Conheceram-se durante o mestrado em design de moda, em Milão. Ela nasceu no norte de Portugal. Ele, em Detroit, nos Estados Unidos da América. Inês Amorim rumou a Londres, onde estagiou com Yang Li. Reid Baker foi aprender com Haider Ackerman, em Antuérpia. Quando finalmente criaram uma marca juntos, batizaram-na com o nome do avô dele: Ernest W. Baker, um dos primeiros publicitários de Detroit. E convergiram na terra dela, Viana do Castelo, onde conseguem estar mais próximos das fábricas e artesãos que materializam os seus desenhos.
De Viana do Castelo aos Grammys parece uma distância longa para percorrer, mas a viagem não foi feita à pressa. “Sempre quisemos que o nosso crescimento fosse orgânico”, explica Inês ao Observador. Em fevereiro deste ano, toda a gente estava a falar sobre a marca portuguesa que Pharrell Williams e a mulher vestiram para os maiores prémios de música norte-americanos. Foi o stylist do músico quem os procurou, e não o contrário.
Unidos e discretos, os dois traçam o seu caminho sem olharem para o lado, com uma visão clara do que querem para a marca, sim, mas sobretudo da forma como querem trabalhá-la. A família é central, a liberdade também. Com as raízes cravadas no passado e a mira posta no futuro, os Ernest W. Baker voltam esta semana ao Portugal Fashion, com a coleção de outono/inverno que levaram em janeiro a Paris.
Leia a entrevista completa do Observador à dupla.
De colegas a parceiros, como é que foi esse início?
Inês — Conhecemo-nos a estudar, mas não começámos logo a marca. Quisemos primeiro ter alguma experiência e trabalhar com outros designers. O Reid trabalhou em Paris e em Antuérpia, e eu trabalhei em Londres. Sempre quisemos desenvolver algo que fosse mesmo só nosso, algo que fosse bastante pessoal, que envolvesse família. A partir daí começou a ideia do Ernest, que aos poucos fomos desenvolvendo.
O que é que encontraram um no outro para perceberem que queriam trabalhar juntos?
Inês — O facto de virmos de dois sítios diferentes, Portugal e os EUA. Quisemos trazer um pouco dessas culturas e influências para o nosso trabalho. Quando eu ia viajar para os EUA, tudo me inspirava e ele não percebia porquê, porque para ele eram coisas comuns. E o mesmo acontecia em Portugal, tudo o inspirava a ele. Quando já somos daqui, deixamos de ver coisas que podem ser inspiração. Sermos de países diferentes trouxe identidade à marca. Queremos transmitir american rawness with european elegance (“crueza americana com elegância europeia”, em tradução livre).
Como é que dividem o vosso trabalho?
Inês — É um trabalho muito colaborativo. Fazemos os dois a parte criativa, a escolha de materiais, design, estamos os dois envolvidos em tudo.
Quais diriam que são as vossas forças individuais e como é que elas se complementam entre si?
Reid — Chegámos a um ponto em que ambos temos uma visão muito clara da identidade da marca e de como queremos construir o futuro do nosso projeto. Temos sorte por ter uma relação muito fluida no que toca à criação e ao negócio. Talvez tenhamos os dois as nossas forças particulares. A Inês tem um sentido de criação inato, ela desenvolve naturalmente as ideias e os conceitos que nos fazem progredir conceptualmente. Eu dou por mim a construir a partir das ideias dela e a ver como podem ser concretizadas, desenvolvendo planos. Tentamos dar espaço para um ao outro para fazermos o que nos é natural e agradável, foi essa a razão pela qual começámos a marca inicialmente e queremos ter a certeza que mantemos este sentido de liberdade à medida que a marca e o negócio crescem.
Que impacto teve o reconhecimento dos prémios LVMH [ficaram no top 20 do concurso em 2017, com a primeira coleção que desenharam]?
