Economia cultural. Criatividade. O dinheiro de mãos dadas com os artistas. Ou como a indústria pode ser arte e a arte um negócio. É preciso trabalhar e ter uma estratégia, diz Rosina Gómez-Baeza, presidente da Factoría Cultural, centro de indústrias criativas em Madrid. E acreditar nas ideias, tal como faz a mulher que já foi presidente do Instituto de Arte Contemporânea de Madrid e diretora da ARCO. As suas palavras encheram a plateia do cinema São Jorge, em Lisboa, onde decorreu o primeiro fórum dedicado aos gestores de hubs (centros) criativos da Europa, o European Creative Hubs Forum Lisbon’15.
Em 2011, o setor cultural e criativo gerou um volume de negócios de 5,1 mil milhões de euros em Portugal e empregou 78,6 mil pessoas, sendo que 34,8% têm habilitações a nível do Ensino Superior, de acordo com a publicação Estatísticas da Cultura do Norte 2012. “É uma nova economia. A economia criativa é uma realidade e é importante que a trabalhemos”, diz Rosina Gómez-Baeza. De acordo com as mesmas estatísticas, em Portugal existiam 53.361 empresas da área cultural e criativa nesse ano. Na União Europeia, o setor contribui com 860 mil milhões de euros, o que equivale a 6,8% do PIB europeu, de acordo com o estudo da Forum D’Avignon.
“Os artistas não gostam muito da palavra indústria, mas a verdade é que a arte sempre esteve muito próxima do negócio, do dinheiro, desde sempre”, explicou Cristina Farinha, diretora executiva da ADDICT – Agência para o Desenvolvimento das Indústrias Criativas, e um dos organizadores do fórum. Até porque artes não são apenas as clássicas. “Agora, fala-se cada vez mais em criativos e atividades criativas e menos em artistas. Pode ser um novo conceito, uma amplitude do conceito da arte”, referiu. É aqui que emergem os novos negócios e hubs criativos como o Lx Factory ou o Village Underground, em Lisboa, e o Oliva Creative Factory ou os Laboratórios Criativos Guimarães, no Norte.
Mariana Duarte Silva lançou o Village Underground Lisboa, um centro cultural que funciona como espaço de escritórios para a indústria criativa, em abril de 2014. Mas a luta começou três anos antes: depois de ter regressado de Londres para montar em Lisboa uma espécie de réplica do espaço onde chegou a trabalhar na capital inglesa. À beira Tejo, há 14 contentores marítimos a albergar 11 projetos em áreas tão distintas como a música, a street food, o teatro, a televisão ou literatura. Quando já tinha quase tudo para avançar com o Village em Lisboa, faltava-lhe o espaço. Foi a Câmara Municipal de Lisboa que apoiou o projeto.
O financiamento veio da linha de crédito Finicia (cerca de 45 mil euros), programa promovido pelo IAPMEI – Instituto de Apoio às Pequenas e Médias Empresas e à Inovação e do Montepio (67 mil euros). Os sócios do projeto – Mariana e o fundador do Village Underground London, entraram com o resto do dinheiro: 112 mil euros. “É uma indústria [a criativa] que está em crescimento e que está muito desenvolvida no Reino Unido, mas no resto da Europa ainda não”, revela. Para que se desenvolva, é preciso criar uma rede de contactos entre os vários hubs criativos, diz.
“Há necessidade de haver uma rede de contactos, porque são espaços novos, que têm criativos muito diferentes. Falta-nos treino, saber como fazer as coisas. É preciso um manual de instruções sobre como gerir estes espaços”, diz. E chama a atenção para outro aspeto: os fundos europeus para as indústrias criativas “que não chegam sequer a ser aplicados”. A responsável pelo hub que foi distinguido como a novidade do ano pela revista Time Out diz que há falta de informação.
Sobre os empreendedores/criativos que chegam ao Village diz que “veem atrapalhados com tudo”. “Não sabem bem como começar, quais são os timmings certos para lançar a empresa, o que é preciso ou como gerir as expectativas”, revela.
Filipa Baptista, da empresa Mainside, responsável pela gestão do Lx Factory, explica que quando a empresa adquiriu o espaço onde agora moram mais de 150 projetos, o projeto era de investimento, que passava pela revitalização e construção de novos edifícios, inserido no plano Alcântara XXI. A crise de 2008 e o atraso no licenciamento dos projetos fizeram a empresa mudar de rumo: aproveitaram os espaços já existentes da originária Companhia de Fiação e Tecidos Lisbonense – que depois passou a Companhia Industrial de Portugal e Colónias, à tipografia Anuário Comercial de Portugal e à Gráfica Mirandela – e transformaram-nos numa fábrica de experiências.
Nos cerca de 23 mil metros quadrados do Lx Factory, moram mais de 150 projetos de varias áreas criativas, da literatura à arte à moda ou à gastronomia. No site, o projeto define-se como uma “ilha criativa ocupada por empresas e profissionais da indústria“. Para a arquiteta, que foi uma das responsáveis pela implementação do projeto, transformar o plano inicial num centro criativo também passou pelo facto de os criativos terem “outro entendimento” do espaço. “Dirigimo-nos ao público que achámos que melhor se adequava a este espaço”, explicou.
Essencial é que se desenvolvam organizações sustentáveis. Para a responsável pela ADDICT, é isto que os profissionais criativos têm de aprender. Mas é preciso que desenvolvam as competências que vão permitir com que repensem a sua atividade enquanto agentes que intervêm no mercado. “Aí, não é só a questão técnica e artística. Têm que saber prever, posicionar-se, relacionar-se, apresentarem-se. Isto são competências que são cada vez mais necessárias a todos”, explica. Contudo, não duvida: “há cada vez mais projetos que podem dar lucro e gerar emprego”.
