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"Cruel" ou "legal"? 10 respostas para entender a separação de famílias nos EUA

Testemunha no local revela ao Observador as condições das celas onde se colocam menores. Trump assinou ordem executiva para impedir separação, mas problema legal mantém-se. O que se passa afinal?

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“Próximos passos para as famílias.” É assim que se intitula o folheto que tem sido distribuído aos migrantes que atravessam a fronteira que separa o México dos Estados Unidos com os filhos — e que são apanhados pela Guarda Fronteiriça norte-americana. “O/a senhor/a foi acusado/a do crime de entrada ilegal nos Estados Unidos”, diz o papel, onde se explica que os menores de idade que acompanham o adulto serão colocados “num abrigo temporário ou recebidos por uma família de acolhimento” e que os organismos competentes poderão ajudar a “facilitar a reunião” entre pais e filhos.

O objetivo do folheto é apaziguar, mas para os pais muitas outras perguntas continuam sem resposta. Quando poderei voltar a ter a custódia do meu filho? Quais as condições do local onde o vão colocar? Posso pedir asilo juntamente com ele? Para estas perguntas, o Departamento de Segurança Interna não lhes dá ainda respostas.

É muita a desinformação relacionada com esta política de “tolerância zero” aplicada desde o início de maio pela Administração Trump. Certo é que, de acordo com números do próprio Departamento, 2342 crianças foram separadas dos pais na fronteira, entre 5 de maio e 9 de junho. Pelas redes sociais, multiplicam-se as fotografias de menores retidos em estruturas semelhantes a gaiolas ou jaulas. Há desde bebés de colo a adolescentes próximos da maioridade, todos colocados no mesmo espaço, alguns tapados com mantas de sobrevivência. Em algumas fotografias, um guarda observa-os.

As críticas à Casa Branca têm-se multiplicado, agravadas pelos testemunhos emocionais como a carta de uma mãe desesperada e a gravação divulgada pela organização jornalística sem fins lucrativos ProPublica onde se ouve o choro de algumas crianças.

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As Nações Unidas e representantes políticos dos maiores partidos norte-americanos pedem a Trump que ponha fim a esta situação. O Presidente e a sua equipa começaram por manter que estão apenas a cumprir a lei e que o Partido Democrata tem responsabilidades nesta matéria — mas, esta quarta-feira, Trump assinou uma ordem executiva que passa a prever a possibilidade de pais e filhos ficarem juntos nos centros de detenção. O problema? Essa solução já tinha sido tentada por Barack Obama e enfrentou problemas legais.

O que está afinal a acontecer na fronteira dos Estados Unidos? O Observador falou com Michael Bochenek, responsável pela divisão de Direitos Infantis da Human Rights Watch (HRW) — que está atualmente no terreno — e com dois analistas políticos para perceber o que se passa.

Por que razão estão as famílias a ser separadas?

Tudo se resume a uma expressão: política de “tolerância zero”. Isso mesmo foi confirmado pelo próprio procurador-geral dos EUA, Jeff Sessions: “Estamos a levar a cabo uma política de ‘tolerância zero’ relativamente às acusações na fronteira”, afirmou Sessions. “De acordo com as leis deste país, a entrada ilegal é um pequeno delito. Entrar de novo depois de se ter sido deportado é um crime de maior gravidade. Segundo a lei, temos de acusar as pessoas por estes crimes.”

Vamos por partes. Para começar, a lei prevê, de facto, estas infrações. No caso de ser a primeira vez que alguém é apanhado a cometer o delito de entrada irregular, a lei norte-americana trata este crime como uma infração menor e aplica um castigo civil e não penal: o pagamento de uma multa de “pelo menos 50 dólares e nunca mais de 250 dólares” ou, em alternativa, “pena de prisão que não ultrapasse os seis meses”. Isso significa que, os migrantes antes de serem enviados para tribunal, têm de ser colocados numa prisão federal — onde não podem ter os filhos consigo.

