Na última sexta-feira, o ministro da Administração Interna apresentou as conclusões do relatório da Inspeção-Geral da Administração Interna (IGAI) aos festejos do Sporting, depois da conquista do campeonato de futebol. A conferência de imprensa aconteceu ao final da tarde, quando ainda não estava disponível o relatório completo com as conclusões da IGAI. Esse documento seria divulgado horas mais tarde, acabando por revelar algumas contradições entre aquilo que foram as conclusões da inspetora-geral Anabela Cabral Ferreira e as posições assumidas por Cabrita nessa conferência de imprensa.
Eduardo Cabrita condenou a atitude do clube de Alvalade neste processo — por, supostamente, não ter respondido aos pedidos de esclarecimentos da IGAI — e demitiu-se de responsabilidades na organização dos festejos após a vitória do campeonato.
Na sequência da apresentação do relatório da IGAI, o PSD já requereu uma audição do ministro da Administração Interna. O deputado Carlos Peixoto acusou o ministro de “mentir com todos os dentes que tem na boca” sobre os factos dessa celebração. “Aquilo que diz é o oposto do que foi escrito no relatório”, acusa o social-democrata. O Observador analisou duas ideias centrais da conferência de imprensa da última sexta-feira.
“O Ministério da Administração Interna não tem nas suas competências organizar celebrações seja de quem for”
Já no final da conferência de imprensa, Eduardo Cabrita disse que “o Ministério da Administração Interna não tem nas suas competências organizar celebrações seja de quem for”. No caso concreto dos festejos de 11 de maio, a declaração de Cabrita é enganadora.
De acordo com o relatório da IGAI, “cerca de dois meses antes da 32ª jornada do campeonato de futebol”, um representante do Sporting Clube de Portugal (SCP) “contactou o gabinete do secretário de Estado Adjunto e da Administração Interna [SEAAI], no sentido de solicitar a realização de uma reunião preparatória para os festejos do SCP”. Esse pedido não teve consequências até 6 de maio. Nesse dia, após a vitória do clube de Alvalade sobre o Rio Ave, o SCP “contactou” mais uma vez “o gabinete do SEAAI no sentido de marcar uma reunião preparatória para os festejos do SCP”.
Também nesse dia, decorre uma reunião na Câmara Municipal de Lisboa que junta representantes do SCP, da Câmara de Lisboa, do Comando Metropolitano de Lisboa da PSP e, ainda, da Polícia Municipal — portanto, sem a presença de elementos do Ministério da Administração Interna. Mas essa ausência não durou muito tempo.
Aliás, no dia seguinte, 7 de maio, “realizou-se uma reunião nas instalações do MAI em Lisboa, presidida pelo [referência rasurada] com o propósito de ouvir o SCP sobre o tipo de festejos que pretendia realizar, na eventualidade de vitória no jogo de 11 de maio”. À mesa dessa reunião estavam representantes da PSP, do Sporting, da Câmara de Lisboa, de responsáveis políticos da área da Saúde e elementos da Direção-geral da Saúde e, claro, do próprio Ministério da Administração Interna.
Finalmente, a 10 de maio (véspera do jogo que garantiu a vitória no campeonato ao Sporting), a direção nacional da PSP faz chegar um ofício ao gabinete do ministro da Administração Interna com a apresentação de “três cenários e modelos de ação” para os festejos.
- Celebração no interior do estádio;
- Recinto improvisado no Marquês de Pombal;
- Desfile pelas ruas da cidade.
Nesse mesmo ofício, a PSP manifesta clara preferência pelo primeiro cenário. E ainda sublinha que, “por comportar um elevado grau de imprevisilidade relativamente à manutenção da ordem pública e riscos elevados”, o terceiro cenário era “desaconselhado”. Nesse mesmo ofício, a PSP pede ao MAI a “definição do formato dos festejos a executar” no dia seguinte, para que a PSP pudesse “planear e projetar tempestivamente” os recursos a empregar naquela missão.
A resposta do Ministério da Administração Interna chegou às 22h30. O gabinete do secretário de Estado Adjunto e da Administração Interna, Antero Luís, transcreve a resposta de Eduardo Cabrita, onde se assinala que “as três alternativas foram analisadas na reunião de sexta-feira passada” e que “a Câmara de Lisboa de Lisboa e o SCP acordaram com a terceira alternativa”. Conclusão: “Deve a PSP articular com a CML e o Sporting Clube de Portugal no sentido de promover as medidas consideradas adequadas para garantir a segurança dos festejos propostos pelo promotor.”
De facto, formalmente, organizar estas operações de segurança não é competência do MAI. Nestes festejos, porém, o ministério de Eduardo Cabrita teve uma intervenção direta até à véspera. Dois meses antes de o Sporting se sagrar campeão, o Ministério da Administração Interna foi chamado a intervir na definição do modelo a seguir nas celebrações do clube de Alvalade. Depois, o ministério de Eduardo Cabrita recebe todos os intervenientes na preparação desse momento para uma reunião conjunta. E, nas vésperas dos festejos, determina que a PSP deve adequar o dispositivo de segurança ao modelo que a próprio PSP classificava como sendo o mais “imprevisível”.
