Os primeiros veículos auto-propulsionados emergiram no 3.º quartel do século XVIII, nomeadamente com o “fardier à vapeur” de Nicolas-Joseph Cugnot, em 1769, que, como o nome sugere, não foi pensado para ir à praia com a família mas como veículo de trabalho, destinado a carregar fardos pesados.
O primeiro automóvel viável e prático a ser disponibilizado no mercado só fez a sua aparição em 1885, na Alemanha, com o Benz Patent-Motorwagen, de Karl Benz, que recorria, não ao vapor, mas ao motor de combustão interna. Benz e a dupla Gottlieb Daimler e Wilhelm Maybach, que construiu o seu primeiro carro quase simultaneamente, ficaram certamente orgulhosos com as suas criações, mas dificilmente terão previsto o impacto que estas iriam ter sobre a sociedade, levando a que as cidades e os estilos de vida se reorganizassem em função do carro.
De mera curiosidade tecnológica, o automóvel particular passou a ser visto como um meio de transporte mais rápido e prático do que a carruagem puxada por cavalos, e, poucos anos após a sua aparição, converteu-se no objecto central das aspirações dos consumidores (ao mesmo nível ou logo abaixo da habitação própria), o que é evidente na linguagem e imaginário associados à publicidade a automóveis: esta diz cada vez menos sobre as características objectivas do veículo e à forma como estas permitem alcançar transportar o seu proprietário de A para B como máximo de eficácia e economia, e, em vez disso, associa a posse de carro ao sonho, à liberdade, à realização pessoal, à afirmação da identidade e à exibição de estatuto social.
A “venda” do carro como encarnação de valores abstractos tornou-se mais evidente no século XXI, mas há muito que é central no marketing automóvel, como atesta um anúncio de 1927 à LaSalle, marca criada nesse ano pela General Motors para cobrir o segmento de luxo imediatamente abaixo da Cadillac: “O favorito nos círculos elegantes de todo o mundo: Onde quer que vá, descobrirá que o LaSalle é claramente o favorito nos círculos mais elegantes e exigentes […] O poderoso apelo do LaSalle está no grau superlativo em que combina um estilo único e uma beleza requintada, com um desempenho tão suave e brilhante, que se converte numa fonte ininterrupta de satisfação e deleite”.
O automóvel com motor de combustão interna pode ter sido inventado na Europa, mas os EUA adoptaram-no sem delongas e com um fervor inigualável. Foi nos EUA que passou do estatuto de brinquedo para aficionados de engenhocas mecânicas ou de objecto de luxo a produto de massas. A sua implantação nos EUA foi favorecida pelo precoce investimento do Governo Federal numa rede de estradas – nomeadamente através do Federal Aid Highway Act de 1921 – e pela geografia americana, que permitia viajar centenas e até milhares de quilómetros sem o empecilho das fronteiras nacionais.
O fervilhar de fabricantes de automóveis que animava os EUA nos primeiros anos do século XX deu lugar, na década de 1920, a um cenário dominado pela Ford, General Motors e Chrysler, mega-empresas sediadas em Detroit (a “Motor City”) e conhecidas como “the Big Three”. Nos EUA, como na Europa, as duas guerras mundiais fizeram a actividade da indústria automóvel reorientar-se para a produção de material bélico, mas, enquanto em 1945 boa parte das fábricas europeias tinham sido reduzidas a escombros e todo o tecido industrial ficara gravemente debilitado, os construtores automóveis americanos, que tinham escapado incólumes ao conflito, estavam prontos para retomar a actividade: foi assim que em 1950 os EUA atingiram uma quota de ¾ da produção mundial de automóveis. Nos EUA, a vulgarização da posse do automóvel particular, conjugada com a existência de uma boa rede de estradas e a ampla disponibilidade de terreno, moldou decisivamente o urbanismo, permitindo o alastramento de subúrbios residenciais de baixa densidade, constituídos por vivendas de um a dois pisos, rodeadas de relvado e dotadas de garagem, que o carro ligava à cidade para fins de trabalho e lazer.