Até agora, as administrações anteriores optavam por não avançar com estas acusações, precisamente para não separar famílias. Em vez disso, os que eram apanhados a cruzar a fronteira aguardavam com os filhos em liberdade até à data em que teriam de ir a um tribunal de imigração. Aí, um juiz estabelecia se deveriam ser todos deportados em conjunto ou não.

Guarda fronteiriço vigia grupo de migrantes acabado de ser encontrado a atravessar ilegalmente a fronteira (John Moore/Getty Images)

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Na base desta prática estava a interpretação das presidências anteriores das leis do Acordo Flores e do estatuto anti-tráfico. O primeiro foi assinado por Bill Clinton em 1997 e estabelece que os menores que cheguem aos Estados Unidos sem a companhia de um adulto devem ser entregues aos pais, a um guardião legal, a um familiar ou ficarem à guarda do Estado até serem entregues a um adulto. O segundo, assinado por George W. Bush em 2008, estabeleceu que os menores sozinhos não podem ficar num centro de detenção de imigrantes durante mais de 72 horas. Isto significa que, na prática, cada Governo americano está perante três hipóteses: deixar famílias inteiras em liberdade até irem a tribunal, alterar a lei para que os menores possam ser detidos juntamente com os pais ou separar as famílias.

Em 2014, a Casa Branca de Barack Obama decidiu tentar a segunda hipótese ao manter famílias com menores em centros de detenção especiais até serem presentes a tribunal — mas um juiz federal na Califórnia concluiu que tal violava a lei, já que os menores não podem ser mantidos em estabelecimentos semelhantes aos prisionais. Assim, e para impedir a separação de pais e filhos, Obama decidiu manter tudo como estava.

Durante os primeiros 15 meses da presidência Trump, e apesar do desagrado de muitos apoiantes do Presidente, este modus operandi de “apanhar e libertar” migrantes até serem presentes a tribunal manteve-se. Ao todo, segundo o Washington Post, 100 mil pessoas apanhadas na fronteira foram deixadas em liberdade, incluindo mais de 37 mil menores e 61 mil familiares.

Agora, com o número de entradas ilegais no país a voltar aos níveis do tempo de Obama, a Casa Branca resolveu mudar de estratégia. “O Governo tem muita margem de manobra para aplicar a lei. Mas separar crianças dos pais e colocá-los em celas… Não há nada na lei que dite isso, é uma interpretação que eles fazem da lei”, explica ao Observador Seth Masket, professor de Ciência Política da Universidade de Denver, no Colorado.

Esta quarta-feira, o Presidente assinou uma ordem executiva que permite que pais e filhos fiquem juntos nos centros de detenção. A decisão pode ser vista como uma espécie de recuo, já que acaba com a separação de famílias, mas tem pela frente uma batalha legal anunciada. Afinal, esta é a mesma ação que a administração Obama tomou no passado e que enfrentou problemas legais.

Como tem sido feita a separação de pais e filhos?

Michael Bochenek, representante da HRW que está na fronteira no Texas, explica o que acontece quando um migrante é apanhado pelos guardas fronteiriços ou se entrega às autoridades para pedir asilo: “Primeiro são levados para celas de imigração, conhecidas como ‘congeladores’ pelo frio que lá faz. Estas são pequenas salas de cimento, com um banco ao longo da parede. Normalmente os imigrantes são colocados nestas celas durante algumas horas. A maior parte sai dali ao fim de 24 horas — e é nessa altura que pais e filhos são separados”, explica o responsável da ONG.

