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AFP/Getty Images

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Feitas as contas, quanto vale um Nobel?

Nos dois meses após a distinção foram vendidos 300 mil livros de Saramago. E Patrick Modiano vendeu tanto numa tarde como nos meses anteriores. Ainda assim, publicar um Nobel nem sempre compensa.

Esta quinta-feira, pelas 12h, será anunciado o nome do escritor vencedor do Prémio Nobel para a Literatura. Todos os anos calha numa quinta-feira, todos os anos as portas se abrem ao meio-dia para o secretário da Academia ler o nome tão antecipado. E se o mundo está de olhos postos no anúncio, tantas vezes para confessar nunca ter escutado, sequer, o nome do autor escolhido, os editores estão em frente aos computadores, assistindo ao anúncio em direto, com uma expectativa diferente. É que ter um Nobel no catálogo significa um aumento exponencial nas vendas dos livros do autor. Mas será mesmo assim? E, se sim, durante quanto tempo? Quanto vale, afinal, um Nobel? O Observador ouviu vários editores que publicam os autores vencedores do prémio por cá. Entre eles Zeferino Coelho, editor da Caminho e editor de Saramago (cuja obra é agora editada pela Porto Editora) em 1998, quando o autor de Memorial do Convento recebeu o único Nobel português, e Maria da Piedade Ferreira, editora de António Lobo Antunes, que continua à espera que de Estocolmo chegue o reconhecimento há muito esperado.

Zeferino Coelho (Caminho)

“A atribuição de Prémio Nobel a um autor tem sempre um efeito positivo, para o próprio e para o seu editor: a popularidade do autor cresce, o editor e os livreiros recolocam os livros nas lojas e eles aparecem com maior visibilidade, e, para o futuro, o Nobel transforma-se numa espécie de título de nobreza e a expectativa é que os livros desse autor alcancem vendas superiores.

No entanto, o impacto da atribuição do Prémio Nobel sobre as vendas é sempre maior ou menor de acordo com a popularidade que o autor já tinha antes de lhe ser atribuído o Prémio: isto é, um autor conhecido passa a vender um pouco mais; um autor muito conhecido passa a vender muito mais. Talvez haja exceções, mas desconheço-as.

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Quando Saramago ganhou o Nobel foi uma coisa extraordinária. Há décadas que nós portugueses ansiávamos por um Nobel da literatura. Finalmente aconteceu. E em 1998 achávamos que éramos os melhores do mundo. Apanhou-nos num momento de grande exaltação. E saiu a um português – poderia ter saído a um brasileiro. Havia uma certa expectativa de que Saramago viria a ganhar. Aliás, no ano anterior, Portugal tinha sido tema da Feira de Frankfurt, e ganhou o Dario Fo. E ele até telefonou ao Saramago a dizer: ‘Roubei-te o Nobel’. Saramago estava muito traduzido, era muito conhecido em todo o mundo. Nesse ano, e acho que isso teve importância, saiu nos EUA a tradução inglesa de Ensaio Sobre a Cegueira, com uma excelente receção da crítica, que exultou com o livro. E o que diz a imprensa americana tem impacto no mundo.

José Saramago

José Saramago

Acompanhei Saramago naquele percurso todo. Foi uma enorme alegria. Todos os meus colegas ajudaram na Feira de Frankfurt, colocaram cartazes, fez-se uma conferência de imprensa. Foi extraordinário. Na véspera, Saramago tinha ido à Feira de Frankfurt fazer uma conferência. Na quinta-feira ia-se embora, tinha voo marcado para a uma da tarde. Na véspera disse-me que tinha falado com a Pilar, que tinha ficado em Lanzarote, e lhe disse que lhe estavam a chegar umas coisas um pouco estranhas, que se calhar lhe iam dar o prémio. Saramago até me perguntou se deveria ficar. Disse-lhe para ir, há tantos anos que se falava e não era nada… Quando ele já estava na sala de embarque, a entrar para o avião, uma hospedeira da Ibéria veio-lhe dizer: ‘Senhor Saramago, venho-lhe comunicar que o senhor acaba de ganhar o Prémio Nobel’. Ligou-me e fui buscá-lo. Foi uma coisa feliz. Saramago até disse: ‘Com isto nós, portugueses, ficámos uns centímetros mais altos’.

