O grupo IIB, sedeado no Bahrein, está “à procura de oportunidades” para comprar um banco em Portugal, de pequena dimensão, que ajude a completar o triângulo entre Portugal, África Oriental e África Ocidental. O IIB já está nestas duas últimas geografias mas quer reforçar a presença em Cabo Verde e, por isso, é um dos três concorrentes à compra do banco que a Caixa Geral de Depósitos pôs à venda no arquipélago, o BCA. A ideia seria, depois, fundir esse banco com o outro, mais pequeno, que foi comprado ao Novo Banco em 2018.
O IIB até já tentou comprar dois bancos em Portugal, em simultâneo, o Efisa (antigo banco de investimento do BPN) e o Banco Português de Gestão (BPG, que a Fundação Oriente há muito procura vender) – mas essa aquisição dupla acabou por não ter sucesso. Em entrevista ao Observador, o presidente do conselho de administração do IIB recusa a ideia de que o grupo do Bahrein tenha sido chumbado pelo Banco de Portugal. Sohail Sultan diz que deu todas as garantias possíveis sobre a origem dos fundos do IIB mas a operação acabou por esbarrar, afirma, nas dificuldades e atrasos gerados pela pandemia.
Apesar disso, Sohail Sultan garante que continua a ter um contacto regular com o Banco de Portugal, na “construção da confiança mútua necessária para que, quando surgir a oportunidade”, o IIB possa avançar para uma aquisição bancária em Portugal. Um país no qual o banqueiro vê enormes potencialidades que não são bem aproveitadas porque “na maior parte do tempo, em Portugal, os esforços tendem a ser relativamente ad hoc. E, muitas vezes, a mão esquerda não sabe realmente o que a mão direita está a fazer“.
Cabo Verde. “BCA passou os últimos anos num limbo financeiro”
O Grupo IIB é uma das três entidades interessadas em comprar o banco onde a Caixa Geral de Depósitos (CGD) detém uma participação maioritária em Cabo Verde. É por isso que está hoje [5 de dezembro] aqui, pessoalmente, em Lisboa?
Venho a Portugal com alguma regularidade mas nesta viagem, concretamente, sim, vim para acompanhar o processo do Banco Comercial Atlântico (BCA), que a Caixa Geral de Depósitos está a vender. A data-limite para a apresentação de uma oferta formal pelo banco será no final da semana [que termina a 15 de dezembro].
Já têm um banco em Cabo Verde, no qual compraram uma participação maioritária ao Novo Banco (que mantém 10% desse banco). Esse investimento está a correr bem?
Tem corrido muito bem. Adquirimos 90% do Banco Internacional de Cabo Verde (IIBCV) ao Novo Banco no verão de 2018. Quando o comprámos, era uma instituição deficitária e nos últimos anos reestruturámos o banco, redirecionámos os seus esforços e creio que os resultados estão a ver-se nos últimos dois anos. Passámos de ser o sétimo maior banco, um dos mais pequenos de Cabo Verde, para o segundo ou terceiro maior, dependendo da métrica usada (rentabilidade ou dimensão do balanço). Tem sido um bom investimento e um investimento estratégico que se enquadra bem na expansão do nosso grupo.
Qual é essa estratégia de expansão?
A nossa estratégia como grupo é criar plataformas regionais em mercados que consideramos chave. Na África Oriental, temos um banco importante baseado no Djibuti (Corno de África) e o nosso objetivo é construir uma estrutura bancária na África Ocidental, que esteja ancorada em Cabo Verde mas procurando aproveitar as oportunidades nos países de língua portuguesa e africana. O BCA dar-nos-ia a oportunidade de fundir um banco comercial, o IIBCV, com um banco essencialmente de retalho, o BCA para nos ajudar a estabelecer a nossa operação na região e para o benefício do país.
O presidente da comissão executiva da CGD, Paulo Macedo, já disse no passado que está disposto a vender, mas apenas pelo preço certo. Quanto é que acha que vale o banco?