Rosina Gómez-Baeza concorda. Para fazer da arte negócio é preciso que os empreendedores procurem apoio. “Há muitos hubs em Portugal. Em Espanha, não há tantos e temos uma população de cerca de 46 milhões de pessoas. Aqui, já é como se fosse uma espécie de tradição”, diz. E não hesita em dizer que para lançar um negócio na área das indústrias criativas é essencial que os empreendedores “olhem para fora deles próprios”.
“Tentem descobrir se existe alguém que esteja a fazer algo semelhante, conhecer a concorrência, tentar desenvolver um bom produto. Temos de ter a qualidade como um dos nossos principais objetivos. E podem falhar uma, duas ou mais vezes, mas têm que se manter ativos. Têm que trabalhar muito e aprender as competências dos negócios”, explica.
A solidão não é o caminho. Para empreender e viver daquilo que pode começar por ser uma paixão, é importante que os artistas colaborem com outros profissionais. Daí a importância dos hubs – são eles que estabelecem as pontes entre os vários agentes do mercado: empresas, investidores, indústria. “Se os artistas estiverem dispostos a aprender tecnicamente o que precisam para produzir o seu trabalho e estiverem preparados para se ligarem a outras pessoas e estabelecer uma rede de contactos, têm tudo para o sucesso”, diz.
A moda passa pelas indústrias criativas
E se têm a arte, também têm de ter o engenho. A presidente da Factoría Cultural explica que é preciso que estes empreendedores dominem as ferramentas necessárias ao negócio: onde encontrar investimento, como proteger o trabalho em termos de direitos de autor, como apresentar um projeto, como se apresentarem a si próprios. “A comunicação é muito importante”, diz. E Cristina Farinha concorda: “Eles têm de saber vender-se, como se diz corriqueiramente. Têm de desenvolver competências na área da comunicação, apresentar-se, saber falar com a mesma terminologia. Por outro lado, também não é a todo o custo. Não têm de se transformar no que não são”, explica.
Para passar da ideia ao negócio, é preciso investimento, dinheiro para transformar a arte em lucro. E ainda que o apoio público seja importante para que os criativos não fiquem sujeitos “aos constrangimentos do mercado”, Cristina Farinha adianta que os investidores também estão mais despertos para os negócios criativos. Podem não ser negócios de crescimento tão rápido quanto os tecnológicos, mas os investidores já conseguem ver as diferenças.
“Tem havido muito burburinho e as indústrias criativas estão na moda”, adianta, sem se esquecer de referir que ainda existem alguns “tabus” entre as duas entidades: investidores e artistas. “Ainda há muitos preconceitos, mas também começa a haver investidores que se interessam pelo setor, que se especializam e que começam a perceber as especificidades destes negócios”, revela. E deixa uma sugestão: a criação de fundos de capital de risco específicos para as indústrias criativas.
Rosina acrescenta que, no final, está tudo nas mãos – melhor, na voz – dos empreendedores/artistas. “Tudo depende do pitch (apresentação do projeto), do quão bom ele ou ela são a fazê-lo. Se tiverem uma história para contar, as ideias estiverem bem estruturadas e desenvolvidas, e houver uma necessidade para aquele produto, vão encontrar o dinheiro”, adianta. Importante é que encontrem alternativas e se liguem a outros agentes da economia.”É isso que eu ando a fazer: a estabelecer ligações entre os diferentes mundos, como os negócios, indústria, comunicação. É para isso que os hubs servem”, refere Rosina.
Cristina Farinha acrescenta que é importante que os profissionais do setor se liguem a outros setores. “Se calhar, é aí é que está a grande riqueza. O contributo que podem dar à organização, à imagem, comunicação os processos de trabalho. Hoje em dia é um designer que pensa os processos de trabalho. A criatividade não é só dos artistas. Todas as equipas precisam de criatividade”, revela.
Mariana Duarte Silva adianta que ainda existe algum preconceito sobre estes projetos e que os investidores tendem a apoiar mais projetos digitais, de software ou ligados a aplicações móveis. E dá o exemplo de Pedro Miguel Rocha e do programa de televisão, Contentor 13, que se estreou a 8 de janeiro na RTP 2. Para avançar com a produção, precisou de financiamento, que não conseguiu através de investidores, mas através de um banco. “O nosso principal problema é o dinheiro. Gerimos um negócio, precisamos de crescer e precisamos que acreditem em nós”, revelou.
Cristina Farinha traz à conversa outro fator que lhe merece atenção: a necessidade que o país tem de reter talento e de encontrar a forma correta para que este capital humano qualificado tenha mais opções além da partida. “É preciso muni-los com as competências para que consigam, caso não encontrem emprego, dar a volta de outra forma. Mas para isso também é preciso que haja investimento através de fundos ou bolsas. E às vezes não são precisos grandes investimentos de milhões, porque já não estamos na fase do betão”, diz, acrescentando uma sugestão: um fundo específico para garantir que há investimento na criação.
E se há setor da economia que casa bem com a criatividade é, segundo Cristina Farinha, o turismo. A responsável pela ADDICT adianta que o país tem de promover o seu património cultural, mas também a produção de arte contemporânea. Até porque é preciso exportar. “Temos de motivar as redes, os contactos e a promoção no exterior. Porque nós ainda temos muita dificuldade em sair, apesar da nossa emigração. Também somos periféricos e isso é incontornável. Custa-nos muito mais a nós irmos a algo que se está a passar em Berlim do que alguém que mora em Paris ou em Bruxelas”, diz, acrescentando que a tecnologia ajuda, mas que também é preciso estar presente. “Para que se lembrem de nós”, revela.