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Portugal vai estar pela segunda vez num Mundial de râguebi. Desde 2007 que os Lobos não participavam na competição

World Rugby via Getty Images

Portugal vai estar pela segunda vez num Mundial de râguebi. Desde 2007 que os Lobos não participavam na competição

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"Fazia Uber Eats e ia treinar. Chegava ao final do dia morto": entrevista a Nuno Sousa Guedes, internacional português de râguebi

Vai representar Portugal no Mundial de râguebi, em França, mas recusou jogar futebol no Arsenal. A experiência na Austrália e o desejo de ser recebido por Marcelo numa entrevista a Nuno Sousa Guedes.

Nuno Sousa Guedes é mediador de seguros e também foi um dos 33 convocados de Portugal para o Mundial de râguebi. É um dos elementos mais experientes da Seleção Nacional e mesmo assim nunca teve a oportunidade de viver um momento como aquele que se avizinha. A participação num Mundial não é inédita para os Lobos. A primeira vez que aconteceu foi em 2007, altura em que Nuno decidiu experimentar pela primeira vez a modalidade. O caminho não foi feito em linha reta. Pelo meio, houve um desvio para o futebol. Aos 17 anos, foi convidado a treinar no Arsenal, proposta que recusou de pronto por ter sido seduzido pelo espírito do râguebi. A nível nacional, depois de ter representado o GD Direito, atualmente, representa o CDUP. Nunca foi profissional, nem mesmo na Austrália onde esteve um ano. Na Oceânia, teve “milhares de trabalhos”, como contou ao Observador. “Fui trolha, fui estafeta da Uber Eats, descarreguei contentores dos barcos, fui camionista, fazia entregas de encomendas da DHL”. Agora segue-se um Campeonato do Mundo.

16 anos depois volta a fazer-se história: Portugal empata com os Estados Unidos e está no Mundial de râguebi pela segunda vez

Até à estreia dos Lobos no Mundial, que se realiza em França, o selecionador, Patrice Lagisquet, teve que reduzir a convocatória de 38 para 33 jogadores. Portugal encontra-se no grupo C com Gales, Austrália, Fiji e Geórgia. Os Lobos beneficiaram da penalização que a Espanha sofreu devido à utilização irregular de um jogador para integrar o torneio de repescagem. No último jogo, um empate diante dos EUA bastava para Portugal se qualificar para o Mundial. Samuel Marques converteu uma penalidade nos instantes finais e fez o 16-16 que vai levar a Seleção até França. Durante a preparação para a prova que se avizinha, os Lobos venceram os EUA (46-20) em jogo particular que contou com a presença de Marcelo Rebelo de Sousa.

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Que balanço se pode fazer da preparação até agora?
Tem sido uma preparação bastante completa. Começámos no início de junho. As primeiras quatro semanas tiveram o objetivo de nos preparar fisicamente, de nos dar mais massa muscular e tudo o que envolve corrida e cardio. Foi tudo nesta base, com pouca bola. Só tocávamos na bola nos últimos dez minutos do treino. Depois, tivemos uma pausa de uma semana para recuperarmos as energias. A seguir, fomos para o Algarve duas semanas. Já começou a envolver mais bola, com objetivos táticos e técnicos. O foco esteve na parte física, mas mais encaminhado para o nosso sistema de jogo e para aquilo que queremos fazer no Mundial. O balanço tem sido super positivo. Conhecemos bem o sistema, só estamos a melhorar algumas coisas e a aperfeiçoar algumas fragilidades que possam existir no jogo contra Gales.

Há jogadores mais experientes, outros menos experientes. Acredito que tenham aproveitado também para fortalecerem as relações.
Vivemos aqui 24 sobre 24 horas. Dá sempre para fortalecer relações. Outras até pioram [risos]. Dá tempo para tudo. Está a correr bem.

Um dos jogos particulares que Portugal realizou foi contra o adversário frente a quem carimbaram o passaporte para o Mundial [EUA, sendo que já em França defrontou a Austrália A]. Como é que pessoalmente viveste o momento do apuramento?
No segundo em que a bola entrou caiu-me tudo. Foi o lembrar do que foram os anos que passaram, os esforços que fizemos e a alegria de um sonho conquistado, tudo ao mesmo tempo. Foi um momento bastante marcante para nós. Para mim, foi o melhor momento, de longe, que tive no râguebi.

