O Parlamento debate na próxima quarta-feira uma série de propostas para regular o teletrabalho, numa altura em que o Governo prolongou a obrigatoriedade do regime, pelo menos, até dia 16 de maio. Depois dessa data não é ainda certo que opção vai o Governo tomar: se vai manter essa regra para todo o país, ou variar consoante os concelhos em que a situação epidemiológica o justifique.
Certo é que as alterações que eventualmente forem aprovadas pelos partidos só se aplicarão num contexto em que o teletrabalho deixe de ser obrigatório, e possa ser adotado por acordo entre as partes. A pandemia veio dar outra expressão ao regime e ainda que ele possa perder força quando a Covid-19 passar, deverá manter-se para muitos — e, para os partidos, a legislação de 2003 não está adequada a essa realidade. Por um lado, porque se discute agora que despesas deve o empregador custear, ou que material fornecer. Por outro lado, pela desregulação de horários que a experiência veio pôr em evidência — e que as forças políticas querem travar com o “direito a desligar” ou o “direito à desconexão”.
Trabalhar a partir de casa também colocou questões que, até aqui, tinham passado despercebidas. Se tiver um acidente em casa — e se esse for o seu local de trabalho — que proteção tem o trabalhador? E se, como até se apercebeu das vantagens do teletrabalho, quiser manter-se nesse regime, mesmo que o seu patrão não concorde?
As propostas dos partidos são variadas, em muitos casos com soluções diferentes para os mesmos problemas identificados, mas permitem já antever possíveis resultados de votações, nomeadamente a nível de despesas, com PS e PSD a afastarem a fixação de um valor único e a atirarem, tal como o Governo já o fez, a decisão para a contratação coletiva. Por outro lado, parece haver consenso no estabelecimento de mais limites ao controlo e à vigilância feita por meios tecnológicos, ou às visitas que o empregador está autorizado a fazer ao domicílio do funcionário. O direito a desligar, e os limites aos contactos fora de horas, também deverão ser uma realidade, embora as redações diferentes não permitam, para já, perceber qual o sentido exato que a lei tomará. Onde convergem e onde se afastam os partidos?
Afinal, quem deve pagar o quê? E como?
É o tema que mais tinta tem feito correr e ao qual o Código do Trabalho dá poucos esclarecimentos. Quem deve arcar com o acréscimo da despesa com a eletricidade? Ou com a internet? A lei apenas prevê que é a entidade patronal quem deve assegurar a instalação e a manutenção dos “instrumentos de trabalho respeitantes a tecnologias de informação e de comunicação utilizados pelo trabalhador” e o “pagamento das inerentes despesas”. Mas quais? Não especifica.
O Governo chegou a responder, ao Jornal de Negócios, que o empregador deve ser o responsável pelas despesas com internet e telefone, mas não disse como é que esse valor deve ser calculado. Nem o estabeleceu na lei — e até, mais tarde, atirou o tema para a negociação coletiva. As dúvidas, portanto, continuaram e os partidos querem dissipá-las. Mas não é certo que surjam grandes alterações — leia-se a obrigatoriedade de um subsídio diário com um valor fixo. É que os dois maiores partidos, PS e PSD, querem remeter essa discussão para cada caso, na negociação coletiva.
Os partidos mais claros neste tema são o PCP, o PEV e o PAN. Isto porque, nas propostas entregues no Parlamento, estabelecem valores específicos de ajudas de custo que as empresas têm de pagar aos empregados para custear o teletrabalho. O PCP e o PAN concordam que as empresas devem assegurar o equivalente a, pelo menos, 2,5% do IAS (atualmente, esse valor ficaria em 10,97 euros) por dia ao trabalhador, o que daria cerca de 220 euros por mês. No caso dos primeiros, o valor teria como destino compensar o “acréscimo de despesas realizadas ou a realizar”, nomeadamente com os “consumos de água, eletricidade, internet e telefone”; no caso dos segundos, para o “acréscimo de despesas que o trabalhador tenha pela execução do trabalho em regime de teletrabalho ou de trabalho flexível, nomeadamente, com os consumos de água, eletricidade, incluindo climatização, internet e telefone”.
