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"Eu, Georgina": os 10 mandamentos de uma Cinderella com chuteiras de cristal

Susana Romana viu os episódios da série que mostra a vida da companheira de Cristiano Ronaldo e chegou a uma conclusão: Georgina Rodriguez é boa miúda, mas isso não faz um bom reality show.

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Só não considera Mulher de Jogador de Futebol uma carreira quem andou a dormir nas últimas décadas. De uma Anabela Chalana a uma Helen do Figo. De uma Vitória Beckham a uma Coleen Rooney. Caramba, até a Shakira também é “a mulher do Piqué”. Existe inclusivamente uma designação, qual CAE para passar recibo verde: as WAG. WAG é a sigla para Wife And Girlfriend e refere-se especificamente às companheiras dos desportistas profissionais. Um pouco misógino? Talvez, mas os anos 90 nem sempre envelheceram bem.

Se a minha cultura geral sobre cônjuges e affairs de jogadores da bola lhe parece robusta, é porque é. Há quem saiba de cor que a capital de Costa do Marfim é Iamussucro (tive agora de ir ao Google num instante); já eu sei que João Vieira Pinto foi casado com a Carla e depois com a Marisa e agora tem uma Ângela. Não me orgulho nem envergonho desse facto, que advém da experiência ganha a ser co-autora (com Maria João Cruz) de uma crónica para o jornal A Bola que era, exatamente, sobre WAG. Chamava-se “Marcação Cerrada” e durou de 2007 a 2009 – o que foi, por exemplo, essencial para eu saber quem era a Jaciara do Deco, que agora faz carreira no Big Brother Famosos.

[o trailer de “Eu, Georgina”:]

Georgina Rodriguez tem, então, o interesse à partida de ser mulher não só de um jogador de futebol, mas do melhor jogador de futebol do mundo. O resultado são 32,6 milhões de seguidores no Instagram, em cuja bio se define como uma “Vividora De La Vida, Soñadora Delos Sueños”, que é uma frase muita gira para uma T-shirt da Pull & Bear. Mesmo assim, Gio (como é tratada pelos próximos) está muito longe de Cristiano, que conta no momento com 394 milhões. A Netflix sabe que muitos desses 394 milhões irão pelo menos espreitar algum dos seis episódios de “Eu, Georgina”, na esperança de verem o craque da Madeira. E verão, a espaços – a protagonista indiscutível é Gio, como é tratada pelos próximos, mas as pepitas de CR7 são uniformemente espalhadas, para não tornar aquele snack televisivo ainda mais sensaborão. Um sensaborão que está no top de visionamentos em vários países, contudo.

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Ninguém esperaria que “Eu, Georgina” fosse um portento, mas a verdade é que é ainda mais fraco do que isso. Presta-se a alguns memes com frases involuntariamente divertidas e é, dizem-me, uma boa companhia para quem está num pico de febre de Covid e quer ver alguma coisa durante a qual pode ir adormecendo e acordando sem perder o fio à meada. Mas o reality show, na sua obsessão por fazer Georgina parecer a nova Princesa Diana (a argentina é creditada como Diretora de Conteúdos em todos os episódios, controlando assim completamente o resultado final), escusa-se excessivamente a meter a sua personagem principal em qualquer imbróglio ou tensão. E como vos pode explicar qualquer caloiro de um curso de guionismo, sem conflito não há história. “Eu, Georgina” tem sido comparado, pela sua opulência misturada com quotidiano, a “Keeping Up With The Kardashians”, mas é bastante mais fraco do que o seu congénere, por não ter uma única discussão, uma única dúvida existencial, um único momento de confusão e trucidação. Os que chegam lá mais perto são uma luta com os quatro routers da mansão que não garantem uma net estável e uma divergência entre fações sobre que vestido deve Georgina levar ao Festival de Cannes. É insuficiente.

"Eu, Georgina" passa a ideia de uma jovem mulher bem formada, ajudando com eficácia a retirar-lhe um suposto rótulo de oportunista. Só que a história inspiradora da miúda que passa de lojista a milionária, de vendedora da Gucci a consumidora, explica-se nos primeiros 20 minutos do primeiro episódio. Sobejam mais cinco episódios e meio, que não são eficazmente enchidos nem ao nível do chouriço.

