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Andreia Reisinho Costa

Andreia Reisinho Costa

Estas pessoas não dizem "Amo-te". Um problema de expressão?

Há o "gostar", o "adorar"... e o "amo-te", expressão que está fora do vocabulário de muitas pessoas. Por que é que tanta gente tem dificuldade em dizer essa palavra? Fomos procurar saber.

“Como se escreve ‘amor’?” – Piglet
“Não se escreve… sente-se.” – Pooh

A.A. Milne, Winnie-the-Pooh

Paulo Almeida nunca disse “amo-te”. A expressão nunca escorregou pela boca fora e as cordas vocais ainda não souberam verbalizar o quanto ele gosta de Cátia. Namoram há três anos e vivem juntos há sensivelmente um ano e meio, quando ambos fizeram as malas e embarcaram na viagem da emigração, rumo a uma Inglaterra cheia de promessas. Ela para trabalhar como enfermeira e ele como assistente de enfermagem. Paulo ama Cátia. Só que nunca o disse.

O casal conheceu-se quando ainda era adolescente. Na altura da escola secundária e das aulas de surf na praia de São Pedro do Estoril, junto à linha de Cascais. O desbravar das ondas e a areia molhada uniu-os, mas os laços então criados precisavam de maturidade. “O primeiro encontro foi aos 15 ou 16 anos, mas na altura decidimos que não era aquilo que queríamos. Ela sempre foi uma rapariga especial. Eu nunca iria arriscar sem ter a certeza”, conta Paulo Almeida, 25 anos, ao Observador. Está sentado à mesa de um bar cascalense, rodeado de amigos, acabado de chegar de terras de Sua Majestade.

A tão desejada maturidade, essa, chegou com o tempo. Bem como uma segunda oportunidade para concretizar a paixão que não amansou com o passar dos anos. Estiveram sempre em contacto um com o outro, pelo que a amizade foi-se estreitando até desembocar nos desafios de uma vida a dois. “Ao longo destes três anos, que eu me lembre, nunca disse ‘Amo-te'”, desabafa. “Para mim, a expressão está demasiado vulgarizada. Acho que as pessoas dizem-no demasiadas vezes e dizem-no sem o sentirem.”

"Também se ama em silêncio. Sei que a maior parte das pessoas tem medo do silêncio. É nesse contexto que se descobre a verdade: acho difícil mentir sem palavras.”
Maria Rita, secretária, testemunho

“Dizer ‘Amo-te’ tornou-se banal. ‘Eu amo-te’ tanto serve para pessoas como para descontos de supermercados”, concorda Maria Rita*, que está do outro lado de um ecrã de computador. Em conversa com o Observador, digita lentamente os carateres que são usados para confessar que apenas se serviu da expressão uma vez na vida. “Por medo, disse-o à minha mãe.” Já descolou a data aos eventos, mas recorda-se de como tudo aconteceu quando ainda era adolescente: certo dia despertou de um pesadelo, no qual se deparou com a mãe já sem vida e deitada num caixão. Assim que acordou, a mãe confortou a cara pálida e o ar transtornado da filha. “Acho que até gritei [durante o sonho].”

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Maria Rita evitou contar à mãe o que tinha acabado de ver de olhos fechados. Tentou não dizer nada, mas não conseguiu. Na sequência dos relatos, o “eu amo-te” escapou-lhe do domínio das intenções. “Sempre me recusei a dizê-lo, nunca achei necessário. Não me arrependo. Naquela altura, foi simplesmente fantástico e fez todo o sentido. Fiquei aliviada e, minutos depois, senti-me um pouco parva”, conta. “Era o momento. Foi o momento.”

Fora da esfera familiar, não há vocabulário que a valha. Diz que já amou, que ama e que se apaixona muito facilmente, mas nunca verbalizou esses sentimentos. Não acredita que seja necessário fazê-lo e delega maior importância aos gestos e às atitudes. “É mais importante fazeres a pessoa sentir-se amada, além de que também se ama em silêncio”, argumenta. “Sei que a maior parte das pessoas tem medo do silêncio. É nesse contexto que se descobre a verdade: acho difícil mentir sem palavras.”

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A isso acrescenta que “amo-te” é uma expressão menos bonita, quer no português de Portugal quer no português com sotaque carioca, mais quente e gramaticalmente invertido. Menos bonita que um “I love you”, que foge melhor da boca, e que um caliente “te quiero”, muito à semelhança do que canta o grupo musical Clã no tema “Problema de Expressão”:

Só para dizer que te amo,
nem sempre encontro o melhor termo,
nem sempre escolho o melhor modo.
Devia ser como no cinema,
a língua inglesa fica sempre bem
e
nunca atraiçoa ninguém.