O automóvel americano, que nos anos 50 surgia extravagantemente ornamentado com cromados e possuía um apetite imoderado por gasolina, manteve as dimensões generosas ao longo dos anos 60, mas foi perdendo quota de mercado, com a entrada nos EUA de modelos europeus e japoneses compactos e económicos, que ganhariam ainda mais predominância a partir da crise petrolífera de 1973. A indústria automóvel japonesa levou algumas décadas para ganhar ímpeto: entre 1925 e 1936 as subsidiárias japonesas dos fabricantes americanos produziram no Japão 209.000 veículos, enquanto as marcas nacionais se ficaram pelos 12.000. Para mais, a destruição quase total do tecido industrial japonês na II Guerra Mundial parecia impedir o país de regressar às posições cimeiras da economia mundial durante muitas décadas. Porém, a reputação de fiabilidade e economia dos carros japoneses fez com que, 20 anos após o término da guerra o Japão já fosse o n.º 2 do ranking de produção automóvel e em 2000 arrebatasse o 1.º lugar aos EUA.
Se este triunfo japonês foi o culminar de um lento e gradual movimento ascensional, em 2000 ninguém esperaria que a China, que nesse ano ocupava o lugar n.º 14 do ranking, de tornasse no n.º 1 volvidos apenas nove anos e que, passados outros nove anos, tivesse cavado um abismo para os seus rivais, com os 23.5 milhões de unidades fabricadas em 2018 a equiparar-se à produção somada dos lugares n.º 2 a 5 do ranking – Japão, Alemanha, Índia, Coreia do Sul e EUA. Também a Índia só recentemente ingressou no top 5 – era apenas 15.ª em 1998.
O que a análise da evolução da quota de cada país na produção global de automóveis nos últimos 70 anos mostra é um progressivo esbatimento da hegemonia dos EUA (75% de quota em 1950) e das quatro grandes potências industriais da Europa Ocidental (Alemanha, França, Grã-Bretanha e Itália) e a ascensão do Japão e, a partir da década de 1980, do Brasil, México, Índia, Coreia do Sul e China.
Muito mudou nos próprios automóveis desde o Benz Patent-Motorwagen: passou-se de uma engenhoca que tinha muito em comum, no aspecto e no (des)conforto, com as carruagens puxadas por cavalos para veículos que incorporam a mais avançada tecnologia e mordomias dignas de um nababo: computadores que gerem o funcionamento do motor, optimizando a combustão e poupando combustível; dispositivos que travam automaticamente em caso de colisão iminente, evitam que o carro abandone a faixa de rodagem, mantêm uma velocidade constante e uma distância fixa em relação ao carro da frente e alertam o condutor em caso de sonolência; sistemas de navegação avançados; câmaras que monitorizam os ângulos cegos, detectam e identificam sinais de trânsito e auxiliam o estacionamento; carros que se estacionam sozinhos ou até circulam sem necessidade de intervenção do condutor); “heads-up displays” que projectam informação relevante para o condutor no pára-brisas; bancos com aquecimento ou refrigeração (consoante a meteorologia e a sensibilidade térmica de cada um) e serviço de massagens; volantes aquecidos; comandos de voz que permitem baixar os vidros ou pôr música a tocar sem que o ocupante precise de mexer um dedo; sistemas blue tooth que permitem que a aparelhagem do carro receba conteúdos de um smartphone sem necessidade de conexão física; e uma infinidade de facilidades de “infotainment”, usualmente centralizadas num amplo touch screen.
Todavia, neste tempo em que quem busca automóvel novo coloca de parte os modelos que (ainda) não têm Apple CarPlay e Android Auto ou que não estão equipados com mais de uma entrada USB e um sistema de recarga sem fios para o smartphone, parte da nomenclatura automóvel continua maioritariamente enraizada na era em que o transporte assentava na força muscular – e em particular no cavalo.
O termo sedan, que no mundo automóvel designa um veículo de passageiros fechado com “três volumes” distintos – motor, habitáculo, mala – provém de “sedan chair”, que tem o primeiro uso registado por volta de 1630 e designava uma liteira fechada, com janelas, geralmente para um único ocupante e transportada por dois carregadores; provém possivelmente do latim “sedere” (“estar sentado”), que também deu origem a “sela”.
O termo sedan entrou no mundo automóvel em 1912, quando a Studebaker o empregou para definir versões dos seus modelos Four e Six, embora já antes tivessem surgido modelos com o habitáculo fechado – o primeiro terá sido o Renault Type B, de 1900.