As crianças ficam detidas em celas que parecem jaulas

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Várias testemunhas no local dão conta de que as autoridades não explicam aos pais com exatidão o que se vai passar a seguir. A ONG Texas Civil Rights Project garante que muitos pais com quem falaram não tinham qualquer informação sobre o paradeiro dos filhos. Outros revelam que lhes foram ditas mentiras. É o caso de um casal que conta ao Washington Post ter sido informado de que os filhos iriam apenas ser interrogados e que regressariam em breve. Também a advogada Azalea Aleman-Bendiks revelou ao Boston Globe que a muitos dos seus clientes foi dito que estavam a levar as crianças apenas para lhes dar banho.  “Os pais perguntam ‘para onde levam o meu filho?’ e os guardas fronteiriços só lhes respondem ‘não sabemos’ ou então ‘eles vão cá estar daqui a pouco’, o que é mentira. Fazem isto porque não querem enervar os pais e porque querem acreditar que estão apenas a cumprir ordens”, analisa Bochenek.

Responsáveis do Departamento de Segurança Interna afirmaram entretanto ao Los Angeles Times que toda a informação está a ser dada aos pais. “As acusações de tentativas de separação furtivas são totalmente falsas”, declararam, preferindo não se identificar.

Os pais são então enviados de autocarro para uma prisão federal, enquanto os filhos são transportados para outros locais.

Para onde são enviadas as crianças?

Numa primeira fase, as crianças são enviadas para os chamados “centros de processamento”, as instalações que se assemelham a grandes armazéns onde as crianças são colocadas atrás de grades nas famosas estruturas que se assemelham a jaulas — e que equivalem a centros de detenção de imigrantes.

O maior centro de detenção deste género é conhecido como o “centro Ursula”, por se encontrar na Rua Ursula em McAllen, no Texas. É o maior centro de detenção e processamento do país e é o local para onde está a ser enviada a maioria destes menores. Ao fim de 72 horas — como determina a lei — as crianças e adolescentes são enviados para abrigos pertencentes ao Departamento de Saúde e Serviços Humanos do Governo norte-americano.

Não é claro em qual destas instalações os menores poderão ficar com os pais depois de o Presidente ter assinado a ordem executiva. Isto porque as duas primeiras são consideradas instalações “semelhantes a estabelecimentos prisionais” e a lei proíbe um menor de ficar num local desses durante mais de 72 horas. Caso fiquem num abrigo, os pais aí já não estariam numa prisão federal, como prevê a lei em casos de criminalidade.

Quais as condições dos locais onde são colocadas?

Nas celas onde as famílias passam as primeiras 24 horas — os “congeladores” — não há cobertores nem colchões, nada a não ser um banco de pedra. “Numa dessas celas contei 28 rapazes. Não conseguiam dormir todos esticados, porque não cabiam todos”, revela Bochenek.

Nos centros de detenção como o Ursula — a que um senador chegou a chamar de “canil” — a situação é ligeiramente melhor. “Há colchões, mas não chegam para todos. Há comida melhor, a refeição passa a ter fruta, por exemplo. Podem tomar um banho enquanto lá estão e recebem produtos de higiene, como pasta de dentes”, resume Bochenek.

O "centro Ursula", no Texas (Foto cedida pelas autoridades dos EUA)

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Mas, para ONGs como a HRW, as condições continuam a ser francamente insuficientes para acolher crianças: “São centenas de crianças engaioladas, à espera que algo aconteça. Não há adultos a não ser os guardas que de vez em quando vão ver se está tudo bem. Não há ninguém para parar com as brigas, ninguém para os consolar quando choram. Não há brinquedos, nem jogos, nem livros, nem espaço para correr. É esperado que fiquem sentados quietos no chão durante três dias.

A Guarda Fronteiriça e outras autoridades têm revelado desconforto pelo uso de expressões como “celas”, “jaulas” ou “gaiolas” para referir o local onde as crianças estão colocadas. O site Breitbart, conhecido órgão de extrema-direita pró-Trump, publicou um texto a criticar o uso dessa expressão por um repórter da Associated Press que visitou o centro Ursula, dizendo que seria preferível utilizar a expressão “áreas de contenção com uma vedação de corrente”. Mas, seja qual for a expressão utilizada, certo é que os menores são colocados dentro daquela estrutura, como as fotos oficiais divulgadas pelas autoridades norte-americanas revelam.

