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Mónica Almeida tinha acabado de deixar o marido, Luaty Beirão, e Nelson Dibango num tribunal em Luanda. Era 29 de julho e fazia um mês desde que os ativistas angolanos conhecidos como 15+2 foram libertados sob termo de identidade e residência, depois de o Supremo Tribunal ter dado provimento a um pedido de habeas corpus. Os dois foram chamados ao tribunal para assinar alguns documentos e, como deviam demorar, Mónica Almeida seguiu caminho.
“Para aí 600 metros depois, aparece um carro da polícia detrás, que liga a sirene. Mas eu não percebo que é para mim, portanto continuo”, diz num vídeo onde conta esse episódio, poucas horas depois de ele ter acontecido. “Até que ele se encosta ao meu carro e pede que eu encoste.”
Encostou. Num procedimento aparentemente normal, pediram-lhe a documentação. Só que, depois, pediram-lhe que os acompanhasse para a “esquadra mais próxima”, para “averiguação”. Mónica Almeida pediu-lhes os nomes, que logo tratou de apontar, juntamente com a matrícula da viatura. Depois, ao volante do seu carro, seguiu-os.
Um pouco mais à frente, passaram por uma operação STOP, de onde saiu um segundo automóvel da polícia, que seguiu caminho atrás do carro da mulher de Luaty Beirão. Depois de apontar a matrícula do segundo carro, seguiu o caminho que lhe era indicado até que, após nova paragem, um terceiro veículo, este sem matrícula, se aproximou. Foi de lá que lhe perguntaram se tinha algum GPS no automóvel. Mónica Almeida respondeu que sim. E, a partir daí, reparou que nenhuma das mensagens que enviava com o telemóvel era entregue. Embora estivesse no centro de Luanda, de um momento para o outro ficou sem rede.
Passaram-se três horas, durante as quais Mónica Almeida não teve outra escolha além de seguir aquele cortejo que se formou em torno do seu carro. Quando já havia gente alarmada por não conhecerem o seu paradeiro, a marcha foi finalmente interrompida na esquadra do bairro Vida Nova — na ponta oposta de Luanda, onde horas antes deixara Luaty Beirão e Nelson Dibango no tribunal e não na “esquadra mais próxima”, como lhe disseram inicialmente.
A alguns metros da entrada da esquadra, foi recebida por uma mulher fardada que disse chamar-se Hortência Augusto e que se apresentou como chefe de investigação da Polícia Nacional. Mónica Almeida pediu-lhe a identificação, mas ouviu: “Vai ter de confiar na minha boa-fé”. Finalmente, foi levada até a um homem, vestido à civil e que aparentemente não seria um polícia, que, depois de olhar para ela, disse: “Não, não é ela”.
Finalmente, os polícias que horas antes tinham conduzido Mónica Almeida naquele cortejo, pediram-lhe desculpa, explicando que estavam à procura de uma mulher que é suspeita de fazer assaltos à mão armada e que não só é parecida com ela como conduz um carro igual. Afinal, fizeram questão de lhe explicar, era só um engano.
Mónica e Luaty Beirão não acreditam nessa explicação. Muito menos depois de a Polícia Nacional ter emitido um comunicado, no próprio dia, após Mónica Almeida ter divulgado detalhes do que se passou naquela tarde. No documento, a polícia desmentia a versão da mulher do ativista luso-angolano. As matrículas que apontara não pertenciam a carros de polícia; os nomes dos agentes não constavam nas listas das autoridades; e Hortência Augusto é o nome de uma agente da Polícia Nacional, sim, mas que morreu em março deste ano.
Ao telefone com o Observador, Luaty Beirão ri-se da explicação da polícia. Para o rapper luso-angolano, não se tratou de um mero engano cometido durante uma investigação policial, mas antes de um rapto. Para sustentar a sua interpretação do que se passou, refere o facto de Mónica Almeida ter ficado sem rede assim que respondeu que tinha um GPS no carro. “Eles só podiam ter um bloqueador de sinal para poderem fazer isso. Não é qualquer um que tem um bloqueador de sinal”, diz. “Portanto, a polícia diz que a Mónica inventou isto tudo. Até um nome que existe e que pertence a uma agente que por acaso já morreu ela inventou? Quem tem dúvidas depois disto tudo só pode ser por cegueira voluntária, mesmo.”