Como sinónimo de sedan usa-se frequentemente o termo berlina, que provém das carruagens fechadas destinadas a viagens de longo curso, construídas a partir de 1660-70 para Frederico Guilherme I, o Eleitor de Brandenburg. O príncipe usava-as para as viagens frequentes que fazia entre a corte de Berlim e Paris, onde as carruagens causaram sensação e foram imitadas, recebendo a designação francesa “berline”.
Em português usa-se também a forma “berlinda”, que a maioria associará à expressão “andar/estar na berlinda”, que significa “ser o centro das atenções, ser alvo de comentários, ser a pessoa de quem se fala”. Há quem sugira que este protagonismo resultará de, nos primeiros tempos das berlinas a motor, quando ainda eram rara, os seus passageiros darem necessariamente nas vistas. Porém, a expressão “estar na berlinda” tem frequentemente conotação pejorativa, referindo-se a quem é alvo de zombaria generalizada – nesse caso parece mais provável que “estar na berlinda” provenha da expressão italiana “mettere alla berlina”, em que “berlina” significa “pelourinho”: os condenados eram amarrados ou acorrentados a esta “berlina” para serem açoitados e alvo do escárnio popular (e, eventualmente, de alguma fruta podre).
Coupé – ou “berline coupé” – começou por designar uma carruagem que, em vez dos usuais quatro lugares, dois voltados para a frente e dois para a retaguarda, tinha apenas dois voltados para a frente – como se tivesse sido “cortada” (do francês “couper”). No meio automóvel passou a designar um veículo de dois ou quatro lugares e duas portas, geralmente mais curto que o sedan e que, nos modelos a partir da década de 1970, tem um vidro traseiro com inclinação suave, que se funde com a mala.
Nas primeiras décadas do século XX usou-se o termo coupé de ville, também ele proveniente do universo das carruagens, para designar um automóvel em que os passageiros estavam abrigados num compartimento fechado e o lugar do condutor era aberto, como acontecia em muitas carruagens. Os coupé de ville eram carros de topo de gama, para gente suficientemente abastada para poder ter motorista e suficientemente snob para não querer partilhar o espaço com serviçais (sabe-e lá que doenças esta gentinha pode transmitir!). O termo coupé é interpretado, por vezes, como uma referência ao “corte” entre passageiros e motorista e “de ville” especifica que se trataria de uma carruagem para usar na cidade, em distâncias curtas. Alguns coupés de ville incluíam, num gesto benevolente, uma cobertura desdobrável para proteger o motorista em caso de intempérie. Nos EUA o coupé de ville foi designado por “town car”.
Nas primeiros tempos da limusina, esta não se distinguia do coupé de ville, mas, com o passar dos anos, a limusina deu abrigo ao motorista, embora mantendo a partição entre este e os passageiros. A designação limusina perdurou até aos nossos dias, enquanto o coupé de ville caiu em desuso. Em 1959, a Cadillac recuperou este termo anacrónico para designar um dos seus modelos mais aparatosos, ainda que o conceito associado ao nome se tivesse evaporado completamente (para bem do condutor) e a estética do carro, em vez de reviver os velhos coupé de ville, apontasse decididamente à ficção científica.
Como tantas vezes aconteceu na história do automóvel, fértil em nomenclaturas fantasiosas e inconsistentes, coupé de ville passou, neste modelo da Cadillac, a evocar apenas uma remota ideia de luxo e prestígio que, provavelmente, diria mais aos executivos da Cadillac do que aos seus clientes, que nunca tinham visto um verdadeiro coupé de ville na sua vida – tanto mais quando o Cadillac Coupe de Ville conheceu sete gerações e foi produzido até 1993, mais de meio século depois de ter sido fabricado o derradeiro veículo com uma carroceria coupé de ville.
O termo limusina provém do francês limousine e, segundo alguns etimologistas, começou por designar uma carruagem coberta típica da região francesa de Limousin; outros entendem que provém de, nas primeiras limusinas, em que o lugar do condutor era descoberto, os motoristas franceses se defenderem das intempéries envergando uma capa similar à dos pastores do Limousin; outros ainda defendem que quem primeiro colocou no mercado um automóvel com lugar descoberto para o motorista e um habitáculo fechado para passageiros foi o construtor de carrocerias Charles Jentaud, natural do Limousin.
Roadster era a designação dada nos EUA no século XIX a um cavalo adequado a empreender uma viagem; o termo difundiu-se para as bicicletas e passou depois a designar um automóvel aberto de dois lugares, independentemente da sua natureza ou escalão de preços. Com o tempo o termo passou a ser aplicado apenas a veículos com características desportivas – entretanto, as exigências de conforto determinaram que a exposição às intempéries fosse moderada por uma cobertura desdobrável.