Nos abrigos para onde os menores são enviados posteriormente, as condições são melhores. Na Casa Padre, o maior abrigo apoiado pelo Estado que se localiza em Brownsville, no Texas, há camas, um refeitório e os menores podem ir à escola e passar duas horas numa espécie de recreio. Atualmente há cerca de 1500 menores só neste abrigo. Contudo, até nestas instituições há críticas às condições de acolhimento. A responsável máxima da Academia Americana de Pediatria denunciou os relatos que lhe foram feitos por atuais e antigos trabalhadores destes abrigos que dão conta de regras apertadas que os impedem, por exemplo, de abraçar as crianças.

Todas estas condições já existiam previamente durante a presidência de Barack Obama, quer nos centros de detenção, quer nos abrigos, destaca a HRW. “Em qualquer outra instituição para crianças, este tipo de condições seria considerado digno de maus-tratos, não seria permitido pelas agências governamentais em qualquer outro contexto”, ressalva Bochenek. A diferença agora está no facto de os menores estarem nestes locais sozinhos, ao contrário do que acontecia antes: “Destroçar famílias é algo completamente novo. Separar pais dos filhos a esta dimensão é inédito.”

O que acontece aos pais?

Depois de separados dos filhos, os pais são enviados para prisões até serem presentes a um juiz. Aí, são levados em conjunto com outros migrantes para sessões em massa em tribunal — o Houston Chronicle dá conta de um tribunal em McAllen onde a média passou a ser de mil casos por semana.

Os relatos dos jornalistas presentes nas sessões de tribunal dão conta de dezenas de pessoas que se dão como culpadas, aconselhados pelos seus advogados, na esperança de que isso facilite o processo de reunião com os seus filhos. Seja um homem que atravessou a fronteira com um filho de 11 anos, seja uma mulher a quem lhe retiraram dos braços a bebé que estava a amamentar.

Todos esperam para ouvir a pena e são depois levados de novo para a prisão.

Pais e filhos separados vão conseguir reunir-se?

Em teoria, sim. Na prática, é complicado.

Quando entra no sistema norte-americano, cada migrante recebe um número, mas os pais não sabem o número dos seus filhos. Para ter conhecimento dessa informação, podem ligar para o número de informações do Gabinete de Realojamento de Refugiados (ORR na sigla original). Contudo, como relembra um migrante à revista New Yorker, na prisão é difícil telefonar com regularidade ou receber chamadas de volta.

Para além disso, ainda não há procedimentos definidos pelo próprio ORR ou outros organismos públicos para promoverem a reunião de pais e filhos. “Esta política ainda é relativamente nova”, explicou à Vox Steven Wagner, secretário-assistente da ORR no Governo. “Ainda estamos a trabalhar no processo de reunir as crianças com os pais depois da adjudicação”, ou seja, depois de a situação legal do pai estar resolvida, através da concessão de asilo, por exemplo. Esse processo pode demorar anos.

A isto juntam-se as falhas no terreno. Um dos números de telefone apontados pelo ORR num folheto chegou a estar errado, assegura a Vox. E as ONG dão conta de situações em que crianças e familiares estão inclusivamente no mesmo centro de detenção, mas não conseguem encontrar-se por falta de registos — foi o caso de uma menina que acabou por ser tratada por algumas adolescentes que lhe iam mudando a fralda, quando afinal a sua tia estava no mesmo edifício.

Angela Dodge, porta-voz do Departamento da Justiça no Texas, admitiu ao Washington Post que quando os pais são levados a tribunal não há registos sobre se tinham filhos consigo ou não aquando da entrada no país. “Não temos estatística sobre se alguém é um pai ou não”, afirmou, sublinhando que essa informação “não é relevante” para a acusação.

Também não está definido o que acontece aos menores depois de serem colocados nos abrigos. “Alguém vai tomar conta das crianças. Vão ser institucionalizadas ou coisa assim”, resumiu John Kelly, chefe de Gabinete do Presidente, em maio, quando esta política começou a ser gizada.