Existem várias métricas possíveis, embora, em última análise, um ativo só valha aquilo que alguém está disposto a pagar por ele. Os bancos normalmente são avaliados em função do valor contabilístico tangível. Portanto, o ponto de partida seria o património líquido tangível do BCA. Depois seria uma questão de se avaliar o que poderia ser feito, quais são os riscos e onde está a oportunidade. Esperamos poder negociar um preço com a CGD que faça sentido para a CGD, que faça sentido para nós mas, mais importante ainda, que faça sentido para Cabo Verde. O BCA tem estado em processo de venda, nos últimos anos, e está por isso num limbo financeiro: não tem aumentado a carteira de crédito, por exemplo, e só poderá fazê-lo quando a questão da sua futura propriedade e estratégia estiverem definidas.
Já conheceu o presidente da Caixa Geral de Depósitos?
Não. Já conhecemos vários membros do conselho de administração mas ainda não tivemos o prazer de conhecer o CEO.
Quando é previsível que se saiba quem vai comprar o BCA?
Essa é uma boa pergunta para a qual não temos resposta, porque também envolve o governo português. E, dado que o governo, tanto quanto sabemos, está num estado de mudança, não sabemos quando é que as aprovações finais irão ocorrer. O calendário atual neste processo é que todos os interessados apresentem as propostas vinculativas até ao final da semana. Depois, a CGD irá fazer um processo de verificação e avaliação antes de escolher a melhor oferta. Nessa altura o nome desse proponente será encaminhado para o Ministério das Finanças para aprovação. Mas na ausência de um ministro das Finanças – ou de um Ministério das Finanças que possa funcionar eficazmente até às eleições [de 10 de março] – não é claro quando as aprovações finais poderão ocorrer.
Um "gentleman" criado no Reino Unido que fez carreira no Citi e no Barclays
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Sohail Sultan cresceu no Reino Unido mas lançou o IIB Group no Reino do Bahrein – apenas por uma questão de “conveniência, da estrutura jurídica e de ambiente regulatório”.
É filho de um paquistanês e de uma holandesa e, depois de criado e formado (em Direito) em Inglaterra, começou a carreira na banca de investimento de Londres (no Citi Bank e no Barclays).
Além de Sohail Sultan, acionista maioritário e presidente do conselho de administração, o capital desta instituição financeira pertence a um conjunto de outros banqueiros também de origem ocidental.
Efisa e BPG. Pandemia complicou compra de bancos em Portugal
Em Portugal, o grupo IIB tentou comprar a Efisa e também o Banco Português de Gestão (BPG), mas foi noticiado que o supervisor rejeitou a operação – e o Efisa está agora em liquidação. Porque é que esse investimento não foi bem sucedido?
Eu apenas discordaria de si quando diz que os reguladores rejeitaram a proposta. O que acabou por acontecer foi que, nas discussões com os reguladores, foi decidido que seria melhor retirar o pedido, dado o tempo que havia decorrido no processo de aprovação. Quando iniciámos o processo, no final de 2019, infelizmente deparámo-nos com os problemas relacionados com a Covid-19, em 2020-21. Assim, o que deveria ter sido um processo relativamente simples arrastou-se no tempo, gerando problemas em termos de certificação de documentação e outras formalidades legais no âmbito do processo regulatório. Por outro lado, durante esse período, a posição financeira de ambos os ativos foi-se alterando e, a dada altura, foi decidido que, dado o tempo que se tinha demorado, era provavelmente melhor retirar o pedido. E foi isso que acabou por acontecer.
Foi a pandemia que atrasou o processo?
Foi um fator importante que mudou claramente o panorama económico e também a oportunidade que se apresentou na altura.
Porque queriam ter um banco em Portugal, neste caso dois (Efisa e BPG) que depois seriam fundidos?
No contexto das plataformas regionais de que falei há pouco, ter um banco bem regulado num mercado ocidental, como Portugal – que seria regulado, em última instância, pelo BCE – iria dar-nos um nível de conetividade, especialmente no lado da banca comercial, que atualmente não temos. A intenção de comprar os dois bancos ao mesmo tempo para depois os fundir, porém, adicionou alguma complexidade ao processo de aprovação. Olhando para trás, talvez não tenha sido a abordagem correta porque fez tudo demorar ainda mais tempo, contribuindo para o desfecho que teve.