A única mais-valia de programas deste género é a lógica de “por trás das portas”, de mostrar aquilo que de outro modo não veríamos. De férias familiares a conversas mais ou menos recorrentes sobre puns. Mas este “acesso ilimitado” é uma faca de dois gumes, já que diz tanto sobre os seus intervenientes aquilo que é mostrado como aquilo que fica de fora. E por isso, a questão para um milhão de euros é: o que é feito de Dona Dolores? Todos os episódios revolvem em torno das excelências maternais de Georgina, para nunca ser sequer mencionada a Mãe de Todos, matriarca do clã Aveiro e figura omnipresente na vida de Cristiano e dos seus netinhos. Nenhum familiar do jogador português é referido ao longo dos episódios, o que só me pode levar a concluir que Kátia Aveiro deve ter exigido contribuir para a banda sonora e a coisa deu molho.

O processo de beatificação em curso de Georgina, que é elogiada por todos os intervenientes no documentário (as entrevistas que vão pontuando a inexistente narrativa servem única e exclusivamente para isso, seja com a ex-professora de ballet, seja com a pasteleira que faz os bolos de aniversário dos miúdos), talvez não seja totalmente injusto. Passa a ideia de uma jovem mulher bem formada, ajudando com eficácia a retirar-lhe um suposto rótulo de oportunista. Só que a história inspiradora da miúda que passa de lojista a milionária, de vendedora da Gucci a consumidora, explica-se nos primeiros 20 minutos do primeiro episódio. Sobejam mais cinco episódios e meio, que não são eficazmente enchidos nem ao nível do chouriço. “Eu, Georgina” é fraco não no sentido “mais vale estar a ver o ‘Sucession’, que é uma grande série” – é mesmo na lógica de o comparar com outras equipas do seu campeonato de reality shows e WAG. Resumindo: Georgina é boa miúda, mas isso não faz um bom reality show.

O lifestyle pato bravo dos novos-ricos muito raramente que causa inveja. Honrosa exceção: momento em que percebo que Gio faz questão de levar o seu próprio presunto a bordo de um jato privado

Sendo que o objetivo principal do marketing da Netflix é o do vender uma espécie de conto encantado sobre uma Cinderella salva por umas chuteiras de cristal, tentemos ao menos aprender qualquer coisa de prático. Georgina não é a Princesa Diana que queremos, mas é a Princesa Diana que temos. Quais são as lições, então? Seguem em modo 10 Mandamentos da Princesa Moderna:

Considerarás uma sopinha um jantar romântico

Como imagina o jantar que cimentou, finalmente, a relação amorosa entre Georgina e Cristiano? Lagosta à luz das velas? Ostras numa esplanada exclusiva? Um fondue de carnes raras numa savana perdida? Nada disso. Foi uma sopa e um frango grelhado com legumes na cozinha de Ronaldo, após um jogo pelo Real Madrid. Georgina admite que até já tinha jantado, mas que jantou de novo “como uma lady”. Espero que a pré-refeição tenha sido de chanfana para cima, que ninguém merece esta ditadura nutricional.

Tratarás a loiça de festa da Hermes como a tua avó tratava a Vista Alegre do Natal

Georgina não é propriamente dona de casa, mas é Dona de Casas, o que também é uma canseira. Tem amiúde de decorar casas em Madrid, Turim, Lisboa ou Manchester – tudo com a ajuda da decoradora Paula, que enverga uma roupa verde-alface que nos faz temer que seja amblíope, o que, parecendo que não, é um problema nessa profissão. Tudo é, obviamente, de marca. Incluindo o serviço de pratos Hermes, que vai sendo mantido embrulhadinho na caixa, porque é só para ocasiões especiais.

Serás polivalente, da Gucci à Decathlon

Já vimos que as marcas são importantes, mas não snobarás as etiquetas mais mainstream. Num momento que já corre a net em formato de meme, Georgina faz a lista das grifes que mais a encantam e há lugar no seu coração para a Decathlon, marca low cost de equipamento desportivo. Porque o que nos une aos ricos e famosos é o alívio de ter umas calças de fato de treino para usar por casa e para ir ao lixo.

Nos seis episódios vemos Georgina a oferecer joias caras aos seus amigos e entourage, mas não se julgue que é uma mãe que estraga os seus filhos com luxos desnecessários. Seja qual for a viagem, o recuerdo parece ser sempre o mesmo: um humilde Kinder Surpresa. Uma criança é uma criança, mesmo numa mansão em mármore.

