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Chris Martin, o cantor-compositor que é o paradigma de uma certa estrela pop: bem comportado, melancólico mas esperançoso, elo de união entre multidões e algo mais

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Chris Martin, o cantor-compositor que é o paradigma de uma certa estrela pop: bem comportado, melancólico mas esperançoso, elo de união entre multidões e algo mais

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Entre as multidões que os adoram e aqueles que os odeiam: de onde vem o sucesso dos Coldplay?

Não profetizam uma revolução, estão longe de ditar novas tendências e chegam a ser "pessoas normais". Agora, preparam-se para tocar perante 220 mil pessoas em Coimbra. Como se explica este fenómeno?

Esta quarta, quinta, sábado e domingo (dias 17, 18, 20 e 21 de maio), uma massa humana vai a Coimbra para ver os Coldplay ao vivo no estádio da cidade. À partida, a maior parte das pessoas que estarão nos concertos da banda inglesa (foram vendidos 220 mil bilhetes) não serão de Coimbra, o que implica que além do bilhete vão pagar gasolina e dormida, além de refeições, para assistiram a banda de rapazes brancos tocarem canções emocionais, sem grandes pirotecnias ou truques de palco (duvida-se, por exemplo, que Chris Martin, o pianista e vocalista da banda, abane o rabo tanto e tão bem como Beyoncé).

Quatro concertos no mesmo sítio é uma raridade – raios, quatro concertos no mesmo país é uma raridade, exceto se estivermos a falar de uma banda gigante como os Rolling Stones. Mas no caso dos Stones compreende-se porque é que cada estádio onde atuam está cheio, mesmo que à hora a que os concertos decorrem por norma as pessoas da mesma geração dos membros da banda já estejam a dormir.

Ouça aqui o episódio do podcast “A História do Dia” sobre o fenómeno Coldplay.

Como se explica o fenómeno Coldplay?

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É que se os Stones foram, inicialmente, uma simples imitação branca dos blues americanos, raramente se tornaram pioneiros da conversão do mesmo em rock’n’roll; lideraram uma revolução que foi a invenção do adolescente, uma espécie de pré-adulto que quer quebrar as regras, revoltar-se contra os poderes instituídos e, pelo meio, ter sexo e beber e tomar drogas. A geração a que os Stones pertenciam escolheram-nos como banda-sonora num mundo em que não havia muita escolha: ou se estava do lado do rock’n’roll, ou se estava do lado dos pais. Até hoje, os Stones transportam essa carga mítica, mesmo que há muito se tenham transformado numa empresa corporate que alimenta centenas de famílias e que um concerto seu seja mais uma questão de saúde física (como é que Mick Jagger, com aquela idade, consegue correr tanto) que musical.

[o trailer da digressão Music of the Spheres dos Coldplay:]

Vai-se a um concerto dos Stones para se poder dizer que se foi a pelo menos um concerto dos Stones na vida, para se conferir que sim, eles existem, estão ali, são aqueles pontos pequeninos no palco lá ao fundo, estão ligeiramente maiores no ecrã gigante. Na década de 60, a audiência dos Stones era composta por rapazes que queriam ser como os Stones e raparigas que queriam os Stones e lançavam roupa interior para o palco. Hoje, vão famílias inteiras aos concertos, como quem se desloca à Disneylândia.

Mas os Coldplay (que conseguiram a maior e mais rápida venda de bilhetes da história dos concertos em Portugal) não têm todo esse contexto histórico a seu favor – eles não são os últimos sobreviventes de uma geração que se opôs ao Vietname e ninguém os pode acusar de legitimarem os comportamentos desviantes; antes pelo contrário, quanto muito são apodados de betinhos, lamechas e chatos pelos melómanos que não os apreciam. Eles não cantam a propósito de sobredoses de heroína, sobre dançar a noite inteira debaixo do efeito de MD, sobre orgias ou práticas sexuais incomuns. Eles parecem ser – e uso esta palavra com muito cuidado, tendo em conta que estamos a falar de músicos – pessoas normais.

"Parachutes" podia muito bem ser uma bula medicinal: se estiver a sentir-se meio triste, ligeiramente solitário, se achar que o mundo não faz sentido, que não tem amigos, que as suas relações amorosas falham sempre e provavelmente por sua responsabilidade, se achar que nunca vai ser feliz, oiça "Parachutes". E "Parachutes" foi ouvido.

Talvez essa normalidade tenha contribuído para a popularidade dos Coldplay: quando em 2000 lançaram Parachutes, o seu disco de estreia, os Radiohead já haviam abandonado a música deste mundo, já tinham deixado de ser uma simples banda de rock indie; depois de The Bends (de 1995) guinaram rumo à música exploratória em OK Computer (1997) e levaram as experiências (com a eletrónica, o jazz) ainda mais longe em Kid A, que saiu mais ou menos na altura em que os Coldplay surgiram com Parachutes.

