O CDS esteve dois anos fora do Parlamento e, ao terceiro ano, ressuscitou. Nuno Melo recebeu as chaves do Largo do Caldas e tomou conta do partido falido, sem recursos e sem motivação — embora fosse mantendo uma presença autárquica e regional simpática. O 7N (dia da demissão de Costa) foi um milagre para o CDS: de repente podia ir a votos para a Assembleia da República antes de umas Europeias que o podiam fazer desaparecer.
A antecipação das eleições legislativas e a coligação pré-eleitoral com o PSD mudou tudo. Nuno Melo não só fechou um acordo de coligação, como garantiu dois lugares na Assembleia da República e um lugar no Parlamento Europeu. O que podia correr bem, correu bem e houve o milagre da multiplicação dos lugares: dois deputados transformaram-se em cinco cargos. Além dos dois parlamentares, somaram-se mais três governantes (um ministro e dois secretários de Estado).
É neste contexto, contra todas as profecias que davam como certa uma tragédia de contornos bíblicos, que o CDS dá mostras da sua vitalidade e se apresenta para o 31.º Congresso. Prevê-se, nestas circunstâncias, que o Congresso que se realiza este sábado e domingo em Viseu seja um passeio no parque para Nuno Melo. Afinal quem é quem no concílio de Viseu?
Nuno Melo
Quando Paulo Portas começou a preparar a sucessão, Nuno Melo não escondeu a vontade de avançar. Mas deu a vez a Assunção Cristas. Teve depois a oportunidade de pegar no partido, mas faltou à chamada. E deixou que a luta fosse entre Francisco Rodrigues dos Santos e João Almeida. Em 2022, chegou finalmente à liderança do CDS cumprindo o destino que todos lhe traçavam. Mas o CDS já não era o mesmo de 2020, muito menos o de 2016. Tinha sido varrido do Parlamento e ficou à beira da extinção. Ainda assim, Nuno Melo teve o mérito de reerguer o partido, de juntar as fações que sempre se digladiaram no interior do partido (até Paulo Portas e Manuel Monteiro fizeram as pazes) e convencer Luís Montenegro a aceitar uma coligação que garantiu o bilhete dourado de regresso à Assembleia da República, com um ministério e duas secretarias de Estado como bónus. Se o CDS está vivo, deve-o, em grande medida, a Nuno Melo. Resta saber o que quererá fazer agora: afirmar a identidade e autonomia do partido, ou viver confortavelmente à sombra do parceiro sénior de coligação.
Paulo Núncio. O sobrevivente recompensado com a liderança parlamentar
Quando poucos acreditavam que o CDS podia sobreviver, Paulo Núncio foi a verdadeira resistência. Mais até que Nuno Melo, que continuava como eurodeputado em Bruxelas, o antigo secretário de Estado desdobrou-se para tentar que o CDS não caísse no esquecimento da comunicação social, nunca desistindo de enviar aos jornalistas as propostas que o partido tinha para o país. Não abandonou o barco e foi recompensado. Desde que fechou o acordo com o PSD, ficou claro para Nuno Melo que os dois lugares elegíveis eram distribuídos da seguinte forma: um para ele próprio e outro para o último dos moicanos democrata-cristão, Paulo Núncio. Foi secretário de Estado dos Assuntos Fiscais e chegou a ser investigado pelo Ministério Público por causa do “apagão fiscal”, mas o caso foi arquivado. Ficou claro que ia ficar pelo Parlamento quando, ainda antes da chegada de João Almeida, votou com Nuno Melo para se eleger líder parlamentar do CDS. É uma recompensa pelos anos em que, fora do Parlamento, carregou o partido às costas.
