Governo entregue, problemas no PS. Fechadas as escolhas de António Costa e dos seus ministros, ficou um amargo de boca em alguns distritos onde as estruturas socialistas demonstram mal-estar por as suas localidades deixarem de ter representantes no Executivo. A redução de gabinetes prometida por António Costa fez-se à conta de dois ministérios extintos e 12 Secretarias de Estado que foram fundidas noutras e, como menos lugares disponíveis, surgem queixas de demasiada centralização do poder.

“O Governo está muito centrado em Lisboa“, queixa-se ao Observador um dirigente socialista do Norte do país quando olha para o Executivo que toma posse esta semana. “Quando o secretário-geral disse que ter maioria absoluta não significa ter poder absoluto… devíamos ter sido mais envolvidos”, atira referindo-se às estruturas locais. Até porque, com a maioria alcançada nas eleições de há dois meses, o Parlamento fica mais diminuído no interesse político.

Na mesma linha, um deputado do Norte do país resume o sentimento de parte das estruturas: “Não faz sentido o que está a acontecer. Isto seria um bom Governo da Área Metropolitana de Lisboa“. E remata com mais uma crítica que tem eco no partido: “Ter maioria absoluta não é poder absoluto…”.

Em rigor, olhando apenas para os ministros, sete (Mariana vieira da Silva, Gomes Cravinho, Pedro Adão e Silva, João Costa, Ana Mendes Godinho, Duarte Cordeiro e Evira Fotunato)   em 17 são nascidos na área da Grande Lisboa. Fernando Medina nasceu no Porto, mas não se pode dizer que seja lá que tenha qualquer ligação, já que fez a sua vida política (e não só) sempre por Lisboa. A grande maioria dos que nasceram noutra localidade segue esta mesma linha, tendo feito carreira e vida essencialmente na região de Lisboa.

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Há três nascidos em Coimbra, mas só Temido tem ligações à região pela qual foi cabeça de lista. Ana Catarina Mendes também nasceu lá, mas a sua ligação distrital é a Setúbal. E Catarina Sarmento e Castro, da Justiça, também nasceu em Coimbra, mas nestas eleições foi até candidata pelo círculo de Leiria. Helena Carreiras é de Portalegre, Pedro Nuno Santos de Aveiro e Maria do Céu Antunes de Abrantes. Ana Abrunhosa (cabeça de lista por Castelo Branco nas legislativas) e António Costa Silva nasceram ambos em Angola.

Os dirigentes socialistas contactados pelo Observador reconhecem, no entanto, que Costa se comprometeu a cortar no Governo e isso significaria, forçosamente, a saída de pessoas. Mas a queixa que agora se ouve é que, neste redimensionar de gabinetes, não foi tida em conta a representação territorial. Os Açores, por exemplo, deixaram de ter um ministro (Ricardo Serrão Santos viu extinto o Ministério do Mar) e ninguém do arquipélago entrou na equipa de Costa.

Os açorianos ainda viram Paulo Cafôfo, líder do PS-Madeira e antigo presidente da Câmara do Funchal, entrar para a Secretaria de Estado das Comunidades. E “perdeu eleições” na região autónoma, como anota um socialista apontando as últimas autárquicas. Outro socialista acrescenta ainda: “Podia ter tido mais consideração pelo presidente do partido” que é dos Açores (Carlos César).

Em Viseu, também há mal-estar entre a estrutura do PS. As hostes socialistas no distrito orgulhavam-se de ter dois nomes no Governo, Rosa Monteiro (secretária de Estado para a Cidadania e a Igualdade) e João Paulo Rebelo (secretário de Estado da Juventude e do Desporto) “e ficaram sem nada”, como anota um socialista que lamenta a decisão. São saídas que custam, sobretudo quando não foram compensadas por outras figuras do distrito.

Em Bragança, os dois eleitos eram ambos membros do atual Governo, os secretários de Estado João Alberto Sobrinho Teixeira (da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior) e Berta Nunes (das Comunidades), e nenhum dos dois foi reconduzido, passando a deputados (foram eleitos). Ficou apenas Isabel Ferreira, que passa da Secretaria de Estado da Valorização do Interior para a do Desenvolvimento Regional. Mas também entre os socialistas do Algarve se regista algum desconforto com o elenco final do Governo, segundo apurou o Observador, já que aquela região se habituou a ter atenção por parte de Costa que em 2015 levou para o Governo José Apolinário, antigo presidente da Câmara de Faro e  reputado dirigente local do partido, e em 2019 fez o mesmo com Jamila Madeira, que tinha sido cabeça de lista pelo distrito (entretanto saiu do Governo em rutura com Marta Temido).

Em Braga, o cabeça de lista José Luís Carneiro saiu promovido a ministro da Administração Interna, mas foi o único. “Há aqui um milhão e não há uma alminha que possa ir para o Governo?”, questiona um socialista da região.  “Havia muita gente habilitada em Braga”, garante outro dirigente do Norte que, ao mesmo tempo diz que “as pessoas votam nos candidatos locais com a expectativa que venham a estar representados na Assembleia da República, mas também no Governo”, sobretudo quando votam num partido de poder bem colocado para ganhar eleições.

Sobre José Luís Carneiro, a mesma fonte anota: “Agora que ele é de Baião [distrito do Porto], é… mas, pronto, fez campanha por Braga”. No Parlamento, outra fonte reconhece que Carneiro representa o Norte do país, mas ironiza: “É o único ministro que vem do norte do rio Mondego”.

Há, pelo menos, distritos em que as escolhas para secretários de Estado podem ajudar a compensar as perdas no elenco de ministros: apesar da saída de Tiago Brandão Rodrigues, ministro da Educação e eleito como cabeça de lista por Viana do Castelo, os dois candidatos seguintes do distrito entram no Executivo como secretários de Estado (casos de Marina Gonçalves, que se mantém na pasta da Educação, e José Maria Costa, secretário de Estado do Mar).

Já pelo Porto, onde o Público tinha dado nota do mal-estar das estruturas com a falta de representação no Executivo, entra no elenco dos secretários de Estado o deputado João Paulo Correia, com a pasta da Juventude e do Desporto. Os casos em que as saídas são compensadas não estão, no entanto, a ser suficientes para estancar as queixas no interior do PS.