Em ambos os casos, estes valores são definidos “sem prejuízo da aplicação de disposições mais favoráveis ao trabalhador em Instrumento de Regulamentação Coletiva de Trabalho”. Ou seja, o patamar que definem é um mínimo — na negociação coletiva, o valor estipulado pode ser superior.
Já os Verdes sugerem estabelecer uma compensação de, pelo menos, 1,5% do salário mínimo nacional por dia — o que, este ano, ficaria nos 9,97 euros (cerca de 200 euros mensais) para, a título de abono de ajudas de custo, compensar “o acréscimo de despesas realizadas ou a realizar, nomeadamente, com os consumos de água, eletricidade, internet, telefone e comunicações em geral”.
Os bloquistas, por sua vez, não estabelecem nenhum valor, preferindo, para já, definir na lei apenas a obrigatoriedade do pagamento de uma compensação pelas despesas inerentes ao teletrabalho — “nomeadamente os custos fixos gerados pelo uso de telecomunicações, água, energia, incluindo climatização, e outros conexos com o exercício das funções“. A proposta deixa em aberto os valores a pagamento, ou como os calcular. “Neste momento o que fazemos é definir esse princípio na lei que depois tem que ser concretizado, o que pode ser por via de contratação coletiva ou por via de uma regulamentação própria”, disse o deputado do Bloco José Soeiro, à Lusa.
Ainda que PS e PSD também não se comprometam com valores, remetendo para a negociação coletiva, há uma diferença destas propostas para as do Bloco. É que os bloquistas escrevem na proposta que essas despesas estão a cargo do empregador, quer este concorde ou não, e quer haja negociação coletiva ou não. Na exposição de motivos, falam até na “introdução de uma cláusula imperativa, que não pode ser afastada por acordo individual”. Mas como não sugerem nenhum método de cálculo, torna-se difícil perceber como é que a medida poderia ser operacionalizada e como a empresa a esse pagamento ficaria obrigada.
O PS e o PSD, por outro lado, remetem diretamente para a negociação coletiva, embora também queiram estabelecer que há despesas que ficam a cargo da entidade patronal. Só que a formulação dos socialistas deixa em aberto a possibilidade de, caso não haja acordo do empregador, poder não haver lugar a esse pagamento.
“Todas as despesas adicionais que, comprovadamente, e com o acordo do empregador, o trabalhador suporte como direta consequência da aquisição ou do uso dos equipamentos e sistemas informáticos ou telemáticos na realização do trabalho, incluindo os acréscimos de custos de energia e da rede instalada no local de trabalho em condições de velocidade compatível com as necessidades de comunicação de serviço, assim como os de manutenção dos mesmos equipamentos e sistemas, são compensadas pelo empregador”, escrevem os socialistas. Essa compensação pode consistir num valor certo, fixado no acordo de teletrabalho ou na negociação coletiva, e “ajustável ao longo da vigência do acordo conforme a evolução comprovada das despesas adicionais”.
Já o PSD é menos concreto nas despesas que quer incluir. Defende que as “despesas acrescidas relativas ao teletrabalho” serão pagas “conforme estabelecido no contrato de trabalho ou em instrumento de regulamentação coletiva de trabalho, podendo ser definidos critérios e montantes a pagar, designadamente através de um valor certo pecuniário, a entregar ao trabalhador em regime de teletrabalho”. Além disso, quer definir que essas despesas são consideradas, para efeitos fiscais, “custos para as empresas e não constituem rendimentos para o trabalhador”.
O meu patrão deve estar obrigado a dar-me uma secretária, um computador e uma cadeira? E o subsídio de refeição?
Outra questão está ligada aos instrumentos de trabalho, como o computador, a secretária ou a cadeira. O Código do Trabalho apenas refere que cabe às empresas despesas com “instrumentos de trabalho respeitantes a tecnologias de informação e de comunicação”. Mas há partidos que querem uma lei mais específica, com uma referência ao mobiliário.
