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JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

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De Costa à Palestina. Os quatro embaraços do encontro em que Sánchez e Montenegro mediram distâncias ao "milímetro"

Na primeira visita de Montenegro ao estrangeiro, houve juras de amizade, mas maldades mútuas. Sánchez elogiou Costa sem pensar no anfitrião, Montenegro contrariou plano de Espanha para a Palestina.

Luís Montenegro chegou a Madrid, via Porto, a bordo da Iberia, companhia que pertence ao grupo que quer comprar a TAP. Sem tempo para grandes paragens, o primeiro-ministro português deslocou-se ao Palácio da Moncloa para se encontrar com o melhor amigo político (Pedro Sánchez) de um dos seus maiores adversários políticos (António Costa). A conversa era para durar 20 minutos, mas os chefes de Governo ficaram à conversa, a sós, mais de uma hora. O que não significou, necessariamente, mais concordância. Mesmo que Sánchez tenha agradecido a cortesia da estreia (“obrigado, Luís”) e que Montenegro tenha dito que é um “gosto reativar a chama” entre os “países irmãos”, foram vários os embaraços. Da Palestina a Costa.

Montenegro garantia, no início da conferência de imprensa, que não há “diferenças partidárias” que mexam “um milímetro” nas relações entre Portugal e Espanha. Em termos diplomáticos pode ser verdade, mas politicamente estão a léguas de distância. Assim que o assunto se afasta de matérias de vizinhança (energia ou a água), económicas ou lúdicas (como o Mundial de futebol organizado em conjunto ou Espanha ser o principal parceiro comercial de Portugal) a dessintonia torna-se mais evidente.

Quis o calendário que em Madrid Montenegro tivesse de responder ao maior embaraço das primeiras duas semanas de Governo, a descida de IRS — aí sem nenhuma relação com Espanha —, mas em tudo o que eram assuntos quentes (o reconhecimento da Palestina, os extremismos ou a candidatura de Costa ao Conselho Europeu) tornou-se evidente o desconforto entre o socialista (que é social-democrata) Sanchéz e o social-democrata (que é de centro-direita) Montenegro.

Montenegro sobre IRS: “O Governo não governa a reboque do que diz a praça pública”

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Luís Montenegro e Pedro Sánchez são, na fotografia, amigos. O Estado português e o Estado espanhol mantêm relações sólidas independentemente de quem chefia o governo. Mas a desconfiança é mútua. De tal forma que Sánchez demorou quase um mês, desde a eleição, para felicitar Montenegro, que é mais próximo de outro irmão: Alberto Feijóo, do PP espanhol, que lhe deu os parabéns horas depois. A ligação é tão mais fraterna com com Feijóo que, após sair da Moncloa, sem qualquer ordem protocolar, Montenegro foi ter com o líder da oposição já depois de ter passado uma parte da tarde com chefe de Governo. Num dia quente em Madrid, quase sem um brisa, não houve bom vento e o casamento deixou a muito a desejar, com uma sucessão de embaraços nas entrelinhas.

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O embaraço Costa

Pedro Sánchez vê António Costa senão como um pai político, como um irmão mais velho. Não esconde, por isso, que está perante um interlocutor com quem não se dá tão bem como com o antecessor. O que até seria  normal, já que acabaram de se conhecer, mas é mais do que isso. Os jornalistas portugueses deram o mote ao perguntar pelo futuro europeu de Costa e, mesmo que o semblante não o tenha denunciado, lá veio novamente o desconforto.

Questionado sobre uma candidatura de António Costa à presidência do Conselho Europeu, Pedro Sánchez até começou tímido e disse: “Não falámos especificamente desse assunto”. Mas, a partir daí, assumiu o papel de presidente do grupo de fãs do ex-primeiro-ministro socialista. “Sou um declarado aficionado da política de António Costa. É ainda uma fase muito prematura para essa negociação [no Conselho Europeu], mas no que diz respeito à família social-democrata, António Costa reúne todas as condições para o cargo”, disse Sánchez, enquanto Montenegro sorria. E, antes de passar a palavra ao homólogo, ainda carregava nas tintas sem cortesia de anfitrião: “António Costa é um grande político e um grande amigo”.

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O elogio a Costa foi de tal forma flagrante que o primeiro-ministro português, que falou logo a seguir, fez questão de responder à letra: “Como sabem não sou tão aficionado das políticas do dr. António Costa como o presidente Pedro Sánchez”. Mas acrescentaria diplomaticamente — já entres sorrisos e posturas corporais defensivas (de ambos) — que “não é isso que nos impede de termos propósitos comuns e de termos objetivos também comuns que vamos tentar alcançar conjuntamente.” As redundâncias denunciavam o desconforto do português.

O embaraço Palestina

O presidente do Governo espanhol avisou que, no encontro com Portugal, ia levar à mesa o tema Palestina. Pedro Sánchez tem assumido a dianteira e formou uma frente de países europeus que, à margem da UE, se preparam para reconhecer, em conjunto Irlanda, Eslovénia e Malta, o Estado palestiniano. Aos quais ainda junta outros países europeus, como a Noruega. Mas se não convenceu o Portugal liderado por Costa, muito menos, o Portugal de Montenegro.