Telmo Correia. Do uber parlamentar ao regresso ao Governo
Telmo Correia sempre foi um verdadeiro bulldozer parlamentar do CDS, protagonizando os mais corrosivos ataques à esquerda no hemiciclo. Antes de aparecer André Ventura e o Chega, aquele que foi líder parlamentar do CDS quer no poder quer na oposição era visto como um dos políticos mais à direita do Parlamento. Era a parede que Portas se gabava de erguer à direita do CDS. Foi ministro (do Turismo) durante cinco meses no Governo de Santana Lopes. Já depois da queda desse Governo, chegou a ter a eleição para líder do partido na mão, em 2005, como herdeiro do portismo, mas perderia o Congresso para José Ribeiro e Castro. Teria outros dissabores, como as eleições intercalares para a câmara de Lisboa dois anos depois, em que conseguiu apenas 3,7% dos votos e precipitaria a sua demissão de líder parlamentar. Foi um dos cinco resistentes do táxi 2.0 (uber) parlamentar de 2019 e foi o líder parlamentar escolhido no tempo de Francisco Rodrigues dos Santos, com quem acabaria por se incompatibilizar. Foram públicas as suas divergências com o jovem líder, algumas mais ensurdecedoras que um esquadrão de cavalaria à desfilada. Com o regresso do CDS ao Governo, foi o escolhido por Nuno Melo para a secretaria de Estado da Administração Interna, uma pasta relevante. Tem nas mãos um importante desafio: ajudar a ministra Margarida Blasco com o difícil dossier do suplemento para as polícias.
Álvaro Castello-Branco. O vice-rei do Norte que foi número dois de Rio e agora é de Melo
Álvaro Castello-Branco é, com as devidas distâncias, uma espécie de Eurico de Melo do CDS — um vice-rei do norte do partido. Foi sempre eleito deputado pelo círculo do Porto e foi na cidade que chegou a exercer as funções de vice-presidente da autarquia no tempo da liderança de Rui Rio. Numa fase difícil do partido, ao contrário de outros que saíram, aceitou ser vice-presidente da direção de Nuno Melo numa fase em que o partido nem representação parlamentar tinha. Com o regresso do CDS ao Governo, Nuno Melo chamou-o, aos 63 anos, para ser número dois na Defesa. O novo secretário de Estado Adjunto e da Defesa Nacional já tinha participado, por exemplo, na Comissão Parlamentar de Inquérito sobre as consequências e responsabilidades políticas do furto do material militar ocorrido em Tancos — caso que a então líder do CDS disse ser digna de uma série da Netflix. Foi também administrador das Águas de Portugal durante o governo da troika, numa nomeação na altura contestada pela oposição e que levou Paulo Portas a vir esclarecer publicamente que o critério tinha sido a competência.
João Almeida. Deputado, ex-governante e quase líder (duas vezes)
Quando em 2019 o CDS iniciava o seu caminho para o abismo, passando de 18 para 5 deputados, poucos estavam interessados em agarrar no partido. Era preciso alguém, do lado do portismo, que avançasse contra Francisco Rodrigues dos Santos e João Almeida foi o sacrificado. Perdeu. Não era a primeira vez que tentava a liderança: quando era líder da JP — alinhado com Portas — apresentou uma moção contra José Ribeiro e Castro e por pouco não seria eleito. Com a ida de Nuno Melo e de Álvaro Castello-Branco para o Governo, o número três pelo círculo eleitoral do Porto acaba por assumir o lugar de deputado do CDS e fazer companhia a Paulo Núncio. O Parlamento é uma casa que conhece bem, uma vez que já tinha sido deputado em seis legislaturas antes desta. Já foi governante, tendo sido secretário de Estado da Administração Interna durante dois anos, o que apanhou os dois anos finais do governo da troika e do curto governo de 27 dias de Passos Coelho. É conterrâneo de Pedro Nuno Santos, continuando a ser vereador em São João da Madeira. Já foi presidente do Belenenses e é presidente honorário da Juventude Popular.
José Ribeiro e Castro
José Ribeiro e Castro nunca foi bem tratado pelo portismo — do qual Nuno Melo é um fiel herdeiro e com quem travou algumas batalhas internas. O antigo líder do CDS reaproximou-se da família democrata-cristã durante o reinado de Francisco Rodrigues dos Santos e empenhou-se nas lutas travadas pelo antigo presidente do partido, criticando todos aqueles que se opunham à direção do partido. O fim de ciclo de Rodrigues dos Santos e a perda de representação parlamentar voltaram a afastá-lo da vida interna do CDS. Durante um período de tempo, ensaiou algumas críticas a Nuno Melo, sugerindo que estava a ser apagado da fotografia. Nos últimos meses, no entanto, tem estado mais presente, tendo inclusivamente marcado presença no momento simbólico em que o partido voltou a colocar a placa do CDS na Assembleia da República. Nunca será um indefetível de Nuno Melo; mas decidiu fazer parte da solução.