Se o PS é menos claro a que equipamentos se refere — “o empregador assegura os equipamentos e sistemas necessários à realização do trabalho e à interação trabalhador-empregador”, devendo o acordo entre as partes “especificar se são fornecidos diretamente ou adquiridos pelo trabalhador” — os comunistas vão mais diretos ao assunto. As “tecnologias de informação e de comunicação, economato e qualquer instrumento ou mobiliário eventualmente necessário, pertencem ao empregador e são por este cedidos, devendo ainda assegurar a instalação e manutenção dos mesmos e o pagamento das inerentes despesas”.
O PAN acompanha o PCP ao mencionar igualmente “economato ou mobiliário eventualmente necessário”. O partido acrescenta, aliás, que se os instrumentos de trabalho forem adquiridos pelo trabalhador, estes devem ser ressarcidos pelas despesas de aquisição e de instalação, “mediante a apresentação de documento comprovativo da despesa”, com uma compensação pecuniária até 3 vezes o valor do Indexante dos Apoios Sociais (1.316 euros).
Além disso, há partidos que querem clarificar que, mesmo em teletrabalho, tem de haver lugar ao pagamento do subsídio de refeição — embora a Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT) já tenha dito que sim. Apesar de todos concordarem que quem está em teletrabalho não deve perder direitos face aos colegas em regime presencial, apenas BE, PCP, PEV e PAN esclarecem nas propostas que, em teletrabalho, também deve pagar-se subsídio de refeição.
O mesmo não acontece com o PS. Por um lado, define que o “trabalhador em regime de teletrabalho tem os mesmos direitos e deveres dos demais trabalhadores da empresa com a mesma categoria ou com função idêntica”, nomeadamente no que se refere a formação, promoção na carreira, limites da duração do trabalho, períodos de descanso, entre outros. Por outro lado, na exposição dos motivos de apresentação da proposta, escreve que o partido entendeu remeter para a contratação coletiva ou para os acordos de teletrabalho a definição das prestações pecuniárias como o subsídio de refeição, o subsídio de transporte “e outros”.
Já o PSD é omisso em relação ao subsídio de refeição. Estas duas opções levam, assim, a crer que não seja feito um esclarecimento na lei quanto a esta prestação.
Quem pode (e como) impor ou recusar o teletrabalho. E desistir dele
Os partidos concordam que o teletrabalho deve sempre estar sujeito a um acordo entre trabalhador e empregador (isto quando deixar de ser obrigatório devido à pandemia), mas há forças políticas que dão mais “poderes” aos primeiros do que aos segundos quando essa concordância não existe.
Por um lado, o Bloco, o PAN e o PEV propõem alargar as situações em que os trabalhadores podem impor o teletrabalho sem o consentimento do empregador. Atualmente, o Código do Trabalho apenas o permite aos empregados com filhos até três anos quando a atividade é compatível e a “entidade patronal disponha de recursos e meios para o efeito”, ou às vítimas de violência doméstica (desde que tenham apresentado queixa-crime contra o agressor e saído de casa de morada de família), se a atividade for compatível com o regime.
Os bloquistas querem agora que os trabalhadores com filhos até aos 12 anos (e não apenas três) possam impor o teletrabalho ou, independentemente da idade, os que têm filhos com deficiência ou doença crónica, e os trabalhadores com estatuto de cuidador não principal de pessoa dependente.
O Bloco acrescenta a possibilidade de o empregador até poder recusar o teletrabalho nestas situações, mas seguindo uma série de regras: o empregador terá de comunicar ao trabalhador, no prazo de 20 dias, “por escrito e com os fundamentos previstos na presente lei, especificando os motivos da incompatibilidade com a atividade desempenhada”. Se a recusar tiver por fundamento “a indisponibilidade de recursos e meios da empresa para o efeito, cabe ao empregador demonstrar e provar que tal pedido acarreta encargos de ordem financeira e técnica desproporcionados e que atendeu à duração do teletrabalho ou trabalho a distância pedido pelo trabalhador”.