Luaty Beirão não tem dúvidas dos objetivos de quem fez desaparecer a sua mulher durante mais de três horas naquele 29 de julho. “Isto foi um recado claro. Eles quiseram dizer-nos: ‘Nós podemos fazer qualquer coisa. Nós podemos matar e raptar quem quisermos'”, explica. “Mesmo que isso não seja assumido de forma tão linear, existe aquele momento de dúvida que paira no ar entre aquilo que eles queriam fazer e até onde podiam ter ido.”
Apesar de tudo isto, como refere ao Observador, Luaty está longe de ser o ativista dos 15+2 que tem tido a vida mais dificultada depois da prisão. Não lhe falta dinheiro, que vai conseguindo graças a traduções que vai fazendo como freelancer, a partir de casa. Trabalha com algumas ONG e também com privados, alguns deles que estão a começar empresas. “Ninguém tem de saber quem faz as traduções, por isso não há problema”, explica. Além do mais, não depende de nenhum cliente ligado ao regime. Enquanto isso, e apesar de alguma preocupação que o caso do desaparecimento temporário da sua mulher causou nalguns familiares, nenhum se afastou.
O mesmo não se pode dizer de alguns dos restantes membros dos 15+2, contactados pelo Observador nos últimos dias. Quase dois meses depois de terem sido libertados, estão confrontados com o desemprego, é-lhes negado o reingresso no ensino público, há familiares que os abandonaram por medo de represálias e há ainda quem tema pela vida.
“A tua mãe é criminosa, é bandida!”
Aos 29 anos, Rosa Conde teve de tomar a difícil decisão de se afastar da mãe e do filho para poder garantir que eles ficavam seguros. A ativista, que é uma das únicas duas mulheres que foram presas no grupo dos 15+2, vivia no bairro de Malueca, no Cacuaco, arredores de Luanda. “Antes de ser presa as pessoas já me apontavam o dedo, porque diziam que era contra o MPLA”, conta ao Observador. Desses tempos, recorda a ocasião em que foi agredida e humilhada por quatro homens que tinham uma faca. Nesse dia, tinha uma t-shirt vestida com a frase “32 é muito”, feita em 2011, quando José Eduardo dos Santos já contava com 32 anos no poder. E nunca esqueceu o dia em que lhe ligaram à meia-noite, perguntando onde ela estava, e logo de seguida reparou que alguém tinha começado a arrancar as chapas do telhado da sua casa.
Estes eram sinais suficientes para não voltar ao bairro assim que conseguiu a liberdade, a 29 de junho deste ano. “Naquela área a minha vida corre perigo”, sublinha, referindo que atualmente vive numa zona mais movimentada e segura de Luanda. “Preferi sair de lá e agora estou a ver se consigo tirar de lá a minha mãe e o meu filho, que ficou com ela.” Enquanto esse dia não chega, não são raras as vezes em que ouve a mãe contar-lhe pelo telefone os problemas que o seu filho, de 10 anos, enfrenta na escola. “Os outros rapazes dizem coisas como ‘a tua mãe é criminosa, é bandida!’ e ele volta para casa sempre muito afetado por isso.”
Quando saiu da prisão, tinha o seu velho emprego à espera. Rosa Conde é secretária no CASA-CE, um dos partidos da oposição em Angola. Ainda assim, há funcionários dentro da estrutura do partido que evitam ser vistos ao seu lado. “Há chefes, até chefes do meu serviço, que me evitam”, explica. Pior ainda foi quando isso aconteceu com familiares que, até ter sido presa, não tinham problemas em pisar o mesmo chão que ela. Quando foi visitá-la à prisão, um dos tios disse-lhe: “Se você não deixar essa vida, é cada um por si e Deus por todos”. A partir daí, conta, afastou-se esse tio e atrás dele foi quase toda a família. “Cada qual foi-se embora, puxou o filho ou a filha dele, e nunca mais voltou. Perdi pessoas, perdi membros da família, a confiança e o calor”, lamenta. Sobra a mãe e o filho. O pai também, “mas a custo”.
Abandonado pelo pai, esquecido pelos clientes
Já Fernando Tomás, 33 anos, conhecido por “Nicola Radical” no meio dos “revús”, não conta com a mesma sorte. “É triste dizer, é uma triste realidade, mas desde o primeiro dia em que fui preso nunca mais vi a cara do meu pai”, conta ao Observador. “Nunca vi, ele nunca veio à minha casa. Nem os irmãos dos meu pais, nada. Os que vieram foi a meio-gás e nunca mais voltaram, porque se afastaram também”, explica. Ninguém lhe deu uma explicação — apenas saíram de cena.