Nunca te vais esquecer do lugar das estacas – nem dos panos do pó

É mítica a cena em que uma Cristina Ferreira em lágrimas mostra que, por mais sucesso que tenha, seria capaz de voltar a vender na feira como fazia a sua família (daí o “ainda sei o lugar das estacas”). Georgina fala dos seus empregos em lojas, restaurantes ou hotéis como quem ainda se lembra bem de como passar uma mopa. E não hesita em escolher poucos móveis e pouca tralha (colocando no mesmo patamar decorativo livros e flores de plástico) com a justificação de que tem de ser fácil limpar o pó.

Terás um lote variado de presuntos no teu jato privado

O lifestyle pato bravo dos novos-ricos muito raramente que causa inveja. Regra geral, fico a achar que é gente que não sabe gastar dinheiro (e que, claro, eu faria muito melhor). Honrosa exceção: o momento em que percebo que Gio faz questão de levar o seu próprio presunto a bordo do jato privado de Cristiano. Tudo pode ter começado com uma sopa, mas agora evoluiu para uma mulher que vai a enfardar carnes frias até ao Mónaco. Isto é que é vida.

Abraçarás o empreendedorismo, nem que seja na clínica capilar do marido

Nos anos 80 e 90, quando surgem as primeiras WAG dignas de tal cognome, a moda era abrir uma boutique. Ter o seu próprio negócio é sempre algo que as ajuda a poderem dizer que são empresárias, que sempre fica mais tchanam quando têm de preencher impressos. Georgina vai por um caminho em tudo semelhante, mas um pouco menos óbvio: é a administradora de uma clínica capilar, propriedade do marido. Marido que, por acaso, aparece com um cabelo inenarrável de mau ao longo do documentário, fazendo lembrar aqueles cabelos em spray que se vendiam na TV Shop.

Saberás que todas as crianças podem ser subornadas com um Kinder Surpresa

Nos seis episódios vemos Georgina a oferecer joias caras aos seus amigos e entourage, mas não se julgue que é uma mãe que estraga os seus filhos com luxos desnecessários. Seja qual for a viagem, o recuerdo parece ser sempre o mesmo: um humilde Kinder Surpresa. Uma criança é uma criança, mesmo numa mansão em mármore. O ovinho de chocolate é também usado como moeda de troca por bom comportamento. E deve ser mesmo uma moeda de câmbio poderosa, porque os quatro filhos estão sempre na linha sem uma nanny à vista. Se não aparece, é porque não existe, certo?

Um dos mandamentos ensinados por Georgina: saberás que Passadeirista Vermelha é uma profissão como outra qualquer

Encararás a vida como uma sucessão de festas de aniversário que tens de organizar

Se carregar ao calhas em momentos avulsos dos seis episódios, é bem capaz de dar com Georgina na festa de aniversário de alguém. É o momento mais recorrente no documentário, mas não se julgue que é sinónimo de boa vida, já que Gio é sempre creditada como a organizadora. Ter de encomendar salgadinhos e organizar grupos de WhatsApp em loop tem o seu quê de purgatório, coitadinha.

Saberás que Passadeirista Vermelha é uma profissão como outra qualquer

Estava toda a família de férias em Menorca (na versão ryca mas desinteressante de “uma quinzena em Quarteira”) quando Georgina tem de sair em trabalho. Queixa-se várias vezes de ter de interromper o seu descanso, mas reflete que as obrigações laborais são mesmo assim. E qual era o trabalho? Ir ao Festival de Cannes. Mas quê, ser jurada, participar em colóquios, dar uma mãozinha no catering? Não, andar na passadeira vermelha. Vestir uma roupa cara e dar uso à sua função de mamífero bípede, enquanto é fotografada. “É o ponto alto de três meses de trabalho para este momento”. Tá.

Serás sexy, mas podendo recorrer ao banho polaco

A Georgina Sexy, a Georgina Matriarca, a Georgina Humilde e a Georgina Empreendedora são as grandes figuras deste doc, mas de vez em quando aparece assim de raspão a Georgina Badalhoca. Por exemplo? Quando explica com algum detalhe que às vezes recorre ao banho polaco, que é – e passo a citar – lavar só “pachacha, cu e sovacos”.  Se isto não é uma girl next door que não esquece as suas origens suburbanas, não sei o que seja.

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