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Ao longo de quase sete anos na presidência de França, Emmanuel Macron só fez conferências de imprensa como a desta terça-feira outras duas vezes: aquando da crise dos Coletes Amarelos e no lançamento da presidência francesa da União Europeia, semanas antes da invasão da Ucrânia.
O detalhe ajuda a ilustrar a gravidade do momento. Sem maioria absoluta no Parlamento, o final do ano passado ficou marcada pela aprovação do governo francês de uma polémica lei da imigração que teve o apoio da extrema-direita de Marine Le Pen. A situação instável levou Macron a anunciar o afastamento da sua primeira-ministra, Élisabeth Borne, e a escolher agora para o seu lugar Gabriel Attal, até então ministro da Educação, de apenas 34 anos.
Uma decisão que Macron defendeu com unhas e dentes na conferência de imprensa desta terça-feira, apresentando “o governo mais jovem da V República”. Que é, disse o Presidente, necessário neste momento. Porquê? “Porque é preciso audácia, ação e eficiência”, afirmou. “Porque a França continua a ser França, uma nação de bom senso, resistência e Iluminismo.”
Depois da crise da lei da imigração — que ainda pode vir a ter artigos chumbados pelo órgão equivalente ao Tribunal Constitucional em França —, havia quem pensasse que Macron poderia recuar ou reconhecer erros. Mas não: em vez disso, pôs o pé no acelerador e promoveu uma remodelação de governo, agora mais à direita e liderado por uma figura carismática.
Lei da imigração provoca crise interna no macronismo. Mas Presidente limita-se a sorrir e acenar
A conferência desta terça foi, por isso, descrita por um conselheiro do Eliseu como “um ponto e vírgula”. “Estamos a fechar uma sequência de seis anos e meio onde iniciámos a recuperação económica e dos serviços públicos”, disse a fonte ao Libération. “Hoje estamos numa nova fase de conquista para estar dez anos à frente.”
Gabriel Attal, a juventude como programa
A escolha do ministro da Educação Gabriel Attal para ocupar o Palácio do Matignon assenta em dois principais pontos: a sua popularidade (na última sondagem da Ipsos-LePoint era considerada a figura política favorita do país) e a sua juventude. Isso mesmo assumiu o próprio aquando da passagem de testemunho de Borne, destacando que “o mais jovem Presidente na História da República nomeou o mais jovem primeiro-ministro da História”.
Attal é popular nas fileiras do Renascença, o partido do atual Presidente. “É o mais macronista de todos nós”, terá comentando o ministro do Interior Gérald Darmanin. “É uma das melhores cartas do Presidente”, acrescentou o antigo primeiro-ministro Jean-Pierre Raffarin.
A isso junta-se o facto de ser bem-parecido e o primeiro líder gay do país. É “um grande golpe mediático”, admitiu ao Politico um veterano dos Republicanos (centro-direita). E a mesma fonte destacou que a escolha terá sido feita também a pensar nas próximas eleições europeias, onde a União Nacional de Marine Le Pen terá como figura principal outro jovem, Jordan Bardella.
“Gabriel Attal e Jordan Bardella são da mesma geração, é óbvio”, reconheceu um conselheiro de Macron ao mesmo site. “Attal tem sagacidade política, sabe como lançar um ataque com substância, portanto é alguém capaz de enfrentar a União Nacional.” Há muito que Bardella se assumiu como provável sucessor político de Le Pen; agora é a vez de Macron lançar para a arena o seu próprio delfim.
A juventude de Attal é, sem dúvida, uma arma. Mas nos círculos políticos franceses há quem avise que isso pode não ser suficiente. “Attal é o iPhone mais recente, todos querem tê-lo. Mas depois também o querem trocar”, notou um especialista em comunicação ao L’Obs. Mais duro ainda foi um ex-ministro em conversa com o Le Figaro: “Onde é que ele está ideologicamente? Diz que é favorável à classe média… Isso é bom, mas não faz um programa.”
A viragem à direita e em direção ao Sarkozismo (até no estilo)
As dúvidas sobre a posição ideológica de Attal acentuam-se ainda mais se olharmos para a composição do seu novo governo. Antigo membro da Juventude Socialista, o ex-ministro da Educação é visto como uma das figuras da ala esquerda do macronismo; e, porém, o executivo que lidera agora é ainda mais à direita do que o de Borne.