[“Yellow”:]

A nova geração do indie-rock só chegaria um ano depois: os Strokes lançaram Is This It em 2001, e por muito bom que o disco fosse, não era propriamente inovador; para descobrirmos algo verdadeiramente novo e excitante teríamos de esperar pela estreia homónima dos LCD Soundsystem (em 2005), pese embora já houvesse uma revolução a caminho, pelo menos para quem apreciava eletrónica (os Daft Punk lançaram Homework em 1997).

Uma tese explicativa do sucesso dos Coldplay seria que eles aproveitaram o espaço deixado no mainstream pelo Radiohead – The Bends tornara os Radiohead nos eventuais novos U2, mas os Radiohead guinaram rumo ao desconhecido, arrastando com eles todos os jovens sedentos de música aventureira; e deixando órfãos todas as pessoas que apreciavam canções clássicas e melancólicas.

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Chris Martin ao piano e Jonny Buckland à guitarra, a dupla responsável pelo esqueleto da identidade sonora da banda, ainda que as canções sejam habitualmente creditadas aos quatro músicos

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Parachutes podia muito bem ser uma bula medicinal: se estiver a sentir-se meio triste, ligeiramente solitário, se achar que o mundo não faz sentido, que não tem amigos, que as suas relações amorosas falham sempre e provavelmente por sua responsabilidade, se achar que nunca vai ser feliz, oiça Parachutes. E Parachutes foi ouvido, em particular o single “Yellow”, que hoje conta com 1625979987; são 1625 milhões de audições para ouvir Chris Martin cantar:

“Look at the stars
look how they shine for you
and everything you do
Yeah, they were all yellow”

Não é exatamente certo porque é que Martin nos quis informar que todas as estrelas no céu são amarelas (e é dúbio que seja assim), mas quem não gosta de saber que todas as estrelas no céu brilham por nossa causa (o que é ainda mais dúbio)? Foram canções assim que levaram o jornal inglês The Guardian a proclamar que os Coldplay são “demasiado ‘seguros” e que se pode aventar a hipótese de criarem “música que é inofensiva e sem riscos”, isto apesar de possuírem “um talento indiscutível para escrever canções que criam relações com o grande público”. A conclusão final era que os Coldplay eram “frequentemente acusados de cair no vazio, produzindo hinos de estádio que são melosos e previsíveis”. Por sua vez, o NME declarou, certo dia, que “é difícil sentir que há algo real nas emoções expressas nas letras”, uma acusação comum nas guerras da pop.

Uma parte da crítica considerou Viva la Vida or Death and All His Friends um ponto de viragem na carreira dos Coldplay, o momento em que eles deixaram de ser a banda que fazia baladinhas para os casais ficarem muito juntinhos e se prepararem para empernar. Mas chamar-lhe "experimental" é esticar a boa vontade.

Os Coldplay não são, no entanto, um daqueles casos em que a crítica diz mal enquanto o público delira – e desde o primeiro momento sempre cindiram as opiniões, o que não deixa de ser curioso numa banda que parece ser o equivalente musical da camisa azul com calça beige, uma banda que parece ser composta por aquele primo que aparece sempre a horas na comunhão dos nossos irmãos e nunca faz grande barulho nem come com as mãos nem se embebeda nos casamentos.

Desde o início que os Coldplay tiveram acérrimos defensores – na Rolling Stone houve quem os desse como exemplo de que “a música popular pode ser profundamente emotiva sem ser simplista ou superficial”, um argumento que costuma ser usado com regularidade pelos seus apoiantes. O argumento seguinte já obrigaria a que fôssemos todos estudar teoria musical: as canções dos Coldplay, argumenta-se, “são fáceis de cantar, mas não fáceis de escrever”, e assim se conclui que “é por isso que os Coldplay têm sido capazes de preencher estádios ao redor do mundo por mais de uma década”.

[“Viva La Vida”:]

Não é muito certo que a dificuldade em compor ou tocar ou soar fácil seja a razão do sucesso de uma canção – temos o precedente dos Beatles, cujas composições são, não raro, bem mais complexas do que a melodia principal dá a entender, mas por outro lado temos “Crazy In Love”, de Beyoncé, que é, basicamente, a entrada de metais de “Are You My Woman? (Tell Me So)” dos Chi-Lites – qualquer produtor minimamente competente consegue criar “Crazy In Love”, o difícil é ouvir naquela entrada de metais uma canção nova de r’n’b – ou seja, o génio está na ideia, não propriamente na complexidade da mesma.

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Os não-apreciadores dizem que eles se limitam a olhar para o topo das tabelas de vendas e enxertar os géneros da moda nas suas composições, os defensores veem nisso um sinal de vitalidade

AFP via Getty Images

Beyoncé, tal como Madonna, também enche estádios – mas no caso dela é mais fácil perceber porquê: além da quantidade absurda de singles de sucesso, ela encarnar uma imagem da mulher que toma conta da sua vida e mesmo quando é traída pelo marido não aceita passivamente a traição, antes sai rua fora a partir tudo o que lhe aparece pela frente. A gestão da imagem pública de Beyoncé (poderosa, sensual e em total controlo do que em si é objetivificável) contrasta com a imagem de moços aleatórios, sem nenhuma característica distintiva, dos Coldplay.