O trabalhador pode, em resposta e por escrito, apresentar “uma apreciação no prazo de cinco dias a partir da receção da decisão de recusa”. Após esse período, o “empregador envia o processo para apreciação pela entidade competente na área da igualdade no trabalho e no emprego, com cópia do pedido, do fundamento da intenção de recusar e da apreciação do trabalhador”. Essa entidade tem 30 dias para notificar o empregador e o trabalhador do seu parecer, “o qual se considera favorável à intenção do trabalhador se não for emitido naquele prazo”. “O empregador, em relação ao objeto do pedido, não pode proceder em sentido diverso do parecer prestado, salvo em cumprimento de uma decisão judicial.” É um processo, portanto, complexo.
Já o PAN acrescenta à lista do Código de Trabalho para a imposição do teletrabalho os trabalhadores com filhos ou dependentes menores de idade com doença oncológica ou, independentemente da ideia, com deficiência ou doença crónica; ou o trabalhador reconhecido como cuidador informal não principal, o trabalhador com doença crónica ou com grau de incapacidade igual ou superior a 60% e o trabalhador-estudante. Além destes inclui também: trabalhadores que alterem a residência para o interior do país, ou trabalhadores cuja residência se localize a mais de 50 km do local de trabalho. Nestes casos, defende o partido, a empresa não pode recusar o pedido mas, se o fizer, tem de apresentar por escrito uma justificação “com fundamento na incompatibilidade do exercício de funções com a atividade desempenhada ou na falta de recursos e meios”.
Os Verdes também querem incluir os trabalhadores com filhos ou outros dependentes a cargo menores de doze anos ou, independentemente da idade, com deficiência ou com doença crónica, assim como o cuidador, o cidadão portador de deficiência ou de doença crónica e o trabalhador estudante. Nem o PS nem o PSD sugerem um alargamento às situações em que o teletrabalho pode ser imposto pelo funcionário.
Noutras propostas, o trabalhador também tem mais facilidade em recusar o pedido da outra parte do que o empregador. É que o PS define que a proposta do trabalhador “só poderá ser recusada pelo empregador por escrito e com indicação do fundamento da recusa”; por outro lado, se a proposta de acordo partir da entidade patronal, “a oposição do trabalhador não tem de ser fundamentada, não podendo a recusa constituir causa de despedimento ou fundamento da aplicação de qualquer sanção”.
Outro exemplo é o Bloco, que quer triplicar o período durante o qual o trabalhador pode denunciar o contrato (de 30 para 90 dias) e estabelece que o trabalhador pode regressar ao regime presencial antes do prazo acordado “se houver uma alteração de circunstâncias que o justifique” (uma opção também colocada pelo PEV, que exemplifica com os casos de “alargamento da composição do respetivo agregado familiar”).
O PCP, por sua vez, não coloca prazos: “Qualquer das partes pode fazer cessar, a todo o tempo, o acordo”.
Sem som nem imagem, mas com visitas a casa. Como é feito o controlo?
É consensual entre os partidos que não é legítimo usar câmaras e som, nem aceder ao registo de escrita e ao histórico do trabalhador para controlar a atividade. O PS é claro nesse ponto: “É vedada a captura de imagem, de registo de som, de registo de escrita, de acesso ao histórico, ou o recurso a outros meios de controlo que possam afetar o direito à privacidade do trabalhador”. Assim como o PCP: “Os instrumentos de trabalho eletrónicos, de imagem e som destinam-se exclusivamente ao exercício da atividade laboral não podendo ser usados para vigilância e controlo do trabalho e do espaço em que o trabalhador se encontra, por parte da entidade empregadora”. E o PAN: “A entidade empregadora não pode utilizar os instrumentos de trabalho respeitantes a tecnologias de informação e de comunicação para vigilância e controlo do trabalho e do espaço em que o trabalhador se encontra”.
Em alternativa, os socialistas defendem que o empregador possa exigir ao trabalhador “relatórios diários ou semanais simples e sucintos sobre os assuntos tratados na sua atividade e os respetivos resultados, mediante o preenchimento de formulário previamente definido”.