Inês — Foi muito bom, principalmente porque ainda estávamos numa fase muito inicial. O [reconhecimento] ajudou a impulsionar a marca e a focarmo-nos [nela] a tempo inteiro. Como designers, há coisas que ajudam a dar confiança para continuar.
Foi aí que decidiram dar o salto para uma marca própria?
Inês — Sim. E que decidimos vir para Portugal e estar [aqui] a tempo inteiro. Portugal ajudou bastante no nosso crescimento. Estar perto da indústria e das pessoas que fazem as peças à mão, das fábricas… Ter a vertente de calçado, joalharia, malhas, tudo isso seria impossível se estivéssemos numa cidade maior.
Já sabiam desde o início que queriam vir para Portugal?
Inês — Achámos que Portugal era o sítio que ajudaria melhor no crescimento da marca. E tem tudo para ajudar uma marca de moda a crescer. Estar perto das pessoas nas fábricas ajuda muito.
Sentiam que nos EUA não iam conseguir ter essa proximidade?
Inês — Achámos que seria mais complicado, porque focamo-nos muito no produto, na parte do design e da qualidade. Aqui [Portugal] seria o [sítio] ideal para que isso acontecesse.
Reid, vindo de Detroit e Utah [estado norte-americano onde também viveu], o que encontrou de inspirador em Portugal, mais concretamente em Viana do Castelo?
Reid — Portugal tem definitivamente um sentido forte de identidade, foi provavelmente a primeira impressão que tive ao chegar aqui. Esse sentido forte de identidade e autenticidade é muitas vezes referenciado no nosso trabalho. Viana do Castelo é a casa da Inês e ela tem uma família muito grande a viver cá, o conforto e a ligação familiar forte são muito especiais. Todos os domingos, a família da Inês vem a casa dela e almoça no jardim, é uma rotina simples, mas algo tão bonito e refrescante. Sou incrivelmente grato por poder experienciar isto e sentir-me como um português nativo, algo que nunca poderia imaginar enquanto estava a crescer nos EUA. Este sentimento de amor e família é um elemento muito fundamental no nosso trabalho, também.
Falando em família, porque é que o avô do Reid [atualmente com 95 anos] foi tão determinante para o imaginário da marca?
Inês — Quisemos usar o nome do avô do Reid como um ponto inicial para aquilo que queríamos transmitir. Usamo-lo de uma forma mais literal, mas também de outra, mais abrangente. Ou seja, o nome transmitia algo muito clássico e quisemos pegar nessa parte clássica e trazê-la para o presente. Trazer o lado clássico para hoje em dia. Olhámos para o avô dele como a parte inicial para desenvolver aquilo que queríamos transmitir. Peças clássicas, mas contemporâneas.
O estilo de Ernest W. Baker também foi uma inspiração?
Inês — Sim. Clássico. O Reid diz que ele é um self made man. Conseguiu criar uma empresa do nada. Essa parte também foi bastante influenciadora. Uma pessoa bastante normal, como nós, que conseguiu criar uma empresa.
E da forma como se vestia, o que trouxeram?
Inês — Os elementos dos anos 70, a parte mais clássica.
Há sempre um saborzinho a anos 70 que foram buscar aí.
Inês — Sim, sim.
E acompanha o vosso sucesso? Como é para ele ver a marca a crescer?
Inês — Ele fica muito contente, mas não percebe porque é que usamos o nome dele, que é um nome muito clássico e antigo. Fica confuso, mas fica muito contente.
Não tiveram medo que, por escolherem um nome inglês, isso pudesse travar a receção em Portugal?
Inês — Sim, no início também pensámos [nisso]. Mas, quando começámos com a marca, sempre foi em volta da nossa identidade e não tanto a focar o que seria difícil. Quando começámos, pensámos sempre na imagem que queríamos transmitir, na ideia, nas inspirações. Mais nessa parte e não tanto na outra, que é mais burocrática. Em Portugal, percebo que ainda seja um pouco difícil, mas tem de haver mais diversidade nos nomes [das marcas], e em geral.