Como sinónimo de roadster emprega-se o termo spider (“aranha”, em inglês, por vezes grafado spyder), que era usado para designar carruagens ligeiras de um ou dois lugares, de chassis pequeno e rodas grandes e finas, que tinham a aparência de um aranhiço.
O termo cabriolet (“descapotável” em português de Portugal e “conversível” em português do Brasil) é frequentemente usado como sinónimo de spider, designando genericamente automóveis com cobertura desdobrável (em inglês usa-se também “convertible”). Também esta designação provém do domínio dos veículos de tracção animal: aplicava-se a uma pequena carruagem de duas rodas e dois lugares puxada por um único cavalo e com capota removível e tem possivelmente origem no verbo francês “cabrioler” (cabriolar, saltar), uma vez que estes veículos eram, na origem, muito ligeiros e instáveis e não dispunham de suspensão. No século XIX ganharam suspensão, as cabriolas diminuíram e o conforto aumentou, mas o nome manteve-se. Nalguns casos, e sobretudo na Grã-Bretanha, o cabriolet ganhou também um condutor (originalmente tal função cabia a um dos passageiros), que seguia de pé na retaguarda. É deste cabriolet puxado por cavalo que provém a palavra “cab” que em inglês é sinónimo de táxi.
Nos primórdios do automóvel – muito antes de se sonhar com “heads-up displays” – a maioria dos modelos eram abertos e dispunham de uma cobertura de lona dobrável, pelo que, pela definição actual, seriam cabriolets. Porém, com o tempo, os automóveis foram fechando-se e só os modelos desportivos de gama alta retiveram a cobertura desdobrável – até porque os condutores abastados podiam dar-se ao luxo de possuir um carro fechado para o uso diário e um arejado cabriolet para uso recreativo nos dias soalheiros.
O termo station wagon designava as carruagens que transportavam passageiros e bagagens das estações ferroviárias para as vilas e herdades em seu redor e foi adoptado para designar automóveis com ampla caixa traseira de forma rectangular apta para o transporte de bagagens e com parte da carroceria construída em painéis de madeira, ao estilo das antigas carroças de transporte de mercadorias. Estas station wagons a motor começaram por ser “customizadas” em oficinas a partir dos modelos-padrão das grandes marcas, mas como se revelaram populares começaram também a ser produzidas pelas grandes marcas.
A natureza austera e utilitária da station wagon foi, pouco a pouco, dando lugar ao luxo e ao conforto, e a clientela típica da station wagon deslocou-se dos taxistas, comerciantes e agricultores para as famílias suburbanas que precisavam de um carro prático, com um toque rústico e amplo espaço de arrumação, para fazer piqueniques, ir à pesca, acampar ou ir à praia.
Por outro lado, o uso de madeira na carroceria deixou de ser apanágio das station wagons: por um lado porque, em 1935, a Chevrolet lançou a Suburban, uma station wagon com carroceria inteiramente em aço, no que não tardou a ter seguidores; por outro porque o uso de madeira alastrou, com motivações meramente decorativas, para outros tipos de automóveis, o que justificou a emergência, nos EUA, do termo woodies para designar os automóveis com painéis de madeira na carroceria.
Embora esteticamente apelativas, as woodies tinham um sério inconveniente: a madeira, mesmo sendo nobre e devidamente tratada, é menos durável que o aço. Assim, no final da década de 1950 os fabricantes deram mais um passo na distorção dos conceitos de station wagon e de woodie, criando modelos cuja carroceria de aço era coberta por painéis de vinil simulando madeira.
Em França (e também em parte da Europa, Portugal incluído) a station wagon é designada por break, que é, mais uma vez, um termo proveniente do mundo dos veículos de tracção animal, designando, originalmente, uma pequena carruagem usada no adestramento de cavalos (do inglês “to break”, no sentido de “domar”), que, com o tempo, passou também a ser usado para transporte de objectos e cresceu.
O que se conclui desta breve panorâmica pela nomenclatura automóvel é que prima pela falta de rigor, consistência e racionalidade e que, muitas vezes, depende apenas do capricho dos marqueteiros e CEOs da indústria automóvel – bastará considerar que o Citroën C5 II na foto acima, que corresponde às características de um break, foi baptizado como Tourer, um sinónimo de “cabriolet desportivo”, quando não é, objectivamente, nem cabriolet nem desportivo.