Isto aplica-se só a imigrantes ou também a requerentes de asilo?

Em teoria, apenas a imigrantes. Na prática, tendo em conta que muitos estão impedidos de chegar sequer a pedir asilo, tem-se aplicado em ambos os casos.

A distinção é relevante já que, tendo em conta que muitas destas famílias vêm de países na América Central onde a violência dos gangues é endémica, possivelmente alguns destes casos terão direito a que lhes seja concedido asilo nos Estados Unidos. Jennifer Harbury, advogada responsável pela divulgação de uma gravação de som vinda de um centro de detenção, ilustra quais são os antecedentes de alguns destes menores, recordando à CBS o caso de um antigo cliente seu: “Ele fez 15 anos nas Honduras e é nessa idade que os cartéis batem à porta e dizem ‘ou trabalhas para nós ou morres’. Perguntaram-lhe a primeira vez e ele recusou, à segunda atropelaram-no.” Depois, fugiu para os EUA com ajuda da mãe, para tentar pedir asilo.

A lei determina que as famílias que fizerem um pedido de asilo num posto de entrada determinado têm direito a ficar juntas até o processo estar concluído, mas há denúncias de casos em que tal não foi cumprido. É o caso de uma mulher congolesa, que requereu asilo e foi separada da sua filha de sete anos, abrindo uma batalha legal. “O Serviço Luterano de Imigração e Refugiados documentou 53 incidentes de separação familiar nos últimos nove meses”, denunciou a NPR. Esta já era a situação ainda em fevereiro, antes da “tolerância zero” ser anunciada.

Esta segunda-feira, a secretária da Segurança Interna Kirstjen Nielsen admitiu num briefing com a imprensa que, tendo em conta o fluxo de pessoas na fronteira, as autoridades não estão a registar pedidos de asilo. “Estamos a dizer-lhes que queremos cuidar deles da melhor forma. Atualmente não temos os recursos para o fazer, voltem depois.”

A lei norte-americana continua a prever a atribuição de asilo em alguns casos com caráter humanitário, mas esta administração tem denunciado o que considera ser “buracos” na lei que permitem que criminosos se aproveitem para entrar no país. Esses buracos “permitiram a membros do gangue MS-13 e a outros criminosos infiltrarem-se na nossa comunidade”, declarou o próprio Presidente no Twitter, justificando assim esta política de tolerância zero que também tem afetado os requerentes de asilo, mesmo que indiretamente.

Quais são os argumentos dos que defendem esta política?

Até ao anúncio desta quarta-feira de que a ordem executiva do Presidente manterá as famílias juntas, a Casa Branca mantinha que estava apenas a cumprir a lei. “Ao entrarem ilegalmente no nosso país, muitas vezes em circunstâncias perigosas, os imigrantes ilegais colocam os seus filhos em risco”, avisou a secretária Nielsen esta semana.

O procurador-geral Jeff Sessions já tinha iniciado esta linha de argumentação na semana passada, colocando a responsabilidade nos próprios imigrantes, que sabem estar a violar a lei: “Não se ganha imunidade só por trazer uma criança”, disse. Sessions foi ainda mais longe, citando a Bíblia para responder às críticas que surgiram de alguns sectores das Igrejas Católica e Evangélica: “Cito-vos o Apóstolo Paulo e o seu mandamento claro e sábio em Romanos, 13: obedecer às leis do Governo”.

Vários responsáveis da Casa Branca, bem como o próprio Presidente, têm sublinhado que não gostam de ver crianças a serem separadas dos pais, mas afirmam não ter escolha. “É a lei”, repetiu até à exaustão a diretora de comunicação da Casa Branca, Sarah Huckabee Sanders, não conseguindo especificar a alínea da lei que dita a separação de famílias — porque não existe. “Eu detesto ver crianças a serem levadas. Os democratas têm de alterar a lei, é uma lei deles”, reafirmou o próprio Presidente no dia seguinte.