Durante a pandemia, receberam o primeiro convite para apresentar na Semana da Moda de Paris. Como se prepararam para o desafio?
Inês — Foi muito interessante para nós, principalmente porque também começámos a testar e a estudar outra plataforma, em vídeo. E a nossa marca sempre foi também muito influenciada pelo cinema, por isso foi muito interessante começar a fazer filmes e a trazer a parte cinemática de uma forma ainda mais forte. Trazer esse meio para a moda.
Em termos de visibilidade, que impacto é que teve de repente estarem no calendário oficial de Paris?
Inês — Foi muito importante. Tudo ajuda. Sempre quisemos que o nosso crescimento fosse orgânico. Focamo-nos sempre no nosso trabalho e é assim que queremos continuar. Aos poucos, cada coisa traz mais crescimento.
Reid, a marca está a ganhar cada vez mais visibilidade na Europa. Gostaria de a ver apresentada no seu próprio país, na Semana da Moda de Nova Iorque?
Reid — Sinceramente, nunca olhámos para a marca como sendo europeia ou americana. A nossa perspetiva foi sempre de desenvolver coleções bonitas e focarmo-nos no nosso trabalho. Gostamos de deixar as coisas abertas à interpretação para que, quem quer que seja, onde quer que esteja, possa apreciá-la pelos seus próprios motivos. Talvez no futuro pudesse ser interessante apresentar coleções nos EUA, mas para já estamos contentes por apresentar o nosso trabalho em Paris e no Porto.
E de onde apareceu o interesse do Pharrell Williams?
Inês — Há algum tempo que o stylist do Pharrell nos descobriu e começámos a trabalhar juntos e a colaborar em diferentes projetos. Com o A$AP Rocky também [o músico vestiu Ernest W. Baker no videoclipe do tema D.M.B], é o mesmo stylist [Matthew Henson].
Começaram por lhe enviar peças ou foi ele quem vos procurou?
Inês — Foi ele que nos procurou. Lá está, nós não estamos à procura de stylists nem a contactá-los para vestirmos celebridades. Foi algo orgânico.
O Justin Bieber também vestiu peças vossas.
Inês — Usou nos Grammys, quando atuou no ano passado. E também foi vestindo as nossas peças em concertos, enquanto estava em tour.
Como tem sido ver estas celebridades a vestirem a Ernest W. Baker?
Inês — É sempre muito bom e gratificante ver as celebridades e pessoas comuns a vestirem as nossas peças. Ficamos muito contentes.
Chegaram a conhecer algum deles, o A$AP, o Pharrell ou o Justin?
Inês — Não [risos].
Que tipo de reações recebem quando pessoas com esta projeção usam as vossas peças? O que acontece ao fluxo de procura?
Inês — Traz sempre bastante audiência para a marca e para nós. Somos um pouco nicho, mas as celebridades trazem uma audiência maior. Também vimos que em Portugal as pessoas começaram a olhar mais para nós e a ver a marca.
Mesmo na própria imprensa, como se viu nos Grammys.
Inês — Sim.
O Pharrell usou um conjunto vosso nos Grammys e a mulher dele usou um conjunto igual. Vocês começaram por ser uma marca masculina, mas depois resolveram também a aventurar-se numa perspetiva feminina.
Inês — Sim, esta última coleção foi a primeira que lançámos oficialmente de mulher. O título foi Grandma Chic e o conceito foi esse. Sempre olhámos de uma forma geral para o avô, mas nesta queríamos puxar mais a parte da avó, ver como o homem influenciava a nossa mulher e vice versa, fazer a ligação do homem para a mulher e da mulher para o homem.
Na loja online, nunca falam propriamente em menwear. Tentaram esbater essa barreira entre o masculino e o feminino? Como é que se posicionam nesse universo?
