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O mês de julho está a caminho de ser o julho mais quente desde que há registo a nível global

Universal Images Group via Getty

O mês de julho está a caminho de ser o julho mais quente desde que há registo a nível global

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Da era do aquecimento global para a era da ebulição. O que é que vai mesmo mudar daqui para a frente? "É o mundo a ferver"

“A era do aquecimento global acabou. Começou a era da ebulição global”. O que é que António Guterres quis dizer com esta afirmação? O planeta Terra vai ferver e essa será a nossa próxima realidade.

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“Ebulição”, do latim ebullitio, é o ato de ferver. Para o mundo, é apenas o início de uma nova era. O início de uma época com temperaturas médias globais mais quentes do que aquelas a que estamos habituados. O início de uma terra que vai começar a borbulhar. E o início da sua destruição, às mãos do Homem, para que o próprio possa continuar a viver nela.

O termo ficou nas bocas do mundo depois de ter sido confirmado que julho está a caminho de ser o mês mais quente a nível global desde que há registos. António Guterres, o secretário-geral das Nações Unidas, constatou esta quinta-feira que “a era do aquecimento global acabou” e que “começou a era da ebulição global”.

Podemos dizer que não é algo inesperado. Se virmos os dados mais recentes, também o mês de junho foi o mais quente de sempre, com os termómetros a atingirem globalmente os 16,51 graus Celsius. No entanto, e como o climatologista Mário Marques explica em conversa com o Observador, já desde os anos 80 que se fala do aquecimento global e nos últimos 25 anos têm-se registado um aumento das temperaturas, sucessivamente, ano após ano, até a situação ter sido “normalizada”.

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No entanto, as afirmações do secretário-geral da ONU deixaram marcas num tempo em que a Terra parece procurar um equilíbrio para compensar aquilo que lhe tem sido tirado ao longo das décadas. Para além de ter sido o mais quente desde que há registo, o mês de julho foi marcado por grandes incêndios em países como a Grécia, Itália, Argélia e até Portugal, pela vaga de calor monstruosa que atingiu a Europa central e colocou os termómetros de vários países acima dos 40 graus Celsius, e pelos recordes de temperatura na China, que a meio do mês atingiu os 52,2 graus em algumas zonas, e nos EUA.

“As alterações climáticas estão aqui. São aterradoras. E isto é apenas o início”, afirmou o secretário-geral da ONU durante o seu discurso de quinta-feira, acrescentando: “Para grandes partes da América do Norte, da Ásia, de África e da Europa, este verão é cruel. Para o planeta inteiro, é um desastre”. “Para os cientistas, não há qualquer dúvida: os humanos são os responsáveis“, insistiu.

O que é a era da ebulição?

“É o mundo a ferver”, respondeu Mário Marques. Para o climatologista, passar da era do aquecimento global para a era da ebulição significa que “estamos a passar para uma nova fasquia”, um nível seguinte de maior aquecimento: “Em vez de aquecimento global, é um sobreaquecimento”, afirmou.

Apesar de considerar um termo um pouco exagerado, Mário Marques explica que este sobreaquecimento, que irá afetar a temperatura média global, deveria ser atingido daqui a uma centena de anos, no entanto, a ação antrópica do homem está a acelerar todo o processo.

"A maior preocupação é o aquecimento durante os meses de inverno."
Mário Marques, climatologista

Mês de junho foi o mais quente desde que há registo

“Isso quer dizer que estamos a aquecer cada vez mais, isso é uma inevitabilidade, mas sobretudo com a ação antrópica do homem obviamente que vamos acelerar muito esse processo que demoraria se calhar centenas de anos. No mínimo, vai levar décadas, isso está-se a verificar, e acho que já chegamos ao ponto de não retorno”, explicou.

Para além dos gases de efeito estufa, que também António Guterres mencionou no seu discurso, um dos culpados por este aquecimento é a desflorestação: “Nós estamos a destruir tudo o que é ecossistemas, estamos a desflorestar a um ritmo alucinante. É o tamanho da Suíça todos os anos, nos últimos 30, 40 anos, é só fazer as contas. Uma vasta área que servia de termostato e de absorção de gases e efeitos de estufa desapareceu”, constatou o climatologista.