Não é que uma reunião na Moncloa fosse mudar numa hora o rumo de anos da diplomacia portuguesa, mas até a imprensa espanhola alimentava a expectativa sobre Pedro Sánchez conseguiria convencer Portugal. O primeiro sinal de que não conseguiu foi quando lhe fizeram essa pergunta e respondeu seco: “Sobre política externa portuguesa fala o primeiro-ministro português.” A posição é, de facto, divergente.

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Apesar de Montenegro dizer que a solução portuguesa “não é assim tão distante” da espanhola, o primeiro-ministro alinha do lado dos líderes europeus que considera que o processo de reconhecimento da Palestina não deve ser feito como o chefe do Governo espanhol pretende. Para o primeiro-ministro português o passo seguinte é “defender o cessar-fogo imediato” em Gaza e que “a Palestina seja membro de pleno direito na Assembleia-geral das Nações Unidas.” Este caminho, a que chama das “organizações”, é para o português o certo para chegar à solução dos “dois Estados defendida por Portugal”.

Já Pedro Sánchez ia considerando insuficiente, para não dizer pífio, o ato de tornar a Palestina como membro de pleno direito da ONU. O socialista diz que “é óbvio que Espanha” também apoia essa decisão, mas depois do ataque do Irão (que Portugal e Espanha condenam por igual) torna-se ainda mais urgente, no entender do espanhol, o reconhecimento do Estado da Palestina.

Montenegro deixava, no entanto, claro que não alinha no esforço internacional de Pedro Sánchez: “Não vamos tão longe como outros governos ainda, no que diz respeito ao reconhecimento do Estado da Palestina, porque consideramos que deve ser um reconhecimento no âmbito da União Europeia”. Apesar de dizer que “respeita” as diligências de governos como o espanhol, reitera que “a consagração dos dois Estados deve ser construída num âmbito multilateral”.

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O embaraço dos extremismos de esquerda

Os jornalistas espanhóis quiseram saber o que Montenegro pensa do crescimento da extrema-direita, inclusive em Espanha. O primeiro-ministro começou por dizer que não vai comentar a “política interna de um outro Estado, muito menos de um Estado da União Europeia”. Mas depois apresentou uma espécie de antídoto para combater a extrema-direita: “Governar bem. Se os governos governarem bem e resolverem os problemas das pessoas, nós podemos estancar o crescimento destes fenómenos. “.

Montenegro acredita que se os políticos moderados se focarem em ter “uma política que resolva os problemas das pessoas na sua dimensão social, ética, económica” e forem “bem sucedidos nesta tarefa, o problema resolve-se dessa forma.” Caso contrário, é dramático: “Se não formos, daremos a propriedade para que o sentimento descrédito, de frustração, de indignação, possa ser conduzido para o voto nos fenómeno políticos mais extremistas”.

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E, se até aí Sánchez podia concordar, Montenegro rematou com aquilo que pode ser visto como uma provocação ao espanhol — que fez acordos, por exemplo, com o Podemos, que o PSD considera de extrema-esquerda: “Sejam eles de esquerda, sejam de direita”. O português não deixou nada por dizer na Moncloa.

O embaraço-zero que não o foi: o Rangel das Cibeles

Há ainda um embaraço que não o chegou a ser. O embaraço-zero das novas relações entre Portugal e Espanha foram as declarações de Paulo Rangel, agora MNE, em novembro de 2023. Na altura o agora chefe da diplomacia portuguesa fez um discurso na Praça das Cibeles a acusar o Governo de Sánchez de estar a atentar contra o Estado de Direito. “O acordo do governo Sánchez viola o Estado de Direito e ataca a independência judicial. É perigoso para a unidade de Espanha”, disse na altura Rangel. Num discurso perante centenas de milhares de manifestantes que erguiam bandeiras de Espanha, Rangel chegou a pedir: “España no te mates“.

Já no debate de preparação do Conselho Europeu, na Assembleia da República, Luís Montenegro tinha sido forçado a separar a posição do Rangel de novembro, da posição do Governo que tomou posse quatro meses depois. “Devo aqui dizer, de uma forma muito clara, que na relação do Estado português com o Estado espanhol, e dos dois governos, não faremos nenhuma ingerência na forma como cada um gere a sua circunstância política”, garantiu Montenegro.

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Na mesma ocasião, com alguma solidariedade, legitimava as palavras do número dois do Governo, sugerindo até que concordava com Rangel: “Significa isto que não temos opinião? Temos. Significa que não há membros do Governo que expressaram essa opinião de uma forma veemente? Não, não significa. Cada um de nós tem o direito à opinião, não vai deixar de ter esse direito e de o exercer.”

Paulo Rangel não integrou a comitiva que foi a Espanha, mas sendo este um encontro entre as chefias de Governo não havia nada do ponto de vista protocolar ou da tradição diplomática que recomendasse a presença do atual ministro dos Negócios Estrangeiros.

As relações entre Portugal e Espanha estão de saúde e recomendam-se. As entre os dois governos são cordiais, mas nem por isso politicamente íntimas como eram entre Costa e Sánchez.

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