Inês — Sim, sempre olhámos para a moda como um pouco unissexo, tentando fazer a ligação entre os dois. Cada vez está mais desfocada, essa separação. Quisemos identificar também o lado feminino — tivemos mesmo saias — mas ao mesmo tempo trazer esses detalhes para o homem e do homem para a mulher. Fazer uma ligação e combinar entre os dois. Trazer códigos de um e do outro.
Acham que é esse o caminho que a moda está a seguir?
Inês — Sim, também achamos que cada vez mais as pessoas gostam de experimentar sem que haja barreiras entre aquilo que é homem e o que é mulher, ser mais uniforme.
Apesar de se inspirarem nos avôs e nas avós, o vosso público é bastante jovem.
Inês — Sim, é verdade. Quando começámos a marca, nunca pensámos que o nosso publico ia ser este ou aquele. Sempre nos quisemos focar na imagem, na identidade, na qualidade. Mas sim, acabou por chamar mais o publico jovem. Nós também olhámos para o tayloring clássico de uma forma mais contemporânea e isso acabou por trazer um público mais jovem, interessado no nosso trabalho.
Que mercados vos procuram mais?
Inês — O Japão, principalmente no inicio, mas hoje em dia também os EUA e o Canadá, Itália. Os dois mercados principais são Japão e os EUA.
Como é que Portugal se situa aqui?
Inês — Em Portugal é complicado [risos]. Ainda tem um longo caminho a percorrer para se interessar mais por design de autor, para valorizar uma peça única. Acho que está a melhorar, mas o lado do designer ainda precisa de mais tempo para as pessoas o valorizarem. Penso que estamos a ir nessa direção. É preciso o lado das fábricas e da indústria também o apoiarem e respeitarem. Ser um processo colaborativo, como também já se faz em Itália, onde há muito respeito pelo design e pelos designers.
Em que sentido é que a indústria portuguesa poderia preparar-se melhor para colaborar com os designers?
Inês — As fábricas darem mais valor a um design único e não tanto focarem-se nas grandes quantidades. Portugal, no passado, sempre foi mais focado em apoiar as marcas lá de fora e em fazer mais peças. Acho que está a mudar. E nós não nos podemos queixar da indústria, temos as nossas fábricas, que sempre nos apoiam e continuam a apoiar. Estamos muito virados para as fábricas de aqui, mas poderia fazer-se mais, porque temos tanta indústria, fazem-se tantas coisas cá. Podíamos ser melhores. [Devíamos] olhar para Itália como exemplo de país a seguir em termos de moda e de indústria. Estão mais virados para o produto e não tanto para as quantidades.
Que percentagem da produção é feita em Portugal?
Inês — 100% é feito em Portugal, em fábricas do norte.
De que formas é que a indústria portuguesa mudou desde que começaram?
Inês — As pessoas estão cada vez mais a dar valor às questões da sustentabilidade, mas ainda há um percurso para percorrer. O próprio Portugal Fashion ainda tem muitas burocracias. Não é fácil, em moda, encontrarmos apoios para continuar e para crescer.
Mas sentem que evoluiu?
Inês — É complicado [risos].
O que podemos esperar desta coleção?
Inês — É a de outono/inverno que apresentámos em Paris. Gostamos sempre de apresentar em formatos mais íntimos, pequenos, conhecer as pessoas e as pessoas conhecerem cada vez melhor a marca. Esta é também a primeira vez que lançamos a linha de mulher.
Por que resolveram lançar-se no segmento feminino?
Inês — Fizemos uma cápsula exclusiva para a SSENCE há duas coleções e fez todo o sentido começarmos a expandir-nos. Queremos explorar e trabalhar com mulher. Queremos ver como é que os dois, homem e mulher, se fundem.
Quais foram os maiores desafios, ou diferenças, que encontraram no design de moda feminino?
Reid — Criar uma linha de mulher é muito mais libertador do que de homem. Há uma rigidez no menswear que o torna muito limitador. O womenswear é muito mais livre e tem menos regras, por isso eu diria que tem sido uma libertação, desenvolver esta linha da Ernest W.Baker.