Nicola Radical é mecânico industrial por conta própria, especializado em geradores de eletricidade — um item indispensável de muita da classe média e da classe alta luandense. Antes de ser preso, não lhe faltava trabalho. Num mês “muito mau” fazia entre 70 e 80 mil kwanzas (373 a 426 euros). Num mês “muito bom”, em que recebia chamadas de clientes “com posses”, chegava a assinar contratos de 3 mil dólares (2650 euros). Mas, depois da prisão, as chamadas deixaram de acontecer.
Quando foi detido em junho de 2015, como todos os outros prisioneiros, Nicola Radical ficou sem o telemóvel. Já em liberdade, tratou de recuperar o número de alguns clientes, na esperança de retomar a sua vida profissional. Mas nenhum quis voltar a saber dele. “Já não precisamos dos teus préstimos”, ouviu várias vezes. “Nota-se logo que têm receio de a minha presença estar ligada a eles”, explica, sublinhando que não tem dúvidas de que só não tem trabalho por causa do caso dos 15+2. “Tenho um cliente que me disse abertamente: ‘Ó, Nicola, você estava nesse caso bem melindroso, não vou dar sequer o meu número porque o telefone deve estar sob escuta, certamente’.”
Neste momento, está “completamente parado”, sem ter feito um único serviço desde que foi libertado. E, por acréscimo, a mulher, que vende roupa usada na rua, perdeu clientela depois de se ter sabido que o seu marido fora preso e acusado de tentativa de derrubar o regime de José Eduardo dos Santos. Sem dinheiro a entrar em casa, Nicola Radical refere que está “a passar por necessidades muito difíceis” e que já nem consegue dar o mínimo aos dois filhos, de 5 e 10 anos. Falta-lhe comida, apesar de ter “algumas ajudas, mas nem sempre”. Além disso, a mulher sofre de tensão baixa e o filho apresenta sintomas de paludismo — Nicola Radical e a família vivem no bairro de Catinton, em Maianga, um distrito urbano desfavorecido de Luanda. “A saúde deles é o que me está a complicar mais”, admite. “A minha esposa e um dos meus filhos estão doentes e eu não tenho dinheiro nem para ir à consulta.”
Sedrick Carvalho, estudante finalista de Direito e jornalista do Folha 8, também se queixa de problemas de saúde, decorrentes da sua passagem na prisão. “Sinto muitos problemas na zona do coração, embora não saiba dizer exatamente se é coração ou pulmão”, diz. Ainda assim, não chegou sequer a tentar ter uma consulta, alegando razões de segurança. “Até agora não consegui fazer exames porque não consigo ir a um hospital, por falta de confiança”, diz ao Observador. “Há bons médicos, mas há sempre o receio de encontrar homens do sistema que me possam fazer mal, até podem envenenar-me. Essa possibilidade esteve sempre presente e caso eles queiram podem fazê-lo, se é que não o fizeram já”, diz, garantindo que tem sentido algumas melhorias desde que foi libertado.
O homem da casa em frente
Mas o mesmo não se aplica à vigilância de que garante ser alvo, dentro do seu próprio bairro. Antes dele, já a mulher estava a ser vigiada. Quando Sedrick Carvalho foi detido, em junho de 2015, o senhorio expulsou-a da casa onde o casal vivia, com medo de ser ligado ao caso dos 15+2 de qualquer forma. Enquanto o marido estava atrás das grades, acabou por se mudar para outro lugar. Quando ainda só contava alguns dias a viver na nova casa, reparou que a casa da frente, até então vazia, passou a ser habitada por um homem sozinho. Não fez caso até que, quando Sedrick Carvalho foi para prisão domiciliária em dezembro desse ano, ambos repararam que os agentes que lhe guardavam a porta iam à casa em frente com regularidade. “Serviam-se da casa de banho, de vez em quando iam para lá”, conta o ativista de 26 anos.
Além da vigilância, Sedrick Carvalho conta como as autoridades espalharam o “boato” de que ele tinha tentado fugir de casa enquanto estava em prisão domiciliária. “Disseram a toda a gente que me apanharam a correr”, conta. Muita gente ficou com medo de o visitar em casa. Grande parte optou por se afastar, entre amigos e familiares. Outros, quando o iam ver, estacionavam o carro bem longe, para que a polícia não visse a matrícula. “Isto intimidou muita gente e continua a intimidar-me.”