“Amar, gostar, adorar. Vai dar tudo ao mesmo”

Cátia, a namorada de Paulo Almeida, já usou a formulação “que não deve ser pronunciada”. Tal qual uma feiticeira destemida, ao jeito de uma das histórias de Harry Potter, pôs por palavras o que sentia em diversas ocasiões, incluindo em mensagens telefónicas com o intuito de desejar “boa noite” ao namorado. O assistente de enfermagem que lhe roubou o coração nunca lhe respondeu de volta, pelo menos não da forma desejada.

Enquanto bebe um trago da cerveja que tem diante de si, Paulo pondera as consequências da sua escassez de palavras. “Se calhar ela pode sentir que eu gosto menos dela… Obviamente que isto já foi uma conversa falada entre nós e eu expliquei-lhe o meu ponto de vista”, apressa-se a dizer. “Quando ela diz ‘boa noite, amo-te’, eu digo ‘dorme bem’. Eu já disse o ‘adoro-te’ e não acho que isso esteja antes do amor. Amar, gostar, adorar. Vai dar tudo ao mesmo.”

Para Paulo não há necessidade (ou vontade) de ouvir a expressão, até porque o abraço é mais forte e um sinónimo de entrega. E é o abraço que ocupa, na língua afetiva dele, o lugar de destaque. “Ela [a Cátia] é tão magrinha que, às vezes, dou-lhe um abraço e quase lhe parto os braços. Quando lhe dou um abraço, ou estou presente, ela sente-se protegida, já me contou”, atesta. “Sente conforto.”

Também Maria Rita já recebeu um “amo-te” fugidio, espontâneo, no decorrer de uma conversa corriqueira. Não se recorda do assunto em debate, mas sabe que era de noite e que os dois — ele era uma paixão de verão, até porque, argumenta, na vida dela nunca houve espaço para relações — estavam sentados num muro. A secretária de 26 anos foi apanhada de surpresa assim que as três sílabas interromperam o discurso do casal veraneante.

“Temos a tendência em assumir a nossa forma de estar ou o nosso mundo como standard… Estávamos a conversar, tudo muito normal, e depois… BAM! ‘Amo-te'”, conta, tentando descrever os pormenores do que se passou há alguns meses. “Eu ri-me. Confesso que não foi apropriado, mas quando estou desconfortável tenho a tendência para me rir. Mas agradeci e continuei a falar.”

Uma questão de “vínculos”

Cláudia Morais, psicóloga e autora do livro Sobreviver à Crise Conjugal, partilha algumas luzes sobre o assunto. Apesar de, na sua opinião, o cinema e alguma literatura contribuírem para uma noção errada do amor, não considera que a expressão esteja banalizada e aponta o olhar clínico para quem diz o contrário. “Este tipo de respostas surge, muitas vezes, como um mecanismo de defesa, no sentido em que a pessoa não é capaz de dizê-lo e opta por usar esta desculpa.”

“Quando alguém diz que prefere agir em vez de dizer, pode acontecer que a pessoa está centrada em si e não em quem ama”, acrescenta numa voz calma, do outro lado da linha do telefone. “Ser-se romântico é gostar, é dar à pessoa que se ama o que ela precisa. Quando alguém escolhe mostrar só de outras formas, o alvo desse amor pode não se sentir absolutamente seguro.” A psicóloga não duvida da capacidade de amar de Paulo Almeida, nem tão pouco da de Maria Rita, mas põe o dedo na ferida: “Dizer que amamos alguém é arriscar, é pormo-nos numa situação de vulnerabilidade. Se a pessoa não corresponder, vamos sentir sensações de desamparo e de abandono.”

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É tudo uma questão de vínculos. Isto é, as pessoas que não se sentem à vontade para se exprimirem são, à partida, as que têm vínculos pouco seguros. Por vinculação entenda-se as primeiras ligações, do bebé aos pais, mas também as afetivas, partilhadas já em adulto com os parceiros amorosos, explica Cláudia Morais, que gere o blogue A Psicóloga. Trocado por miúdos, quanto mais segura for a nossa ligação aos pais, maior é a probabilidade de criarmos vínculos estáveis ao nível amoroso, e vice-versa.

A inexistência de ligações certas na bagagem emocional faz com que seja mais difícil criar vínculos no mesmo registo — que o diga Matilde*. Aos 27 anos, é mãe e esposa sem nunca ter dito — adivinhe-se — “Amo-te”. Nem ao marido nem ao filho de dois anos e meio. Em conversa com o Observador, Matilde vai buscar ao passado as razões para o seu problema de expressão. “Estive a pensar no outro dia o porquê, o porquê de eu ser assim. São coisas de infância”, avança.