Pedro Mota Soares. O europeu que nunca o foi
Pedro Mota Soares faz parte das escolas de formação do portismo que chegaram ao topo que um partido como o CDS pode ambicionar: ao Conselho de Ministros. Quando o CDS foi para o Governo em 2011, fez parte da equipa que negociou o acordo de coligação com o PSD de Pedro Passos Coelho e foi um dos três ministros centristas que integraram o Governo. Foi líder da Juventude Popular, quando ainda se chamava Juventude Centrista, ainda no tempo de Manuel Monteiro, mas acabaria por ajudar Paulo Portas a tomar conta do partido. Foi deputado em várias legislaturas, chegando a ser líder parlamentar. Em 2019, quando o CDS julgava estar numa boa fase foi escolhido como número dois da lista às Europeias. Já estava preparado para ir de malas e bagagens para Bruxelas, mas o CDS apenas conseguiu eleger um eurodeputado. Nunca escondeu o desejo de ir para o Parlamento Europeu, o que o poderia colocar como um dos favoritos a ocupar o lugar potencialmente elegível que o CDS tem na lista da Aliança Democrática nas eleições europeias de 9 de junho.
Manuel Monteiro
Era uma ferida aberta no CDS. Manuel Monteiro assumiu a liderança do CDS em 1992, com apenas 29 anos e com o apoio tácito de Paulo Portas. Deixou a liderança em 1998, já em rutura com o portismo, e fundou, mais tarde, em 2003, o partido Nova Democracia, com resultados muitos modestos. A última vez que concorreu às eleições, nas legislativas de 2011, a Nova Democracia obteve 0,21%, com 11.806 votos, longe de eleger qualquer deputado. O seu eventual regresso ao partido foi sempre um assunto mal resolvido — ao ponto de Assunção Cristas ter deixado o assunto na gaveta. Voltou pela mão de Francisco Rodrigues dos Santos e ganhou novamente influência. Em 2022, apareceu no Congresso do CDS e levantou a sala com um discurso de inequívoco apoio a Nuno Melo. Aceitou fazer as pazes com Paulo Portas e presidir ao Instituto Adelino Amaro da Costa, não faltando à chamada na fase mais delicada da vida do partido.
Os ausentes-presentes
Paulo Portas
Antes de Pedro Passos Coelho, Paulo Portas percebeu que o novo ciclo aberto pela ‘geringonça’, em 2015, significava também o seu próprio fim de ciclo. Organizou a sucessão e deixou a sua linha estratégica — personificada por Assunção Cristas — à frente do partido. A vitória de Francisco Rodrigues dos Santos (apoiado por todos aqueles que, durante muito tempo, foram a oposição interna ao portismo) foi um duro golpe no seu legado. Mas as circunstâncias precipitaram um reencontro: o CDS desapareceu do Parlamento, Nuno Melo tomou conta do partido, e Paulo Portas decidiu envolver-se pessoalmente no relançamento do CDS. Marcou presença nos eventos mais simbólicos do novo ciclo democrata-cristão, foi instrumental nas negociações para a nova Aliança Democrática e juntou-se à coligação em várias iniciativas públicas, antes e durante a campanha eleitoral — fez, aliás, um dos melhores discursos da corrida eleitoral, num jantar-comício, em Ourém. No dia em que o partido voltou a pôr a placa na Assembleia da República, não conseguiu esconder a emoção. Segundo apurou o Observador, Portas não irá a Viseu, mas a ausência não deve ser interpretada como um sinal de afastamento — foi e continua a ser a grande influência no CDS.
Assunção Cristas
Tal como Paulo Portas, Assunção Cristas não deverá marcar presença neste Congresso do CDS. Ainda assim, a líder do CDS, que se afastou da vida política depois do mau resultado nas eleições legislativas de 2019. Durante o período em que Francisco Rodrigues dos Santos foi, muitas vezes, responsabilizada pelo declínio do partido. Ainda assim, evitou sempre envolver-se no bate-boca interno. Aceitou voltar a aparecer para ajudar o CDS, quer na rentrée do partido, em setembro de 2023, quer no toque a rebate do partido, em novembro. Durante a campanha eleitoral, e depois da polémica intervenção de Paulo Núncio sobre o aborto, aceitou juntar-se à campanha da Aliança Democrática para defender o papel das mulheres. Apostada na vida profissional, vai manter-se afastada da política ativa. Mas continua a ser um trunfo para Nuno Melo.