O Código do Trabalho já prevê a possibilidade de o empregador controlar a atividade do trabalhador em casa deste, “bem como dos instrumentos de trabalho”, sendo que a visita pode ser efetuada entre as 9 e as 19 horas, “com a assistência do trabalhador ou de pessoa por ele designada”. O Código é, porém, omisso quanto à necessidade de haver acordo do trabalhador ou um aviso prévio. E é nesse sentido que convergem várias propostas.
A concordância do trabalhador é requisito essencial para o PCP e, segundo os comunistas, a visita “só deve ter por objeto a instalação, reparação e manutenção dos instrumentos de trabalho, devendo ser marcada por acordo e apenas pode ser efetuada, entre as 10 e as 17 horas, com a assistência do trabalhador ou de pessoa por ele designada”. É que, para os comunistas, o controlo da atividade laboral do teletrabalhador “só pode ser efetuado no local e posto de trabalho do mesmo, nas instalações da entidade empregadora”.
“No acesso ao domicílio do trabalhador, as ações integradas pelo empregador devem ser adequadas e proporcionais aos objetivos e finalidade da visita”, inscreve ainda o PCP, acrescentando que “o controlo da prestação, por parte do empregador, deve respeitar os princípios da proporcionalidade e da transparência, sendo proibido impor a conexão permanente, durante a jornada de trabalho, por meio de imagem ou som”.
O Bloco defende, por sua vez, que só pode haver lugar a visita para controlo do trabalho se este não puder ser feito “de outra forma”. Além disso, determina que a visita tenha de ser marcada por acordo entre as partes e que, na falta deste, é realizada após aviso prévio ao trabalhado com, pelo menos, 48 horas de antecedência (um limite também defendido pelo PEV).
O PAN também quer visitas só com a concordância do trabalhador e no horário também definido pelos comunistas (10h às 17h). E acrescenta: “No acesso ao domicílio do trabalhador, as ações efetuadas pela entidade empregadora devem ser adequadas e proporcionais aos objetivos e finalidades que a justificam e orientar-se pelo princípio da transparência”. “No caso de o acesso ao domicílio implicar qualquer tipo de intervenção nos instrumentos de trabalho respeitantes a tecnologias de informação e de comunicação, a entidade empregadora deve entregar, no prazo de dois dias úteis após o acesso ao domicílio, um relatório que discrimine de forma desagregada todas as ações realizadas e a respetiva justificação”.
Já o PSD quer apagar a referência do horário da visita das “9 às 19 horas” para estipular que só pode ocorrer “durante o período normal de trabalho” que constar no contrato e apenas na presença do trabalhador (cai a referência a “pessoa por ele designada”).
Partidos querem “direito a desligar”
Em 2017, França foi pioneira em legislar o “direito a desligar”. O governo de François Hollande aprovou uma pacote de medidas que, entre outras mudanças, reconhecia aos trabalhadores o direito de não atender telefonemas nem responder a emails relacionados com trabalho fora de horas. Já antes, a fabricante automóvel alemã Volkswagen tinha implementado um sistema informático que bloqueia o envio de emails para os trabalhadores entre as 18h15 e as 7h dos dias úteis e durante os fins-de-semana.
Em Portugal, o Código do Trabalho, no capítulo do teletrabalho, apenas refere que “o empregador deve respeitar a privacidade do trabalhador e os tempos de descanso e de repouso da família deste, bem como proporcionar-lhe boas condições de trabalho, tanto do ponto de vista físico como psíquico”. Mas os partidos querem agora ir mais longe e legislar sobre este “direito a desligar” ou “direito à desconexão”, embora o façam com formulações distintas, não sendo claro o que a votação poderá concluir ao certo.
Quem dá o maior passo é o Bloco. O partido começa por definir o período de descanso como “um tempo de desconexão profissional”, por exemplo, “através da não utilização das tecnologias de informação e comunicação durante o período de descanso do trabalhador”. A forma de garantir essa desconexão pode ser estabelecida “mediante instrumento de regulamentação coletiva de trabalho”. Mas, defende o Bloco, a desconexão não é só um direito; é também um dever do empregador, pelo que a sua “violação reiterada” pode “constituir assédio”.
