Em Sintra, seis turmas do oitavo ano da escola Básica e Secundária Rainha D. Leonor de Lencastre não têm aulas de Inglês desde o início do ano letivo. Na prática, em breve aqueles alunos terão um ano inteiro da disciplina que simplesmente não existiu. É um caso extremo, mas não é caso único no que diz respeito a um universo escolar com cada vez mais dificuldades em recrutar professores e conseguir preencher todos os lugares. No mesmo agrupamento, na escola Básica S. Marcos n.º1, duas turmas de primeiro ciclo não têm professor desde janeiro e os cerca de 50 alunos foram distribuídos por outras turmas da escola. O diretor do agrupamento alerta que os professores “vão entrar em desgaste” com a necessidade de redobrar esforços.
“Há áreas mais difíceis de contratar”, começa por partilhar o diretor do agrupamento de Escolas D. João II, em Sintra. “Estamos sem professor de Inglês desde o início do ano“, concretiza Paulo Campos. Estão em causa, concretamente, seis turmas de oitavo ano, o que corresponde a cerca de 150 alunos afetados por esta situação.
A professora encarregue de dar as aulas a esta língua estrangeira apresentou um atestado médico no final de setembro, mas já lá vão sete meses e o substituto ainda está por chegar: “Não há ninguém na reserva (de recrutamento). Agora, com a contratação de escola, a esperança é que surja alguém com habilitação (por exemplo, uma licenciatura em Tradução), mas nem assim”, conta o diretor do agrupamento.
De acordo com Paulo Campos, o contrato em questão é de “horário completo e com uma remuneração bruta de 1600 euros mensais”, mas nem isto se revela atrativo o suficiente. O professor mostra-se preocupado com o facto de os estudantes passarem de ano sem estarem devidamente preparados para isso — por terem passado um ano inteiro praticamente sem uma aula à discplina — e destaca que o atraso nas aprendizagens pode levar alguns pais a “equacionar recorrer ao privado, e isso não é desejado”.
Na passada terça-feira, a Fenprof (Federação Nacional dos Professores), citada pelo Jornal de Notícias, avançava que, no intervalo de um ano, o número de professores em falta duplicou, estimando ainda que, naquele momento, de acordo com dados da própria Federação, mais de 32 mil alunos não tinham atribuídos os professores a todas disciplinas do currículo escolar. Uma das que apresenta mais horários por preencher é Inglês, mas também Português, Francês e Matemática.
Já em setembro o Observador tinha revelado que este ano se registavam carências de professores a disciplinas centrais — casos de Português e Matemática — superiores a qualquer outro ano anterior desde que há registo. A meio desse mês, precisamente em cima do arranque do ano letivo, estavam em falta nas escolas quase o triplo dos professores de Português e o dobro dos de Matemática no 3.º ciclo e no ensino secundário, em comparação com o ano anterior.
“Impossibilidade de substituir professores de primeiro ciclo”
Segundo a Fenprof, o primeiro ciclo tem também vários horários por preencher. Esta é uma realidade que a escola Básica S. Marcos n.º1 vive e que se tem vindo a agravar, diz Paulo Campos. “Temo-nos deparado com a impossibilidade de substituir professores de primeiro ciclo. Desde janeiro que temos duas turmas de terceiro ano sem professor. Há uma ausência por atestado médico e uma por licença de maternidade”, detalha.
Seguro de que “até ao final do ano letivo não voltam”, o responsável pelo agrupamento ainda tentou encontrar um substituto, mas sem sucesso. “A reserva já não tem professores e em contratação de escola também não existe ninguém”. A solução foi redistribuir os cerca de 50 alunos afetados pelas restantes turmas de terceiro ano.
Governo vai apresentar plano de emergência para resolver falta de professores
“O primeiro ciclo é impactante e isto preocupa os pais. São os anos de alicerce, em que se estabelecem métodos de estudo”, diz Paulo Campos, alertando que “os professores que recebem estes alunos vão entrar em desgaste”. Isto porque, além de se depararem com turmas maiores, têm também de arranjar soluções para os problemas de espaço e lidar com a “burocracia habitual” associada à profissão.
Há sete anos que Paulo Campos dirige este agrupamento de escolas, mas “nunca tinha tido um primeiro ciclo deserto” de professores nas reservas de recrutamento. “Antes, quando necessitava de substituir tinha 50 a 70 professores, agora já não”.
A par da diminuição do número de professores, Paulo Campos acrescenta que “têm ingressado muitos alunos estrangeiros” nas escolas, que chegam a Lisboa e se fixam em Sintra. O número de crianças aumenta na região, “ao inverso” do que acontece no resto do país, o que contrasta com o número de professores, que é cada vez menor.
Escolas recorrem às reservas desde outubro
José Costa, presidente do Sindicato dos Professores da Grande Lisboa (SPGL) e secretário-geral adjunto da Fenprof, diz que, de acordo com dados de há cerca de três meses, recolhidos pela Fenprof, “em outubro/novembro, já não havia professores” para várias disciplinas, entre as quais Inglês. Já nessa altura as escolas “iam às reservas de recrutamento”, que agora estão ainda mais vazias.
O presidente do SPGL destaca que “22,6% das escolas que responderam ao inquérito disseram que ao longo de todo o primeiro período nunca conseguiram completar o corpo docente”. É mais de um quinto das que participaram no levantamento, uma situação que, a manter-se, já afetaria milhares de alunos. “Agora, admite-se que estes valores, no segundo e terceiro período, se tenham agravado”, acrescenta.
O Observador questionou o Ministério da Educação, Ciência e Inovação (MECI) sobre se está prevista a implementação de alguma medida mais imediata para solucionar a falta de resposta das reservas de recrutamento, mas não obteve resposta até à publicação deste artigo. Na passada terça-feira, o responsável por esta pasta, Fernando Alexandre, avançou que será apresentado “um plano de emergência para resolver o problema da falta de professores em breve”, reconhecendo que a situação “não se resolve de um dia para o outro”.
Os professores têm vindo a exigir a valorização da carreira e a recuperação integral do tempo de serviço congelado, assim como a diminuição da burocracia. No programa de Governo estão previstas medidas como a recuperação do tempo de serviço “à razão de 20% ao ano”; a criação de “incentivos para a fixação de docentes em zonas de baixa densidade ou onde há falta de professores”; a desburocratização do trabalho dos professores e a implementação de “um plano de recuperação da aprendizagem”, o A+A (“Aprender Mais Agora”). Sem referências diretas às dificuldades que se têm verificado com a escassez de professores na bolsa de recrutamento — e sem medidas explicitamente desenhadas para colmatar essas dificuldades —, o que se prevê é que a situação possa ser melhorada com o reforço das condições de atratividade da carreira docente.