Os reguladores normalmente analisam estas propostas de compra à luz do plano de negócios e, por outro lado, da idoneidade e origem dos capitais. Deu garantias suficientes, em ambos os pontos, ao regulador?
Esperamos ter dado. A julgar pelo nosso diálogo com o Banco de Portugal, penso que eles acreditam que preenchíamos os critérios de adequação (fit and proper) para ter um banco. Mas claramente era necessária uma análise mais aprofundada no que diz respeito ao plano de negócios proposto e aos riscos potenciais envolvidos nesse plano de negócios, principalmente tendo em conta o foco que temos nos mercados emergentes.
Mas então quem são os seus investidores e de onde vem o capital do IIB?
O dinheiro e o capital vêm inteiramente da administração. O grupo é 100% propriedade dos seus funcionários. A equipa de gestão é composta por um grupo de banqueiros seniores…
Quantos?
Cerca de uma dúzia. Coletivamente, somos os donos da instituição. Eu sou o acionista maioritário, mas o restante do capital pertence aos meus colegas, aos meus sócios e aos gerentes seniores, que são, também, banqueiros experientes.
Algumas pessoas podem fazer essa ligação lendo esta entrevista. Sendo vocês uma entidade do Bahrein, há alguma ligação com Abdool Vakil, que além de ter sido um líder da comunidade islâmica aqui por muito tempo, também foi presidente do Efisa? Foi ele quem vos falou sobre o banco?
De modo algum. Conhecemos o Abdool Vakil, sabemos do seu envolvimento passado com o Efisa, mas não temos quaisquer ligações com ele.
“Estamos claramente interessados em olhar para oportunidades em Portugal”
Ficou frustrado pelo fracasso da operação, depois de investir tanto tempo e dinheiro?
No setor bancário, a paciência é uma grande virtude. E tem tudo a ver com confiança, uma confiança que leva tempo a construir-se, nomeadamente com os reguladores. Sim, teria sido bom ter conseguido fechar essa operação mas estamos conscientes de que à medida que continuamos a trabalhar com o Banco de Portugal, à medida que continuamos a discutir assuntos com o Banco de Portugal, o nível de confiança, continuará a aumentar, esperamos nós. Assim, quando chegar o momento certo, estaremos numa posição melhor para trabalhar com o Banco de Portugal e eventualmente concluir outra operação.
Continua à procura de oportunidades em Portugal?
Estamos claramente interessados em continuar a olhar para oportunidades em Portugal, por isso continuamos a manter relações com o Banco de Portugal. As discussões com o Banco de Portugal são sempre construtivas. Eles continuam encorajar-nos, penso eu, a explorar oportunidades. É evidente que existe um processo formal que precisamos de seguir e penso que, quando tivermos identificado o ativo certo, trabalharemos com o Banco de Portugal para tentar obter a aprovação formal. O Banco de Portugal continua apoiar-nos na intenção de fazer alguma coisa em Portugal.
Fazem-vos sentir bem-vindos?
Fazem-nos sentir bem-vindos, sim.
Têm algum ativo em Portugal neste momento?
Temos uma empresa holding, mas é apenas uma holding que foi constituída com a intenção de comprar os bancos [Efisa e BPG]. Portanto, se avançarmos com alguma aquisição no futuro, provavelmente utilizaremos esta holding portuguesa, a IIB Holding.
Há dois executivos portugueses ligados a essa holding que são João Poppe [sobrinho de Ricardo Salgado, ligado à NAU Capital] e César Ferreira. Ainda trabalham com o IIB Portugal?
Não, nenhum deles faz parte do grupo. O João Poppe saiu no início de 2023 e o César Ferreira saiu, creio eu, em 2022.
Diz que será através dessa holding que poderá comprar um banco em Portugal. A que tipo de oportunidades está mais atento?
Gostaríamos de adquirir um banco em Portugal se surgisse a oportunidade certa. A ideia seria construir um banco comercial que pudesse ser valioso para a economia portuguesa mas, também, nos permitisse apoiar o nosso enfoque nos mercados emergentes. A nossa estratégia seria um pouco diferente: não seria puramente centrada em Portugal. Tentaria desenvolver novos fluxos financeiros, especialmente do lado comercial (trade finance) no grande mundo de língua portuguesa.