Entre outubro e dezembro vendemos em Portugal à volta de 300 mil livros de Saramago. Teve um impacto muito grande. E continuou. O autor passa para um outro patamar. Cada novo livro que faz já é de um Prémio Nobel, tem à partida muito mais leitores.

Francisco José Viegas (Quetzal)

“Para a editora, os efeitos de um Nobel são sempre positivos, evidentemente, quer em termos de vendas, quer em matéria de prestígio e notoriedade. É uma hipocrisia dizer o contrário e vir com aquela conversa de que é indiferente. Não conheço nenhum editor que não tenha melhorado as suas vendas com o Nobel.

Um catálogo é uma construção criteriosa ou, pelo menos, com um certo ‘espírito de conjunto’, e é absurdo pensar que o anúncio do Nobel pode confirmar as apostas editoriais. O Nobel é uma tômbola, os seus critérios não são nem nunca foram exclusivamente literários. Um editor aposta coisas muito extravagantes quando faz o seu programa editorial – e ‘o Nobel que há de vir’ nunca faz parte dos critérios.

É claro que, quando estamos a negociar direitos, lá fora, ter alguns Nobel no catálogo ajuda sempre, é uma certa garantia, dá algum prestígio. Mas, olhando para os últimos vinte anos, há certos Nobel que eu não publicaria. Ou porque os livros não nos interessam de facto, ou porque não compensa andar na corrida.

A expectativa sobre o Nobel existe sempre, existiu sempre. Mais do que um acontecimento literário, é uma espécie de ritual – em outubro, lá chega o Nobel. Depois há sempre aquelas pessoas que dizem ‘ah, preferia aquele ou aqueloutro’, mas a verdade é que as escolhas da Academia são quase sempre controversas, mesmo quando é um autor nosso. Basta pensar no número extravagante de autores que foram preteridos ao longo do último século, nas pressões políticas, e ‘politicamente correctas’, e até nos ódios e esquecimentos desastrosos que o Nobel alimentou – Borges, Nabokov, Proust, Virginia Woolf, Chinua Achebe…”

Cecília Andrade (Dom Quixote)

“Dadas as características literárias do catálogo da Dom Quixote, com uma qualidade reconhecida pelos inúmeros prémio Nobel que nele estão incluídos, todos os anos, por esta altura, a expectativa é sempre grande. Publicamos há muitos anos a obra de eternos candidatos, como são os casos de António Lobo Antunes, Amos Oz, David Grossman , Milan Kundera, Philip, Roth ou Salman Rushdie, só para citar alguns.

"Entre outubro e dezembro vendemos em Portugal à volta de 300 mil livros de Saramago. Teve um impacto muito grande. E continuou. O autor passa para um outro patamar. Cada novo livro que faz já é de um Prémio Nobel, tem à partida muito mais leitores."
Zeferino Coelho, Caminho

Ao longo do tempo, temos tido muitas alegrias quando, naquele momento que todos aguardamos, vemos o Comité Nobel recompensar autores como Patrick Modiano, Mario Vargas Llosa, Herta Müller, Le Clézio, J. M. Coetzee, V. S. Naipaul ou Günter Grass, por exemplo. Escritores que a Dom Quixote divulgou e deu a conhecer aos leitores portugueses. Naturalmente que um catálogo com estas características, que reúne um leque de grandes escritores de méritos reconhecidos (não só com o Prémio Nobel como com outros importantes prémios internacionais) pode dar uma ajudinha quando há várias editoras em jogo para compra de direitos de um determinado autor.

Se o Prémio Nobel faz diferença nas vendas? Eu direi, pela minha experiência, que faz alguma diferença, sim, mas nem sempre a diferença é assinalável. Depende dos autores, se são ou não conhecidos e apreciados pelos leitores, se a sua obra tem algum aspeto que possa despertar curiosidade, pelas suas características ou pela mensagem. Mas uma coisa é certa: mesmo sem se refletir em grandes vendas garanto que publicar o nome que o senhor sueco anuncia é um dos momentos altos da nossa carreira.”