Claro que houve o casamento de Chris Martin com Gwyneth Paltrow, que o elevou a todo um novo patamar de popularidade, mas, mesmo sendo Paltrow uma empreendedora de sucesso, não se pode dizer que seja Beyoncé – que emane aquela aura de pura sexualidade e auto-controlo que Beyoncé exsuda a cada passo num palco ou movimento de anca num vídeo: as mulheres querem ser como Beyoncé, os homens querem Beyoncé. A quantidade de mulheres que querem ser Paltrow e a quantidade de homens que querem Paltrow será, certamente, menor do que no caso de Beyoncé.

Ao contrário de Beyoncé, cujas mudanças têm um significado sociológico preciso, cujas edições têm o condão de alterar o curso da música que se vai fazer nos anos seguintes, as mudanças dos Coldplay parecem acompanhar o gosto comum vigente.

Admita-se que Martin e os seus colegas de banda não se dedicaram apenas a música melancólica com o ocasional refrão aperfeiçoado para ser amplificado num estádio – com Viva La Vida or Death and All His Friends (de 2008) eles procuraram outro tipo de música, mais agitada, mais arriscada e até de visual mudaram. Assumiram-se como estrelas pop e jogaram o jogo, sacando um tremendo ás na forma de “Viva La Vida”, o principal single do disco, com a parte rítmica da canção a sustentar-se num arranjo de violoncelo (mais um bom exemplo de como uma boa e simples ideia consegue ser eficaz).

[“My Universe”:]

Uma parte da crítica considerou Viva la Vida or Death and All His Friends um ponto de viragem na carreira dos Coldplay, o momento em que eles deixaram de ser a banda que fazia baladinhas para os casais ficarem muito juntinhos e se prepararem para empernar. E é verdade que o disco, e em particular os arranjos, são mais elaborados e orquestrais do que o habitual; em linguagem de crítica musical, é o tipo de disco que leva a que se imprimam frases como “é a expansão da paleta musical da banda”, o que por norma significa que deixaram de fazer variações de uma só canção para fazerem variações de duas ou três canções. Mas chamar-lhe experimental, como a Rolling Stone fez, é esticar a nossa boa vontade no que diz respeito à latitude semântica da palavra “experimental”.

Honra seja feita aos Coldplay: depois de Viva la Vida, eles continuaram a mudar. O mais recente Music of the Spheres, de 2021, tem um lado eletrónico/funk que parece ser desenhado ao milímetro para colocar as pessoas a dançar – se não numa pista, pelo menos no meio de um concerto. “My Universe”, com o seu refrão grandioso, é daquelas canções que imaginamos que abrem um encore, botar a malta a abanar o pezinho antes de mais uma pianada triste. Se alguém disser “um dia estes gajos podiam ter sido os novos Radiohead”, os Coldplay podem apontar para “My Universe” e reciprocar “hey, nós também fizemos eletrónica, olha aqui esta cantiga”.

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Aqui os Coldplay em 2001, entre os álbuns "Parachutes" e "A Rush of Blood to the Head"

WireImage

Entre Viva La Vida e Music of the Spheres, os Coldplay continuaram a introduzir novos géneros – os não-apreciadores dizem que eles se limitam a olhar para o topo das tabelas de vendas e enxertar os géneros da moda nas suas composições, os defensores veem nisso um sinal de vitalidade: em Mylo Xyloto (de 2011) havia elementos eletrónicos e de hip-hop, o que levou Jon Pareles, o crítico que o New York Times costuma usar para as coisas que alcançam sucesso sem se perceber bem porquê, a escrever que “os Coldplay têm sido muito bons em mudar o suficiente para manter as coisas interessantes, sem alienar seus fãs antigos”, o que não é exatamente verdade: uma boa parte de quem os descobriu com Parachutes anda a ouvir Sudan Archives ou Big Thief ou Little Simz porque está, de facto, à procura de vozes únicas que tragam uma forma sua de compor. Mas todas as publicações têm este género de crítico, que tenta compreender como funciona a grande indústria.

O facto é que ninguém sabe exatamente o que causa o sucesso dos Coldplay – muito possivelmente esse sucesso não passa pelos novos discos, da mesma forma que as arenas cheias dos Stones não devem um bilhete às canções novas. Ao contrário de Beyoncé, cujas mudanças têm um significado sociológico preciso, cujas edições têm o condão de alterar o curso da música que se vai fazer nos anos seguintes, as mudanças dos Coldplay parecem acompanhar o gosto comum vigente.

Talvez, simplesmente, os Coldplay sejam a grande banda daquela gigantesca massa de pessoas que gosta de música, mas não se esforça por aí além por encontrar música nova. Talvez, simplesmente, já estejam naquele ponto da carreira em que famílias inteiras se deslocam para os ver de modo a poderem dizer que os viram, como quem vai a Paris e tira uma foto com a torre Eiffel nas costas.

Mas a precisa, exata e contundente razão do sucesso dos Coldplay? Muito possivelmente, nem o próprio Chris Martin a entende.

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