Parecia que estava destinado. Inicialmente, Portugal não ia ter a oportunidade de estar neste Campeonato do Mundo. Pareceu-te isso também?
São aquelas coisas em que vamos acreditando e em que não há nada palpável. Sempre sentimos, desde o início do processo, que este momento ia ser alcançado de uma maneira ou de outra. Passámos essas energias uns para os outros. Aconteceu uma coisa que não teve nada a ver connosco, mas que acabou por voltar-nos a pôr no caminho do Mundial. Quando houve esta oportunidade, sentimos ‘ok, isto é mesmo para ser’. Agarrámo-nos com unhas e dentes e fomos até ao fim.

Agora que estão lá, o que é que é um bom Mundial para Portugal?
Para nós, o facto de lá estarmos já é um ponto muito positivo. Aproveitar cada momento desta preparação que, para nós, faz parte do Mundial, tem sido bastante positivo e é uma coisa que está marcada para o resto da nossa vida. Falando dos jogos e do grupo que vamos ter, vamos tentar encarar as coisas de uma forma muito relaxada, sem pressão. Vamos pensar devagarinho e vamos pensar em nós principalmente. Não nos podemos deixar ir abaixo. É sempre bom atacarmos equipas como Gales e Austrália que são os dois maiores colossos.

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Portugal carimbou a qualificação para o Mundial de França após empatar (16-16) contra os Estados Unidos no jogo decisivo do torneio de repescagem

World Rugby via Getty Images

Já fizeram uma análise de cada adversário? Ao contrário do que acontece noutras modalidades, esta é uma competição com um espaço temporal um pouco maior entre os jogos…
No início o foco esteve mais na maneira como queremos jogar quando chegarmos ao Mundial. Depois, fomos começando a ver algumas coisas de Gales e da Austrália. A Geórgia conhecemos bem. As Fiji, como ainda falta algum tempo, admito que ainda não tenhamos visto. A análise vai ser feita semana após semana. Com o tempo que temos de um jogo para o outro dá para analisar as coisas com mais detalhe.

O grupo C tem equipas de valia diferente. Olhando para o ranking, a Geórgia talvez seja o adversário mais acessível. É um jogo que está especialmente marcado?
Claro que sim. Não por considerarmos a Geórgia um adversário fácil, porque não o é, de todo. Nenhuma destas equipas será fácil. É uma equipa com que nos batemos todos os anos e têm sido jogos muito equilibrados. É um jogo que, para nós, tem um foco maior e onde queremos atacar a vitória.

Tem existido um debate levantado por alguns presidentes de federações desportivas sobre a receção da Seleção Nacional de futebol feminino pelo Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa. Alguns desses responsáveis apontaram que isso motivava a “monocultura no desporto” por existir um foco excessivo no futebol. Não sendo inédito, este é um momento histórico do râguebi português. Independentemente do que acontecer em França, gostavam de regressar e de serem recebidos em Belém?
Claro que sim. Seria sempre marcante e demonstra algum valor. Nós que estamos aqui dentro e que vivemos isto todos os dias sabemos o valor que isto tem e que damos ao râguebi, mas acho que, para as pessoas que estão de fora e não conhecem o râguebi tão bem, seria sempre uma “publicidade” maior ver o Presidente da República dar esse valor ao desporto. Para a modalidade, seria ótimo, obviamente.

"Na Austrália, os trabalhos que tive foram sempre muito físicos, ou seja, a construção puxava por mim a sério. Trabalhava das 7h às 15h. Depois, das 15h às 18h fazia Uber Eats. No final do dia, ia treinar. Chegava ao final do dia morto".

Ao nível da vossa prestação, também sentem que é preciso deixar um legado, como aconteceu em 2007, para fomentar que atletas mais jovens comecem a praticar a modalidade?
Completamente. O Mundial traz aos miúdos uma vontade maior de jogar. Falo por mim, em 2007, comecei a jogar râguebi precisamente pelo boom que teve. O que se falou sobre o râguebi foi o que me trouxe para a modalidade. Isso vai acontecer inevitavelmente com as gerações mais novas.