Getty Images

“Portanto, se as florestas tropicais, equatoriais, começarem a desaparecer, essas regiões em redor e, sobretudo, os chamados rios atmosféricos, os rios do céu, sobre os continentes, desaparecem. Essas regiões ficam com desertos. E isso faz com que também aquecemos cada vez mais, portanto, é tudo um ciclo vicioso“, acrescentou.

No entanto, não é apenas a mão do Homem a culpada. Também o ciclo solar está relacionado com esta ebulição, uma vez que é a principal teleconexão que influencia o comportamento da atmosfera. Como o climatologista explica, o sol está com uma intensidade muito grande, podendo atingir o seu pico em 2024, e como consequência a terra também aquece.

Guterres: “acabou a era do aquecimento global e começou a da ebulição global”

Vamos deixar de ter estações do ano?

Uma vez que a nível global os termómetros vão aquecer, há uma tendência para que as características de cada estação se tornem menos evidentes. Mário Marques dá o exemplo de 2017, um ano muito seco e com temperaturas antagónicas — passavam dos 40 para os 30 graus Celsius de um dia para o outro — no qual se registou um verão que durou até outubro.

“E é isso que se está a verificar. O número de dias e a altura onde surgem determinadas temperaturas mais altas está cada vez a surgir mais cedo no calendário e a prolongar-se mais. Portanto, já está a influenciar tanto o outono como a primavera e, consecutivamente, o inverno”, explicou.

No entanto, para o climatologista, a maior preocupação é o aquecimento durante os meses de inverno, uma vez que se traduz em muito menos dias com precipitação em forma de neve.

“Os invernos estão a ser cada vez mais quentes no hemisfério norte. Aliás, até mesmo no hemisfério sul, a Antártida tem menos 10% de concentração de gelo na sua superfície global e isso nunca foi antes visto”, constatou.

"Eu acho que há volta a dar, mas nós estamos a destruir a Terra para vivermos nela."
Mário Marques, climatologista

“É essa situação que temos também que enfatizar, porque são as neves, ano após ano, que alimentam por sua vez os glaciares, ou as neves permanentes, que praticamente já deixaram de existir em muitos pontos da Europa e que alimentam toda a rede hidrográfica. Não é o chover hoje nem o chover durante uma semana que vai alimentar os rios, não. Isso através da drenagem natural e do escoamento superficial e subterrâneo irá alimentar, mas a maior parte da espécie superficial não é isso que alimenta, o que alimenta é o derreter contínuo, durante as sessões do ano até ao verão, dos rios, da neve, para alimentar os rios. E isso também está a ser altamente influenciado”, explicou.

Icebergs affected by climate change in Greenland

DeFodi Images via Getty Images

Há volta a dar?

“Teríamos que parar todas as nossas atividades durante meses, senão anos”, respondeu Mário Marques, explicando que para retardar o processo de ebulição global seria preciso vivermos como “se vivia no século XIX”.

Deste modo, há forma de minimizar os seus efeitos a muito longo prazo se o Homem começar a agir já. No entanto, na opinião do climatologista, as pessoas não têm disposição para abdicar dos seus hábitos e ter uma ação pessoal para poderem agir coletivamente.

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Getty Images

O problema é que nós estamos a devastar tudo o que há no planeta Terra em termos de superfície. São as florestas que estão a desaparecer completamente, são todos os ecossistemas, são os corpos de água que existiam e que estão completamente secos ou estão a desaparecer por falta de precipitação em termos globais, são as neves que estão a desaparecer, são os glaciares. Além disso, nós estamos cada vez a respirar pior ar de qualidade, porque se as florestas desaparecem, o oxigénio também desaparece, não é? Há estudos que indicam que estamos com menos de 5 a 10% de oxigénio em relação ao que estávamos há 200 anos”, explicou.

“Eu acho que há volta a dar, mas nós estamos a destruir a Terra para vivermos nela. Porque passado de 500, 1000, 10 mil anos, um milhão de anos, há outros seres, há outra superfície coberta, portanto a Terra adapta-se”, concluiu.

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