Alguns dos ministros mais à esquerda, como Clément Beaune e Rima Abdul Malak, saíram nesta remodelação. E entraram nada mais nada menos do que duas mulheres do centro-direita, que abandonaram os Republicanos: Catherine Vautrin (com as pastas do Trabalho e Saúde) e Rachida Dati (Cultura).
A escolha de Dati é particularmente surpreendente por ser uma antiga ministra de Nicolas Sarkozy que não tinha, até agora, deixado o antigo partido. E a sombra de Sarkozy paira sobre o atual governo, com muitos analistas políticos a falar em semelhanças entre o antigo Presidente e o novo primeiro-ministro: “A mesma estratégia de ocupar o espaço mediático aumentando o número de viagens ao terreno (uma todos os dias desde que foi nomeado), o mesmo desejo de contactar com os franceses, a pequena equipa de conselheiros unida e dedicada ao seu líder”, notou, por exemplo, o cientista político Jérôme Fourquet.
Dati, porém, parece ter sido escolhida pelo próprio Presidente, segundo os media franceses — que bate certo com as declarações do líder dos Republicanos, Éric Ciotti, que diz ter tido a garantia de Attal de que não iriam ser pescados ministros das suas fileiras. A continuação de uma estratégia que o macronismo tem adotado, tentando absorver o centro-direita para se assumir como única alternativa a Le Pen.
Esta terça-feira, na conferência de imprensa extraordinária, Macron enumerou várias prioridades do novo governo, muitas delas próximas ideologicamente do centro-direita: redução de impostos, reforço da segurança e combate ao tráfico de droga, promoção de funcionários públicos com base “no mérito”.
Tudo sinais de que o novo primeiro-ministro pode ter dado nas vistas, mas não tem assim tanto controlo sobre o seu próprio governo. “Isto foi discutido com Attal, mas este é um governo de Macron”, assumiu uma fonte do Eliseu ao Le Figaro.
“Tudo isto em breve será teu…” Mas, por enquanto, Macron ainda manda
Os desafios, contudo, serão do novo primeiro-ministro, que ocupa um lugar do qual o Presidente põe e dispõe. E não tem pela frente a situação mais fácil, sem uma maioria clara na Assembleia Nacional. Talvez por isso, Attal tenha decidido que o seu primeiro discurso no hemiciclo, a 30 de janeiro, não será seguido da tradicional moção de confiança por parte da câmara (algo que não é obrigatório de acordo com a lei francesa).
É que, mesmo com a aproximação ao centro-direita, os Republicanos já deixaram claros que não farão parte da maioria que sustenta o atual governo. “Fomos eleitos para a oposição, por isso obviamente não vamos votar a favor dele”, avisou o deputado do partido Olivier Marleix em entrevista. “Aparte a saída da senhora Borne, o que mudou de facto? Nada. A juventude de Gabriel Attal serve de máscara à obsolescência do macronismo.”
Até dentro da maioria que apoia Macron, o descontentamento de alguns sobre de tom. Os líderes dos dois partidos da coligação (MoDem e Horizontes), os veteranos François Bayrou e Édouard Philippe, não terão gostado da escolha de Attal, por sentirem que Macron está já a escolher um sucessor para as próximas presidenciais, arredando-os da corrida. Na imprensa, há quem concorde, com o diretor-adjunto do L’Obs a dizer “‘Tudo isto em breve será teu…’, parece estar [Macron] a declarar, enquanto leva o jovem pelo ombro.”
Mas enquanto as eleições de 2027 não chegam, Emmanuel Macron quer manter o controlo. Não por acaso, apressou-se a marcar a conferência de imprensa para esta terça-feira, esvaziando a declaração que Gabriel Attal fará aos deputados franceses no próximo dia 30 de janeiro. A deputada da França Insubmissa — partido arredado da governação que se tem demonstrado insatisfeito com a escolha de Attal — Mathilde Panot, por exemplo, apressou-se a comentar o assunto dizendo que “Talvez o Matignon já não exista”. “Para a próxima, o Presidente pode nomear-se a si mesmo primeiro-ministro”, rematou.