Já sentes um burburinho maior em relação a esta participação?
Temos que aproveitar este boom e temos que saber gerir as coisas de maneira diferente. Não que não tenha sido bem feito em 2007, mas acho que, hoje em dia, temos mais experiência. Temos que nos focar nas pessoas e tentar que elas não deixem de jogar ao longo do tempo.

Para cimentar a Seleção Nacional, o primeiro passo a dar é o desenvolvimento das competições nacionais?
Pode passar por aí. Temos vindo a mandar jogadores com excelentes capacidades e talento, que podem viver do râguebi, para fora do país. Na nossa Seleção temos jogadores que podem jogar em clubes grandes no estrangeiro. Agora temos os Lusitanos, uma seleção de jogadores que jogam em Portugal, o que faz com que tenhamos mais jogos internacionais. É algo que tem que continuar. O caminho tem que ser este. A profissionalização ainda vai demorar algum tempo, mas é aí que queremos chegar.

A ideia do profissionalismo tem níveis diferentes. Noutras modalidades, o profissionalismo está num ponto em que se discute se as equipas devem treinar em campos sintéticos ou relvados. Ao nível do râguebi, falamos da capacidade das equipas terem jogadores suficientes para treinarem…
Temos bons exemplos em Portugal. Alguns clubes focam-se nas camadas jovens e investem na formação. O problema é que alguns clubes não têm tido esse apoio e não conseguem gerir da melhor forma as pessoas que jogam râguebi e os atletas acabam por desistir. Por isso, numa equipa sénior acaba por não haver muitos atletas e é mais difícil de gerir. Existe um caminho e pessoas a fazerem as coisas certas. Temos que nos guiar por elas. O irmos agora ao Mundial acaba por trazer a vontade de querer mais e, se calhar, atacarmos o Mundial em 2027 e em 2031, ou seja, sermos mais assíduos.

É correto dizer que o peso que o râguebi tem na vida de um jogador não é o mesmo que a vida familiar ou que o trabalho?
Na nossa Seleção, não. Para mim, em particular, o râguebi é uma prioridade. É aquilo que mais gosto de fazer. Admito que a minha gestão de tempo é feita muito à base do râguebi.

O que é que fazes profissionalmente?
Trabalho numa mediadora de seguros. É um plano B. O râguebi é uma prioridade na minha vida, embora o lado financeiro não seja um dos motivos para que continue a jogar. O amor ao desporto é o que me agarra.

Muitos dos internacionais portugueses, principalmente os que jogam em França, vivem a realidade do profissionalismo. Dentro da convocatória, sentes que há níveis diferentes entre os jogadores?
Não, de todo. A coisa boa da nossa Seleção é exatamente essa, há um equilíbrio enorme. Os jogadores que jogam em Portugal e que não são profissionais não estão abaixo dos outros. Falo por mim, sinto-me dentro do sistema e não acho nada disto anormal. A vida profissional que estamos a ter agora [na preparação para o Mundial] estou a encará-la com a maior vontade. Tem sido uma novidade, puxa por nós de maneira diferente.

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Nuno Sousa Guedes começou a jogar râguebi por causa da participação portuguesa no Mundial 2007 e agora vai estar a representar os lobos em França

NurPhoto via Getty Images

Algumas pessoas do râguebi dizem que tu és aquele tipo de pessoa que irrita os amigos, porque és bom em qualquer desporto que pratiques. É isso?
[Risos] Tudo o que envolva bolas – ténis, basquetebol, etc. – são desportos que acompanho e ganho muito por isso. Quando jogo contra os meus amigos, acaba por dar bom resultado.

Que outros desportos praticaste?
Fiz moto trial. Comecei aí, com o meu pai, quando era miúdo. Fui campeão nacional três vezes. Depois, entrei no futebol que foi sempre a minha grande paixão. Aos 14 anos, fui para o râguebi.