O direito a desligar é o único ponto da proposta que o CDS leva ao Parlamento. “Os trabalhadores que utilizam ferramentas digitais, incluindo as Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC), para fins profissionais, têm direito a desligar durante o seu período de descanso diário”, mas em “caso de força maior e de urgência, devidamente justificável”, o empregador pode contactar o trabalhador. Os centristas não definem que situações podem ser estas.
Já o PS propõe um artigo para o “direito a desligar”, definindo que o acordo de implementação do teletrabalho deve fixar o horário dentro do qual o teletrabalhador “tem o direito de desligar todos os sistemas de comunicação de serviço com o empregador, ou de não atender solicitações de contacto por parte deste, não podendo daí resultar qualquer desvantagem ou sanção”. Tal como o Bloco, define que o empregador se abstém de contactar o teletrabalhador fora de horas.
O PAN também se debruça sobre o tema e clarifica o conceito de direito desconexão: “o direito do trabalhador a, durante os períodos de descanso, dias de férias e feriados, não exercer qualquer atividade de carácter profissional e de se opor, não atender, não responder ou fazer cessar, o fluxo comunicacional, designadamente através de tecnologias de informação e de comunicação, direta ou indiretamente, relacionado com a sua atividade profissional, que consigo seja estabelecido pela entidade empregadora, pelos seus superiores hierárquicos, pelos seus companheiros de trabalho ou por terceiros que se relacionem com a empresa”. Este é um direito durante os períodos de descanso, salvo, como os centristas também propõem, por “razões de força maior”.
O PCP e os Verdes não têm capítulos específicos para este direito — mas os primeiros definem que o trabalhador só pode fazer trabalho suplementar se for solicitado por escrito pelo empregador; os segundos determinam que se houver contactos do empregador fora do horário laboral, tal será considerado trabalho suplementar.
O PSD também não vai mais longe, mas frisa que “o empregador deve respeitar a privacidade do trabalhador, o horário de trabalho e os tempos de descanso e de repouso da família deste”.
Maior proteção para acidentes de trabalho em casa
É outro tema transversal às várias propostas apresentadas: dar mais garantias de proteção em caso de acidente nos locais de trabalho que não sejam os escritórios. A forma de o fazer é que varia. O PCP defende a atualização dos seguros de acidentes de trabalho “considerando o exercício da atividade laboral em regime de teletrabalho, seja qual for o local onde este seja prestado”. E o Bloco quer definir que “é acidente de trabalho aquele que se verifique no local e no tempo de trabalho ou no domicílio do trabalhador em regime de teletrabalho ou de trabalho a distância e produza direta ou indiretamente lesão corporal, perturbação funcional ou doença de que resulte redução na capacidade de trabalho ou de ganho ou a morte”.
Clarificar o que se considera local de trabalho é também objetivo do PSD: “No caso de teletrabalho ou trabalho à distância considera-se local de trabalho, qualquer local que o trabalhador comunique, por escrito, à entidade patronal, independentemente do local que conste no contrato de trabalho, como sendo o local habitual”.
Já o PS propõe que o regime legal de reparação dos acidentes de trabalho e das doenças profissionais se aplique situações de teletrabalho, “considerando-se local de trabalho o local escolhido pelo trabalhador para exercer habitualmente a sua atividade e tempo de trabalho todo aquele em que, comprovadamente, esteja a prestar o seu trabalho ao empregador”. O empregador também deve promover a realização de exames de saúde no trabalho “antes da implementação do teletrabalho e, posteriormente, exames anuais para avaliação da aptidão física e psíquica do trabalhador para o exercício da atividade, a repercussão desta e das condições em que é prestada na sua saúde, assim como das medidas preventivas que se mostrem adequadas”.
Há uma outra intenção comum a vários partidos — que fique esclarecido que os teletrabalhadores continuam a ter direitos sindicais, para que possam ser contactados pelas estruturas representativas ou receber informação.