Há dois anos, antes de as escolas portuguesas imaginarem o que era viver em pandemia, os alarmes soavam. Faltava cerca de um mês para as férias de Natal e nas escolas ainda estavam por colocar 234 professores, deixando milhares de alunos sem aulas. Nesse dia, 5 de novembro de 2019, atingia-se um valor pouco habitual de horários por preencher. Agora, olhando para os dados da última semana, percebe-se que a curva da falta de professores atingiu o ponto mais baixo desde o início deste ano letivo. Boas notícias? Nem por isso. A situação está agora pior do que há dois anos, quando já se registaram momentos críticos.
A falta de professores tornou-se um problema habitual. E o gráfico que mostra essa evolução — a do número de docentes em falta nas escolas do país — revela uma curva em sentido decrescente desde finais de setembro. De facto, na última quarta-feira atingimos o valor mais baixo deste ano letivo. Só que o que parece ser uma boa notícia, não é. Porque nesse dia, 6 de outubro, faltavam 691 professores nas escolas de todo o país, ou seja, quase o triplo daquele valor que fez soar os alarmes em novembro de 2019.
No terreno, o problema sente-se de várias formas. Significa que em todos os distritos do país há alunos sem professores. Significa que faltam educadores do pré-escolar, professores do ensino primário e, em especial, docentes do 5.º ano para cima. Significa também que em todas as disciplinas há alunos sem professores, com apenas duas exceções: Alemão e Latim/Grego.
Saber quantos alunos são afetados é um exercício especulativo e que normalmente peca por defeito. Pegando na fórmula usada pelos sindicatos — em média, cada professor dará aulas a 3 turmas e cada turma terá 20 alunos — serão mais de 41 mil crianças e jovens com falta de professor a uma das suas disciplinas. Esta é, apesar de tudo, uma versão conservadora. A maioria dos professores dá aulas a mais do que três turmas (exceto no ensino primário) e, do 2.º ciclo ao secundário, são permitidos até 28 estudantes na mesma sala.
Por outro lado, se o número for menor, o prejuízo por estudante é maior, já que significa que a mesma turma tem mais do que um professor em falta. No arranque do ano letivo, a situação era mais grave. Quando estavam por colocar 1.694 professores, mais do dobro do valor atual, a Fenprof estimava que mais de 100 mil alunos estavam sem aulas a, pelo menos, uma disciplina.
Fenprof estima que mais de 100.000 alunos ainda não tenham todos os professores
A 22 de setembro, quarta-feira, havia 1.848 horários de professores por preencher, a esmagadora maioria com mais de 8 horas semanais (1661). Na semana seguinte, eram 763. Além de o número baixar, também a carga horária diminuiu, o que pode ter vantagens e desvantagens. É mais difícil um professor aceitar um emprego com poucas horas semanais, mas é mais fácil que quem tenha um horário incompleto (menos de 22 horas letivas) queira encaixá-lo.
A 29 de setembro, a média era de 14,25 horas. Na semana seguinte pouco mudou, com uma média de 14,01. “A 6 de outubro já eram horários de 11,98 horas”, explica Vítor Godinho, o professor que na Fenprof se encarrega de analisar estes dados e que os disponibilizou ao Observador. Os números dizem sempre respeito a quartas-feiras, dia da semana em que se atinge o pico de professores por colocar.
Vítor Godinho acredita que muitos destes horários são os mesmos desde o início do ano e que, semana após semana, ficam por preencher os menos apetecíveis, já que menos horas significa salário mais baixo. “Esta diferença da média de horas pode querer dizer apenas isso: são os mesmos horários, os mais pequenos, e que vão passando de uma semana para a outra”, argumenta o sindicalista que é também membro do Secretariado Nacional da Fenprof.
Aquilo que há dois anos assustava em Lisboa, Setúbal e Faro, agora vive-se no resto do país
Lisboa continua a ser o distrito mais afetado pela falta de professores e quando se olha para o país como um bolo, a fatia que cabe à capital é a mais gorda de todas: 42,6%.
Nos agrupamentos do distrito de Lisboa faltam colocar 295 professores quando, há dois anos, 96 era o valor que parecia fora da norma. Usando a mesma fórmula, serão cerca de 17.700 alunos sem aulas a, pelo menos, uma disciplina.
Setúbal não está melhor. Faltam-lhe 163 professores, mais do triplo do valor de 2019, quando as escolas procuravam 53 docentes. Faro, idem. Os seus 53 professores em falta contrastam com o valor de 2019, quando atingiu os 27.
Comparativamente, as escolas da capital têm o problema aumentado em três vezes, Setúbal está hoje pior do que Lisboa estava em 2019, e Faro está no mesmo ponto em que Setúbal estava há dois anos. É por isso que está longe de ser uma boa notícia os valores de 6 de outubro serem, por agora, os mais baixos deste ano letivo.
O resto do país acompanha o passo dos três distritos recordistas, embora a uma distância considerável. Apesar disso, se, em 2019, havia quatro distritos onde as faltas de professores chegavam aos dois dígitos — Lisboa, Setúbal, Faro e Santarém, este último com 14 horários por preencher —, na quarta-feira passada havia 14 distritos, todos eles com mais de 10 professores em falta. Setúbal passava os 100, Lisboa aproximava-se dos 300.
Porto e Santarém, cada um com 23 professores em falta, estão já numa posição muito idêntica à que se vivia em Setúbal em 2019. Em contrapartida, Castelo Branco é o distrito menos afetado, com quatro professores em falta. “O problema está a estender-se geograficamente a todo o país”, sublinha Vítor Godinho.
A situação do Porto, por exemplo, não deixa de ser curiosa, já que se sabe que a maior parte dos professores portugueses residem no Norte e, tradicionalmente, é uma zona pouco afetada. Vítor Godinho tem uma explicação: “Os professores residentes na cidade do Porto foram, durante muito tempo, suficientes para suprir as necessidades das escolas. Já não são.” E, argumenta, tal como em Lisboa, é uma cidade onde o alojamento é caro, o que pode afastar os professores de empregos ali localizados.
Falta de professores já não é exclusivo da Informática. Na disciplina de Física e Química, o problema dispara
Informática mantém-se no trono. Neste caso, um trono pouco invejável, já que é a disciplina onde, nos últimos anos, se tem sentido sempre a maior falta de professores. Na passada quarta-feira ainda estavam por preencher 71 horários espalhados por todo o país.
A grande diferença, em relação há dois anos, é que Informática já não destoa das outras disciplinas. Todas apresentam falhas, com maior ou menor gravidade, exceto a Alemão e a Latim/Grego. Na data analisada de 2019, faltavam 59 professores de Informática nas escolas do país inteiro. Em segundo lugar, muito distanciadas do topo, apareciam duas disciplinas empatadas: Geografia e Inglês, com 24 faltas cada.
Este ano, quando o ano letivo vai na sua quarta semana de aulas, na disciplina de Física e Química faltam colocar 61 professores — ou seja, está pior do que Informática em 2019. E o cenário não melhora quando se começa a descer a tabela: a Português faltavam 55 professores, e estão 53 horários por preencher tanto a Inglês como a Matemática.
A lista continua. Inglês do 1.º Ciclo tem 44 professores em falta, a Biologia e Geologia faltam 35, a Geografia há 33 horários por ocupar, e a Francês são 32.
A fotografia de grupo está pior que tremida e mostra que há 20 disciplinas em que faltam mais de 10 professores, quando há dois anos eram sete. Nessa altura, seis disciplinas não tinham falta de professores em nenhuma zona do país quando agora são apenas duas.