Recusaste o Arsenal na tua passagem pelo futebol. O que é que tem que acontecer na cabeça de um jovem para dizer que não a uma proposta destas?
Toda a vida tive o meu pai, a minha família e os meus amigos a dizerem que tinha jeito para jogar futebol. Eu próprio sempre gostei. Com 17 anos, saí do râguebi e fui para o futebol durante um ano. As coisas correram super bem e andaram de uma forma que eu não estava nada à espera. Entretanto, consegui um agente que falou com os meus pais e que estava sempre em ligação comigo. Houve uma altura em que ele me apresentou uma proposta a dizer que o Arsenal gostava de fazer testes comigo em Inglaterra. Estava a acabar a época, era meio de maio e o suposto era ir fazer os testes de pré-época e eu acabei por saltar fora do futebol para voltar ao râguebi devido ao ambiente que se vivia no futebol que não era muito positivo.

O que é que valoriza o ambiente do râguebi?
Tenho amigos e influências familiares no râguebi. Isso ajudou bastante. O ambiente que se vive fora das quatro linhas sempre foi aquilo que me cativou mais e que me puxou para viver o râguebi da maneira que vivo. Sempre tive um lema: tudo o que faço tenho que me divertir. A partir do momento em que não me estiver a divertir, salto fora. O futebol foi um bocadinho isso. Começou a ser profissional demais e senti que não me estava a divertir e estava focado em algo que era um extra, que não conseguia controlar. O caminho não era esse. O râguebi tem as terceiras partes e a amizade que se cria dentro e fora do campo.

"Nós que estamos aqui dentro e que vivemos isto todos os dias sabemos o valor que isto tem e que damos ao râguebi, mas acho que, para as pessoas que estão de fora e não conhecem o râguebi tão bem, seria sempre uma "publicidade" maior ver o Presidente da República dar esse valor ao desporto".

Na passagem que tiveste pela Austrália viveste esse ambiente de uma forma mais intensa devido ao contexto, ou seja, num país onde o râguebi tem mais tradição?
A Austrália sempre me cativou muito, porque tem a nossa mentalidade. Antes de chegares ao râguebi profissional, aquilo é muito como em Portugal. Os jogadores têm uma vida paralela ao râguebi, todos trabalham ou estudam. Têm uma vida à parte. Ao mesmo tempo, conseguem jogar râguebi a um nível altíssimo. Foi isso que fiz lá.

Que trabalhos tiveste por lá?
Tive “milhares” de trabalhos. Essencialmente, fui trolha, fui estafeta da Uber Eats, descarreguei contentores dos barcos, fui camionista, fazia entregas de encomendas da DHL, fiz variadíssimas coisas.

Dava para conciliar?
Não era fácil. Na Austrália, os trabalhos que tive foram sempre muito físicos, ou seja, a construção puxava por mim a sério. Trabalhava das 7h às 15h. Depois, das 15h às 18h fazia Uber Eats. No final do dia, ia treinar. Chegava ao final do dia morto. As coisas correram lindamente, mas chegou a uma altura em que tive que optar ou pelo trabalho ou pelo râguebi. Saltei fora do râguebi e foquei-me em ganhar dinheiro, em viajar, em ter uma experiência dita normal de quem está na Austrália. Foi uma experiência espetacular.

Em termos de formação académica, és licenciado em Gestão no Desporto?
Exatamente, nada a ver com o que faço.

Algum dia esperas vir a exercer?
Um dia, gostava.

Num cargo federativo?
Qualquer coisa desse género. Nunca pensei muito bem sobre isso, mas sei que um dia vou entrar no mundo do desporto de uma forma diferente. O objetivo é esse a longo prazo. Estar aqui na Seleção também se deve muito à flexibilidade que me dão no trabalho. É uma empresa que gosta bastante de râguebi e que me dá essa liberdade. Não há dinheiro que pague isso.

Dentro do râguebi, o que é que ainda gostavas de fazer?
Gostava de ter uma experiência profissional num clube grande da Europa. Não é um objetivo pelo qual eu vá morrer por ele, mas, se aparecesse, era de considerar.

 
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