A secretária norte-americana do Departamento de Segurança Interna, Kirstjen Nielsen (Alex Wong/Getty Images)

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Segundo o New York Times, há posições diferentes dentro da própria Casa Branca, com a secretária Nielsen alegadamente a entrar em choque com Trump sobre esta matéria várias vezes. Outros, como o conselheiro Stephen Miller (considerado o mentor da “travel ban”, que impediu a entrada de imigrantes de alguns países de maioria muçulmana) acham que Trump não deve apresentar desculpas para a sua própria política: “Foi uma simples decisão da administração de ter uma política de tolerância zero, ponto final. A mensagem é a de que ninguém está isento da lei de imigração”, declarou ao Times.

Quem ecoou essas declarações foi o antigo conselheiro e fundador do Breitbart Stephen Bannon: “É tolerância zero. Acho que [o Presidente] não tem de se justificar”, afirmou em entrevista à ABC. Recorde-se que tanto Miller como Bannon têm sido frequentemente associados ao novo movimento da extrema-direita norte-americana, a Alt-Right, que tem apoiado incondicionalmente Donald Trump.

Se alguns dos que estão ao lado desta política se dizem horrorizados mas admitem não haver alternativa, outros recusam-se a aceitar o que está a acontecer na fronteira: “Estes atores infantis a chorar e a berrar nas televisões a toda a hora… Não caia nisso, senhor Presidente”, disse a comentadora conservadora Ann Coulter. O argumento de que as crianças a chorar nos centros de detenção seriam atores corresponde a uma acusação recorrente feita por outros membros da Alt-Right e diferentes defensores de teorias da conspiração, como os que afirmam que as vítimas de tiroteios como o Newtown ou mais recentemente de Parkland são atores.

“Esta é definitivamente uma vitória para os defensores da linha dura contra a imigração dentro da Administração”, resume ao Observador Greg Wright, professor de Economia especialista em imigração da Universidade da Califórnia em Merced, que destaca Miller como o provável ideólogo por detrás desta estratégia.

Seth Masket concorda. “Se há assunto onde o Presidente tem sido consistente a toda a hora é este. Ele faz ziguezagues na saúde, nos impostos, na política internacional, mas o tema onde é mais consistente é a sua atitude perante a imigração, que penso ser o assunto mais ideológico da sua Administração.” Ou seja, para Trump e os seus conselheiros, o combate à imigração é uma prioridade e será necessário adotar quaisquer medidas que consigam reduzir os números das chegadas.

Quais são os argumentos dos que criticam esta política?

Vários congressistas norte-americanos, tanto republicanos como democratas, têm criticado esta política, acusando-a de ser cruel. A própria primeira-dama, Melania Trump, pediu um Governo “com coração” — apesar de ter sublinhado que “ambos os lados” poderiam resolvê-la, alinhando pela estratégia política do marido de culpar os democratas.

A senadora republicana do Maine Susan Collins fala numa política “contrária aos valores norte-americanos”, o antigo candidato presidencial Jeb Bush critica uma política “sem coração” e até o ex-diretor de comunicação de Trump Anthony Scaramucci diz que esta estratégia é “desumana e não resulta a longo prazo”.

Alguns congressistas, como o republicano Will Hurd, rejeitaram a ideia de que o ónus está exclusivamente no Partido Democrata: “Eles [Casa Branca] não precisam da legislação para mudar isto. Não precisam dos democratas para mudar isto. Esta é uma política do Departamento da Justiça que está a ser levada a cabo pelo Departamento da Saúde e dos Serviços Humanos”.

Também a antiga primeira-dama Laura Bush escreveu um artigo de opinião onde utilizou as palavras “cruel” e “sem coração” para definir o que está a acontecer na fronteira. O ator George Takei, conhecido pelo seu papel como Hikaru Sulu na série Star Trek, juntou-se às críticas escrevendo um artigo na Foreign Policy onde compara a sua experiência num campo de concentração norte-americano para japoneses: “Pelo menos no campo, quando eu tinha só cinco anos, não fui retirado aos meus pais”, afirma.