"Inconscientemente, acho que 'amar' é uma coisa que estupidifica as pessoas."
Matilde, testemunho

Por partes. Matilde está casada há seis meses, mas vive com o recém-marido há seis anos. O amor que os uniu nunca precisou de rótulos e foi o companheiro, sete anos mais velho do que ela, que trouxe o casamento para a equação amorosa. A cerimónia que fez deles um casal oficial aos olhos da lei não foi celebrada na igreja, mas sim junto da família, de rostos e nomes conhecidos e com o filho no papel de menino das alianças. Mas mesmo agora, com o anel de ouro no dedo, Matilde não diz “amo-te”. Porque nunca o fez e porque nunca o vai fazer.

“Os meus pais estão separados e, posteriormente, a minha mãe teve dois namorados que eram violentos”, explica. O pai separou-se da mãe quando ela tinha apenas um ano e transformou-se num progenitor ausente, enquanto a mãe entregou-se “de alma e coração” a dois homens que lhe causaram danos físicos e emocionais — a dupla história de horror prolongou-se entre os 5 e os 11 anos de Matilde. “Inconscientemente, acho que ‘amar’ é uma coisa que estupidifica as pessoas. As pessoas amam tanto que ficam cegas e deixam de conseguir discernir uma boa relação de uma má. O meu avô fez 30 por uma linha à minha avó e, desde que ela se separou dele [há 40 anos], nunca mais teve um homem e ficou deprimida para o resto da vida.”

Ser emocionalmente racional é uma defesa, uma obrigação tendo em conta o contexto em que cresceu. Talvez por isso prefira o conforto de um “eu gosto muito de ti” que, volta e meia, dedica aos dois homens da sua vida — um com 1,80 m de altura e outro com uns mínimos 1,15 m. “Também não o digo ao meu filho. Não é uma expressão que use, está fora do meu vocabulário. Ao meu filho pergunto ‘De 0 a 10 quanto é que a mãe gosta de ti?’, ele já sabe e responde sempre ‘1000!’. É muito”, assegura. O certo é que, apesar de não o exprimir, Matilde admite que ama a dupla masculina lá de casa, mesmo que familiares e amigos duvidem, por vezes, do quanto ela gosta do marido.

Racionalidade e frieza à parte, esta mãe de 27 anos confessa que gosta de comédias românticas: “Disso eu gosto!”. E atira para o ar o primeiro nome que lhe vem à cabeça: “O Notting Hill é giro”, afirma, referindo-se à comédia protagonizada por Julia Roberts e Hugh Grant, um romance ao jeito de Hollywood e passado em cenários britânicos, onde não faltam citações que ficam no ouvido dos mais e menos românticos: “I’m just a girl standing in front of a boy asking him to love her” (“Sou apenas uma rapariga em frente de um rapaz, a pedir-lhe que a ame”).

"Quando há violência [no passado], há quase sempre um vínculo inseguro: os filhos transformam-se em adultos menos competentes das suas emoções."
Cláudia Morais, psicóloga

Há finais felizes sem um “amo-te”?

A psicóloga Cláudia Morais assegura que, por norma, quando há um passado violento, o mais provável é existirem vínculos inseguros a toldar o futuro amoroso. Nessas circunstâncias, “os filhos transformam-se em adultos menos competentes das suas emoções”. “Isso pode querer dizer que nem sempre são capazes de exteriorizar as suas emoções, nem sempre são capazes de construir, na vida, relações tão gratificantes.” E acrescenta: “Somos mais felizes na medida em que somos capazes de construir laços seguros. A ciência mostra isso.”

Cláudia Morais trabalha diariamente com casais cujo escorrer dos anos foi apagando as marcas do amor. A terapia de casais é um desafio constante, mas nem por isso deixa de surpreender a profissional. Cláudia conta que dá de caras com casais mais velhos que, ao fim de 30 ou 40 anos de uma vida em comum, e no decorrer das sessões, encontram a fórmula mágica para dizerem “amo-te” pela primeira vez.

“Estamos constantemente a crescer e a mudar, e vamo-nos livrando de algumas amarras. Há pessoas que o fazem primeiro com os netos, e noutros casos fazem-no por escrito e não oralmente”, diz. Por norma, são indivíduos que tiveram infâncias mais difíceis, relações turbulentas ou menos afetuosas com os pais, mas que depois de tantos anos estreiam-se no vocabulário do amor.

Uma coisa é certa para a psicóloga: “O facto de não se dizer com estas letras não significa que haja algum problema. Pode-se ser feliz sem se dizer ‘amo-te’.” Paulo Almeida, Maria Rita e Matilde parecem concordar.

* Nomes fictícios. Estas pessoas não quiseram ser identificadas.

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