Não teria um enfoque em Portugal, Portugal seria uma peça do puzzle…
Sim. Portugal é um mercado com demasiado bancos. Há demasiadas licenças bancárias. A realidade prática é que 80% dos ativos bancários estão provavelmente nas mãos de meia dúzia de bancos e as restantes 30 licenças bancárias têm o resto do mercado. Portanto, há demasiados bancos, há demasiados bancos pequenos e penso que o BCE e o Banco de Portugal estão claramente a encorajar um processo de consolidação contínua.
Novo Banco é grande demais para IIB e seria “desvio” da estratégia
Qual é a dimensão deste banco que pretende comprar em Portugal?
Ainda é cedo, mas posso dizer que estaríamos à procura de um banco com algo em torno de 150 milhões a 500 milhões de euros em ativos brutos.
Quantos bancos existem nessa faixa?
Mais de 20, penso eu. Mas também é preciso ter alguém que queira vender e nem todos estão à venda, que eu saiba. É certo que tudo está à venda, por um preço suficientemente elevado. Mas, lamentavelmente, nós não gostamos de pagar a mais.
Já falámos sobre o Novo Banco, que de certa forma é seu parceiro em Cabo Verde. Nos últimos anos tem havido muita especulação em torno desse banco e sobre se irá ou não ser vendido, ou se irá vender o capital em bolsa. O IIB pode estar interessado em entrar no Novo Banco?
Não, o Novo Banco é uma instituição com dimensão muito considerável. Somos, em comparação, uma entidade relativamente pequena. Estaria além da nossa capacidade financeira e, além disso, seria um desvio em relação ao nosso foco. Não pretendemos construir uma rede bancária de retalho em Portugal ou na Europa. Estamos muito satisfeitos com o foco de banco de comércio que temos. Nós entendemos isso, entendemos os riscos, entendemos as operações e queremos concentrar-nos naquilo em que achamos que somos bons.
Mas se eles fizerem um IPO [venda de ações na bolsa], podem sempre comprar algumas dessas ações. Ou não?
Para nós, seria uma diluição do nosso foco neste momento. Temos uma quantidade finita de capital e esse capital normalmente é investido no negócio e focado na construção e desenvolvimento da nossa estratégia. Comprar o BCA, para nós, teria mais valor comercial e estratégico do que comprar ações num IPO do Novo Banco.
“Portugal tem oportunidades tremendas. Porém, na maioria das vezes, é o seu pior inimigo”
Disse que vem a Portugal regularmente. O que pensa sobre a economia portuguesa?
Portugal tem oportunidades tremendas. Acho que na maioria das vezes, porém, é o seu pior inimigo. Há falta de clareza de pensamento em termos de estratégia e direção estratégica, em termos de como posicionar Portugal e como explorar a sua vantagem histórica. Esta tem sido, desde sempre, uma grande nação muito virada para o comércio. E continua a manter uma influência significativa em todo o mundo. Penso que descobrir como tirar partido disso, e ao mesmo tempo ser parte integrante da Europa, será provavelmente uma enorme vantagem e oportunidade para Portugal.
Como faríamos isso?
Bem, Portugal mantém relações excecionais com a China, por exemplo, através dos seus laços históricos com Macau. Seria capaz de alavancar essa relação em seu benefício e em benefício da União Europeia. Isso seria uma coisa boa. Por outro lado, os laços históricos com o Brasil fazem com que Portugal possa contribuir para aproximar o Brasil da União Europeia e aproveitar as oportunidades comerciais e as oportunidades financeiras que daí podem advir. Há uma série de oportunidades, eu acho. Mas penso que, na maior parte do tempo, em Portugal, os esforços tendem a ser relativamente ad hoc. E muitas vezes a mão esquerda não sabe realmente o que a mão direita está a fazer.
O que quer dizer com isso?
Por vezes, vejo que um ministério faz uma coisa e outro ministério faz outra. Parece haver uma falta de coordenação e de clareza quanto ao que todos estão a tentar alcançar como vantagem para o país e, em última análise, para a população.