As Nações Unidas também criticaram duramente Washington: “Os EUA devem parar imediatamente esta prática de separar famílias e de criminalizar aquilo que não devia ser mais do que uma ofensa administrativa, a de entrada irregular”, declarou Ravina Shamdasani, porta-voz do Alto Comissariado para os Direitos Humanos. “As crianças nunca devem ser detidas por razões ligadas à situação de migração dos pais. A detenção nunca é no melhor interesse da criança e constitui sempre uma violação dos direitos da criança.” Recorde-se que os Estados Unidos fazem parte do grupo de três países-membros da ONU que ainda não ratificaram a Convenção dos Direitos da Criança, num processo que se arrasta desde 1995.

Que implicações políticas tem esta situação?

Vários democratas — incluindo o antigo Presidente Bill Clinton — têm acusado Trump de utilizar estes menores como “ferramenta de negociação”, referindo-se ao processo da reforma da imigração que decorre no Congresso. A teoria seria a de que a Casa Branca estaria a separar famílias como forma de pressionar os democratas a cederem na negociação no Congresso em matérias como o financiamento do muro na fronteira ou o fim das lotarias de imigração.

“É o que parece, tendo em conta os tweets do próprio Presidente”, admite o professor Masket. “Parece uma tentativa de ganhar mais margem de manobra na negociação. Mas a minha impressão é que os democratas já tinham cedido nalguns destes pontos, portanto isto não era necessário.”

Atualmente, há pelo menos duas propostas de lei para uma reforma da imigração a serem discutidas esta semana no Congresso norte-americano. Uma, mais radical, não faz qualquer concessão aos imigrantes e aos seus filhos. Outra, mais moderada, prevê cidadania para os Dreamers (filhos de imigrantes que vieram para os EUA ainda em criança), mas em troca aumenta os fundos para o reforço da segurança na fronteira, entre outras medidas.

O Presidente Donald Trump na reunião com os congressistas republicanos (MANDEL NGAN/AFP/Getty Images)

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“Tendo em conta que a maioria dos americanos apoia uma solução para os Dreamers, esta solução de compromisso faz com que possam tornar-se cidadãos. Este é o preço que os republicanos terão de pagar para lidar com a opinião pública. Mas, por outro lado, a proposta também acaba com a lotaria de vistos e não há grande argumento económico para isso, a não ser que se queira reduzir todos os tipos de imigração”, analisa Wright. “Políticas de imigração como as lotarias têm sido muito bem sucedidas, por isso acabar com este tipo de programa só pode ser por motivações ideológicas.”

Ou seja, mesmo na proposta mais moderada, há elementos que em teoria agradam à Casa Branca. Mas, mesmo assim, Trump tem-se recusado a deixar claro qual das propostas de lei prefere. Esta quarta-feira, o Presidente reuniu-se com os representantes republicanos e declarou que aprovará qualquer projeto de lei que conte com o apoio do partido — continuando a não esclarecer qual dos projetos prefere e evitando pôr um ponto final na dispersão de votos dos republicanos.

Na tarde desta quarta-feira, Dia Mundial do Refugiado, os jornais norte-americanos anunciaram que o Presidente tentará arrumar de vez o assunto ao assinar uma ordem executiva que permita manter as famílias juntas nos centros de detenção. É a resposta à pressão pública: uma sondagem da CBS, por exemplo, dá conta de que 67% dos americanos consideram “inaceitável” separar os filhos dos pais que tentaram atravessar a fronteira ilegalmente.  “A pressão política para tirar isto das notícias é demasiado grande”, resume Masket, que assegura que nas presidências anteriores a pressão da opinião pública teria produzido efeitos muito mais cedo. “Mas Trump não funciona assim.”

Contudo, mesmo assinando uma ordem executiva, anuncia-se um desafio legal e o problema está longe de estar resolvido.

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