Tanto que, até hoje, aquele homem ainda vive ali. “Continua a espreitar a minha casa a toda a hora”, garante.
Entre os vários ativistas contactados pelo Observador, não há nenhum que tenha dúvidas de que está a ser vigiado. E, claro, o mesmo se passa com aqueles que lhe são próximos. A garantia é de Domingos Cruz, jornalista e professor universitário, que em março foi condenado a oito anos e meio de prisão, a pena mais pesada entre os 17 ativistas. Durante o julgamento, a sua mulher foi abordada por um homem que quis deixar-lhe um aviso: “Tem dois agentes responsáveis por seguirem os teus passos. Eu sei isso porque um deles é meu parente”. E, assim, começou a reparar neles. Quando ia assistir a uma aula na universidade, ele estava lá; quando ia para a escola secundária onde é professora, ele estava lá; quando voltava a casa, ele estava lá. “Um dia, olhou-o nos olhos e ele não conseguiu fingir o suficiente”, descreve o ativista ao Observador.
Domingos da Cruz, que é o autor do livro que os jovens ativistas liam quando foram detidos, sob acusação de estarem a preparar um golpe de Estado, tem uma série de cuidados para garantir a sua “sobrevivência”. Por recomendação de um amigo, nunca atravessa a rua antes de garantir repetidas vezes que não vem nenhum carro ou, no caso de haver algum, assegura-se de que ele não tem espaço suficiente para ganhar velocidade ao ponto de o atropelar de forma fatal. Nunca come em restaurantes, a não ser que sejam self-service. Nunca vai aos que funcionam com menu, com receio que lhe ponham alguma coisa na comida. E, se alguma vez se levanta para ir à casa de banho, quando volta não torna a tocar na comida ou na bebida, a não ser que esteja com pessoas de confiança. Ou seja, com a mãe, a mulher ou os irmãos.
Também no campo financeiro, Domingos da Cruz admite algumas dificuldades. “Não se pode dizer que estou confortável”, refere, explicando, por exemplo, que neste momento não tem seguro de saúde. Ainda assim, recusa entrar em detalhes. “Um norte-americano ou um australiano até se podem comover quando ouvirem aquilo por que estamos a passar, mas os angolanos não”, diz. “Os angolanos vão dizer ‘esses aí andam a pensar que vão mudar Angola e depois deu nisso, para que é que se foram meter com Zédu [José Eduardo dos Santos]?”
Em termos profissionais, Domingos da Cruz não tem queixas. Aos 32 anos, o percurso de jornalista e académico tem-lhe valido algumas ofertas de trabalho esporádico, como é o caso do jornal Folha 8, de Angola, ou algumas ONG nacionais ou estrangeiras. Trabalha em casa, ao seu ritmo e à vontade o suficiente para não se limitar por questões financeiras. Está como quer, acaba por explicar, recorrendo ao exemplo das suas “referências intelectuais”: “Eu não estou a ver ninguém que lute contra um regime autoritário que esteja preocupado com ter um trabalho assalariado e que seja efetivamente capaz de lutar. Eu não sei se Mandela, Gandhi ou Martin Luther King Jr. estavam muito preocupados em arranjar um emprego, por exemplo”.
Por isso, depois de sair da prisão, nem sequer tentou voltar ao seu trabalho na Universidade Independente, em Luanda. “Nem procurei, porque nem estou motivado. Nunca fui lá, nunca mandei e-mail, nunca fiz nada”, explica. Até porque garante que naquela universidade, tal como em todas as outras de Angola, “a interferência do regime é efetiva”. “Todas as instituições, sem exceção, estão sob tutela do poder político. Existem professores que têm medo de publicar os seus trabalhos”, refere. Por isso, por falta de necessidade mas também por falta de vontade, não quer para já voltar àquele meio. Até porque as portas lhe estão fechadas: “Eu já estou num ponto de não-retorno, já não estou com mais disponibilidade para submeter-me a esse tipo de situações. Não estou com disponibilidade para dar esse gosto ao José Eduardo dos Santos”.
Universidade de portas fechadas
Hitler Samussuku, 26 anos, sabe bem o que é isso. Desde que saiu da prisão que está concentrado em voltar a estudar no curso de Ciência Política, da Universidade Agostinho Neto, em Luanda. Com apenas um semestre a separá-lo de um diploma, Hitler Samussuku pediu ao diretor do departamento de Ciência Política para ser readmitido. “Ele disse-me que era preciso escrever uma carta ao decano”, recorda. Escreveu a carta, preencheu as papeladas necessárias, esperou em vão. Não teve resposta. Tornou a insistir com o diretor do departamento da sua área de estudos, que então lhe disse para pedir uma audiência com o decano. Assim o fez — mas o desfecho foi o mesmo.
