu achava normal, porque era um hotel bonito e ele era um senhor, enfim… Houve um dia em que fui ter com ele à hora combinada ao bar do Savoy e ele atrasou-se”. Ficou a fazer conversa com o barman, que já conhecia, e disse-lhe:

– “Então o senhor Zé Dias?”.
– “Ah, o patrão?”
– “Mas qual patrão?”
– “Ai, senhora, o patrão”
– “Não, o Sr. Zé Dias”
– “Sim. É o Patrão”

Quando o “patrão” regressou, Cristiana disparou: “Olha lá, então não te passou pela cabeça dizeres-me que eras dono disto?” Ele respondeu: “Não, é-me indiferente”. “A família era dona do Savoy, de facto, tinham vendido o hotel e ele tinha lá ido, naquela ocasião específica, para ir recolher a última prestação do pagamento dos compradores. Pagamento esse que era feito em espécie, uma data de dólares com zeros à frente. Nós já estávamos muito envolvidos, aquilo era muito intenso.”

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“Para aí 2 ou 3 dias depois, eu vejo-o preocupado. ‘Epá, estou aqui com um problema’. Naquela altura não se podia sair de Portugal com divisas para lado nenhum e ele vivia no Brasil.” Mas Cristiana Kopke era uma mulher com um plano: “Vou-te explicar. Agora vou para o continente, anuncio à imprensa que vou para o Brasil. Achas que quando chegar ao aeroporto alguém se vai lembrar de olhar para o que é que tenho na mala? Tu não sabes…” O plano deu certo. “E quando cheguei ao aeroporto era uma confusão”, lembra. Conseguiu chegar ao Brasil.

Aquela intensa história de amor acabou por perder gás e afastaram-se, mas ficou “no Brasil por paixão, uma porrada de anos”. Só voltou para a Europa em 1990 mas admite que “o Brasil foi muito importante porque estava em casa. E tenho muitas saudades do Brasil”.

Em 2011 criou um blog para contar a sua vida aos seus filhos e, num dos posts, contava esta história, com pormenores. “Há aquelas mensagens das pessoas que seguem o blog. Uma dia, recebo uma mensagem a dizer assim: ‘Gostei daquela parte da tua chegada ao Rio de Janeiro. Assinado: Zé dias’ Mandei-lhe outra mensagem em maiúsculas em inglês. E o gajo respondeu-me assim: “YEAH!”. Meses depois, largou o Brasil e veio ter comigo. 27 anos depois. E estava tudo lá. Igual. Morreu-me há quase 3 anos, o estúpido. Mas tivémos oportunidade de fechar o ciclo, de estar juntos. 27 anos depois. Ele agarrou, fez as malas e foi ter comigo a Espanha”.

Na música, acabou por ter uma pequena tentativa de regresso em 1990 mas desistiu.

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Confessa-nos: “As pessoas perguntam-me muitas vezes: ‘Porque é que não voltaste a cantar?’. Quando vim do Brasil ainda fiz uma tentativa porque ainda tinha vontade de palco. E ainda andei para aí um ano e tal a cantar nos hotéis aqui e ali. Mas depois cheguei à conclusão que o mercado já estava muito complicado. Gosto muito de fazer barzinhos, mas os músicos já não eram fiáveis. Cansei-me de ter problemas com pianistas que não apareciam no dia. Quem assinava os contratos era eu e aquilo começou-me a stressar. E gosto demasiadamente de música. A música para mim tem que ser uma coisa de prazer e de dádiva, a minha sobrevivência económica não pode depender disso. Não tenho esse feitio, não pode ser. Continuei a cantar, quando me apetece cantar, canto para alguém. Mas porque sim, porque quero e porque me apetece”.

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