A congruência também não se aplica à designação de um dos mais populares tipos de automóvel do nosso tempo, o SUV, ou Sport Utility Vehicle, que não é, na esmagadora maioria dos casos, nem desportivo nem utilitário (no sentido de ser um carro “de trabalho”, robusto, despojado, sem confortos, com espaço para carga). SUV é por vezes usado como sinónimo de “veículo todo-o-terreno” ou “veículo de tracção às quatro rodas” (“4×4”), mas também isto é uma falácia, já que a maioria dos SUVs de hoje não possui tracção às quatro rodas e tem limitada capacidade para circular fora do asfalto – na verdade, o velhinho e despretensioso Renault 4, que é classificada como “citadino” e cuja versão inicial, de 1961, tinha um modetíssimo motor de 603 cm3 debitando 23 HP, talvez se desenvencilhe melhor em situações “off-road” do que um Porsche Cayenne, que é apresentado como um “SUV crossover de luxo” e debita 340 HP (542 HP na versão turbo).
O termo inglês van, de “caravan”, ou seja carroça comprida coberta com toldo de lona (mais uma alusão ao mundo da tracção animal e do Oeste Selvagem), tem equivalência em Portugal em carrinha ou furgoneta. Furgoneta, cujo uso está em declínio, provém do francês “fourgonette”, que designa um veículo automóvel de transporte de mercadorias (de “fourgon”, termo surgido no século XVII para designar uma “voiture à bagages”).
§O temo van extravasou dos veículos comerciais para o dos automóveis de passageiros com a emergência nos EUA do minivan (“monovolume” na nomenclatura portuguesa), mais pequeno e “urbano” que uma furgoneta, mas com espaço amplo para ocupantes e bagagem, e cuja primeira manifestação nos EUA foi o Plymouth Voyager de 1984 – com correspondência na Europa no Renault Espace, surgido no mesmo ano. O minivan tomou progressivamente o lugar das station wagons como carro de família por excelência e ficou intimamente associado à figura da “soccer mum”, a esposa de subúrbio americano que fica em casa enquanto o marido vai trabalhar e precisa de um carro espaçoso (e com aura de robustez e segurança) para levar as crianças ao treino de futebol “europeu” (“soccer”, não “football”, termo que nos EUA refere o que em Portugal é conhecido como “futebol americano”).
A popularidade do minivan nos EUA cresceu ao longo dos anos 80-90 e atingiu o pico no ano 2000, quando foram vendidas 1.4 milhões de unidades – e depois começou a ceder o lugar ao SUV. Pode perguntar-se para que serão necessárias aptidões “todo-o-terreno” e uma caixa de metal de duas toneladas para ir ao supermercado e levar as crianças à escola e às actividades extra-curriculares no ambiente urbano e suburbano dos nossos dias, mas a ascensão dos SUVs tem pouco a ver com respostas a necessidades reais e muito a ver com modas e estilos de vida (ver A caminho do Inferno, ao volante de um SUV). Na verdade, boa parte do que se designa genericamente por SUVs, são, mais rigorosamente, crossover SUVs, que têm a aparência de um SUV mas não possuem aptidões “off-road”, ainda que sejam favorecidos pelas rodas de maior diâmetro e pelas altura ao solo maior do que nos carros citadinos.
A extraordinária proliferação de SUVs, SUVs compactos, mini SUVs, SUVs crossover e quejandos, que, após terem engolido o território dos minivans (e o que restava das station wagons), começaram a “roer” quase todos os segmentos de mercado, vai a par com a onda de SUVização de boa parte do espectro automóvel. Dir-se-ia que hoje todos os carros aspiram a parecer um SUV e até os pequenos carros citadinos foram insuflados e ganharam distância ao solo, rodas de maior diâmetro, posição de condução elevada e o aspecto robusto e a intimidante frente alteada típicos de um SUV – faça-se o exercício de comparar um Nissan Qashqai (um SUV crossover compacto) e um Citroën C3 (um citadino “SUVizado”).
O processo de “SUVização” é ainda mais flagrante quando se confronta a primeira geração do Nissan Micra, cuja comercialização se iniciou em 1983, com a quinta geração, cuja comercialização se iniciou em 2017.