“Foi aí que eu decidi que agora ia às aulas na mesma. Se ele não me responde vou lá, mesmo sem estar matriculado”, diz ao Observador. Comunicou essa intenção ao diretor de departamento, que lhe disse que isso seria impossível. “Disse que eu não tenho maneira de entrar lá sem orientação superior”, refere. “O que está a acontecer é um subterfúgio burocrático, é uma maneira de eu ser punido agora que voltei.”
Hitler Samussuku não é o único sem conseguir voltar a estudar. Entre os ativistas contactados pelo Observador, também Sedrick Carvalho e Rosa Conde estão com problemas nesse campo, referindo que, no atual momento, é muito difícil conseguirem pagar as propinas. E para Arante Kivuvu, 23 anos, é mesmo impossível. Depois de ser preso, este estudante de Filosofia da Universidade Agostinho Neto perdeu a bolsa de estudo e também o emprego. Antes de 20 de junho de 2015, trabalhava como ardina de manhã para conseguir pagar os estudos, que fazia a tarde.
Agora, vive com “dificuldades financeiras”. “Vou lutando para sobreviver, porque isto nem é viver”, diz ao Observador. Sem qualquer tipo de rendimento, vive da ajuda da irmã. Os pais já morreram e os tios que cuidaram dele nunca mais lhe falaram desde que foi preso. Do lado do pai, todos os tios são “funcionários do Ministério do Interior”. A maior parte são agentes da polícia. “Viraram-me as costas no momento em que eu mais precisava deles”, lamenta. “Eles sabem o tipo de Governo que nós temos. É um Governo maldoso. A justificação que eles me dão para se afastarem é que tem de se respeitar quem dá o pão.”
Uma prenda de anos a José Eduardo dos Santos, cortesia dos 15+2
Arante Kivuvu perdeu uma família, mas garante que ganhou outra: os restantes 16 ativistas. “No momento em que preciso deles, eles ajudam. Não se pode escolher a família de sangue, mas eu agora escolhi a minha família verdadeira”, diz, com orgulho. Talvez por isso, garante que não está arrependido do rumo que a sua vida tomou. “Vou continuar a fazer o que devo fazer, vou continuar a fazer ativismo, vou continuar a manifestar-me”, garante, à semelhança daquilo que disseram ao Observador os outros ativistas. “Enquanto a sociedade estiver parada eu não vou parar.”
Ao Observador, todos os ativistas queixam-se de que ainda não lhes foram devolvidos bens que foram apreendidos durante as suas detenções. Além de bilhetes de identidade, passaportes e outros documentos, todos ficaram sem computadores, telemóveis, tablets, máquinas fotográficas, modems de internet, livros… Em suma, os instrumentos de trabalho de alguns e aqueles que todos usavam como meios para o ativismo.
Quando foram libertados, os serviços prisionais quiseram devolver-lhes os documentos, mas recusaram-se a dar os computadores e os outros aparelhos eletrónicos. Em conjunto, recusaram. “Ou nos dão tudo, ou não nos dão nada”, resumiu Hitler Samussuku.
No passado dia 17 de agosto, quarta-feira, os 15+2 fizeram uma conferência de imprensa, coincidindo com o dia inaugural do VII Congresso Ordinário do MPLA, que terminou no sábado. Perante uma plateia cheia, os ativistas contaram como foi a sua experiência de mais de um ano passado atrás das grades, no banco dos réus ou em prisão domiciliária. E enumeraram algumas das lutas que têm pela frente. Uma delas é conseguir a absolvição total. “Não se amnistia uma pessoa que não cometeu crime algum”, explica Luaty Beirão. A outra é reaverem os seus bens apreendidos há mais de um ano.
Para esta última, já fixaram uma data limite: 28 de agosto. Ou seja, o próximo sábado. E, mais importante, o 74.º aniversário de José Eduardo dos Santos. “Eles têm até esse dia para devolverem as nossas coisas”, sublinha o rapper luso-angolano. “Se não cumprirem essa data, nós vamos para a frente do palácio presidencial. Vamos lá fazer muito barulho e explicar que o povo angolano não gosta dele. Vai ser uma espécie de prenda de anos nossa.”