Assim, de acordo com o sistema de classificação do Observador, este conteúdo é:
ENGANADOR
“O Sporting Clube de Portugal não respondeu a qualquer dos pedidos de esclarecimentos feitos pela IGAI”
Também durante a conferência de imprensa, Eduardo Cabrita acusou o Sporting e os seus responsáveis de terem ficado em silêncio perante os pedidos de esclarecimentos da Inspeção-geral da Administração Interna. Um dado que Cabrita considerou ser de particular gravidade na exposição que fez na última sexta-feira. “Foram feitas diligências junto de um número muito variado de instituições. Todas responderam [mas] o Sporting Clube de Portugal não respondeu a qualquer dos pedidos de esclarecimentos feitos pela IGAI”. Essa versão corresponderá à verdade?
É isso que parece transparecer do próprio relatório da IGAI, onde constam as conclusões à atuação da PSP nos festejos de 11 de maio. “Cumpre aqui assinalar” — refere a inspetora-geral Anabela Cabral Ferreira, no despacho ao inquérito — “a falta de resposta a todas as informações solicitadas ao SCP através de ofício remetido ao seu presidente em 21 de maio de 2021”.
Festejos do Sporting. Clube não respondeu à IGAI para apurar responsabilidades da PSP
O mesmo despacho sublinha ainda o silêncio do Sporting relativamente a um pedido de esclarecimentos enviado ao gabinete jurídico do clube, a 21 de junho de 2021, “através do qual se pedia a remessa de documentação comprovativa da propositura da ação alegadamente interposta pelo clube contra as associações Juventude Leonina e Diretivo Ultra XXI” — versão que, como veremos a seguir, o Sporting nega.
Há, num entanto, um dado no relatório que indica algum tipo de esclarecimentos prestados pelo Sporting.
Logo na introdução do relatório, a IGAI refere que “foram inquiridas 13 testemunhas envolvidas em diferentes fases do evento, entre responsáveis do Ministério da Administração Interna, Câmara Municipal de Lisboa, Polícia de Segurança Pública, Direção-geral da Saúde e Sporting Clube de Portugal”, entre outras.
E é verdade que, mais adiante, o relatório indica que “nenhuma das [seis] informações solicitadas ao SCP foram remetidas aos autos de inquérito, até ao seu encerramento”. Entre essas informações solicitadas estavam documentos trocados entre o clube e as várias entidades envolvidas na preparação dos festejos (MAI incluído), informações sobre as claques, do oficial de ligação do clube com as claques, entre outras.
No entanto, no capítulo sobre a “iniciativa do MAI” na preparação dos festejos (página 42 do relatório), fica claro que houve, de facto, alguma participação de elementos do clube no inquérito realizado pela IGAI. Em concreto, quando se tentava perceber se o clube alguma vez admitiu a hipótese de não realizar qualquer festejo, o documento refere que dois elementos do clube, cujas identidades estão rasuradas, “foram confrontados com esta hipótese pela IGAI [e] as respostas foram titubeantes e vagas”.
O mesmo documento diz ainda, a este propósito, que dois elementos ligados ao clube de Alvalade “apresentaram a narrativa, que não é factualmente suportada, e que assenta na ideia de que ‘seria melhor organizarem-se festejos do que nada se realizar’”. O relatório prossegue a descrição dessa audição classificando o depoimento de um desses elementos como “incoerente”.
O Sporting também tomou posição sobre as declarações de Eduardo Cabrita. “Reforçamos que o Sporting CP participou nas reuniões de forma colaborativa”, escreveu o clube, sublinhando que “não é o Sporting CP que impõe regras à DGS, PSP, Ministério da Administração de Interna ou ao Governo”. Sobre o suposto silêncio, o clube considera “também lamentável que o ministro Eduardo Cabrita afirme que o Sporting CP não respondeu a qualquer pedido de esclarecimento feito pela IGAI. É lamentável e não corresponde à verdade”.
O clube referiu em comunicado divulgado logo na sexta-feira que “recebeu um ofício do IGAI a 21 de Maio, sem indicação de prazo de resposta” e que a resposta a esse pedido de esclarecimentos “data de 9 de Julho”. É ainda o próprio clube que revela que o diretor de segurança de Alvalade e o oficial de ligação aos adeptos foram as duas testemunhas ouvidas pela IGAI na elaboração do relatório. “No dia 1 de Junho de 2021, o IGAI contactou o Oficial de Ligação aos Adeptos (OLA) do Sporting CP. No dia 14 de Junho, o IGAI insistiu por uma resposta e a mesma foi enviada nesse dia por parte do nosso Oficial de Ligação aos Adeptos”, acrescenta o clube.
Ou seja, é verdade que os emails da IGAI com pedidos de esclarecimento enviados para Frederico Varandas, presidente do Sporting, e para o gabinete jurídico do clube ficaram sem respostas no tempo de duração do inquérito. Mas também é verdade, que num determinado momento da investigação da IGAI, elementos do clube prestaram depoimento. Eduardo Cabrita estará a referir-se aos emails da inspeção-geral que ficaram sem resposta, mas omite os depoimentos prestados pelos elementos do Sporting à IGAI, dando a ideia de que o clube não colaborou de todo com o inquérito.
Assim, segundo a escala de classificação do Observador, este conteúdo é:
ESTICADO