Manuel Alberto Valente (Porto Editora)

“Para a editora não muda nada. Quer dizer, se for uma editora pequena e desconhecida é evidente que ter um Nobel lhe pode dar uma visibilidade internacional que até aí não tinha. Para uma editora como a nossa, conhecida em toda a parte, ter um Nobel não altera substancialmente nada.

Agora, em relação ao próprio autor e em relação ao livro, aí sim, as mudanças são notórias. Por exemplo, tivemos um Nobel com o Patrick Modiano. Quando foi anunciado o prémio tínhamos publicado apenas um livro dele – os outros saíram depois. Esse livro tinha sido publicado uns largos meses antes do anúncio do Nobel e vendeu, usando números redondos, cerca de 500 exemplares. Muito pouco. Na tarde do dia em que foi anunciado o Nobel, esse mesmo livro vendeu mais do que os 500 exemplares que tinha vendido durante os meses anteriores. Tivemos que o reimprimir, reimprimir, reimprimir. Não tenho números exatos mas vendeu sete ou oito mil exemplares.

French writer Patrick Modiano gives a press conference in Paris, on October 9, 2014, following the announcement of his Nobel Literature Prize earlier in the day. Modiano, a historical novelist haunted by France's painful experience of Nazi occupation and his own childhood wounds, won the Nobel Literature Prize on Thursday. AFP PHOTO / THOMAS SAMSON (Photo credit should read THOMAS SAMSON/AFP/Getty Images)

Patrick Modiano

O mesmo nos aconteceu com Svetlana Alexievich: um livro com vendas medianas acabou por vender mais de 10 mil exemplares. Em relação aos livros e aos autores o Nobel tem uma grande, grande influência. Mas não dura muito. Depende de autor para autor. No caso do Modiano, depois do anúncio do prémio houve vendas muito grandes mas depois o autor voltou ao lugar que normalmente tinha: a vender muito pouco. O anúncio do prémio seguinte apaga o efeito do Nobel anterior. A partir de um determinado momento o herói é outro. A não ser que seja um autor que, pelas suas características, seja à partida um grande vendedor, um autor de vendas reduzias passado o efeito Nobel volta à cepa torta.

Descobrir que um autor do nosso catálogo ganhou o Nobel é um motivo de orgulho e de apaziguamento. A pessoa sente, de certa maneira, que a sua escolha não foi em vão. Mas é uma grande lotaria. Não se pode estar permanentemente a pensar nisso. E, presumo eu, mas essa experiência só a teve o meu colega Zeferino Coelho, é muito diferente se esse Nobel for atribuído a um autor nacional, em cuja edição a pessoa tenha apostado desde início. Calculo que seja uma alegria enorme. Quando se trata de um autor estrangeiro, não descobrimos nada, já conhecemos a repercussão que está a ter noutros países. A descoberta não foi nossa, sozinhos. É uma alegria, mas uma alegria relativa. A quinta-feira do anúncio do Nobel não é um dia normal. Por volta das 11 abrimos os computadores na página da Fundação Nobel e ficamos à espera. Expectativas? Pode ser. Dizem que um dos possíveis candidatos é o Adonis. Publicámos recentemente um livro dele. Estamos na corrida. E na expectativa.”

Maria da Piedade Ferreira (Leya, editora de António Lobo Antunes)

“Não tenho a experiência de ter tido um Nobel com um autor que estivesse a editar. Por exemplo, publicava o Gabriel García Márquez mas quando ganhou o Prémio Nobel já não era editora dele. Não tenho a experiência direta de ter tido um Prémio Nobel. Tenho a experiência de ter assistido e de poder avaliar a situação.

Gostaria muito que António Lobo Antunes ganhasse o Nobel. Deixar-me-ia muito feliz, tanto mais que ele merecia amplamente ter o Nobel. Tem uma obra enorme, vasta, única. Esperemos que venha a tê-lo brevemente. Pelo menos eu espero. E ficaria muito feliz com isso, claro.

"Olhando para os últimos vinte anos, há certos Nobel que eu não publicaria. Ou porque os livros não nos interessam de facto, ou porque não compensa andar na corrida."
Francisco José Viegas, Quetzal

Do ponto de vista comercial, o sucesso nas vendas de um Nobel depende do autor, depende até da área geográfica de onde vem. Se já é um autor conhecido e com obra publicada potencia enormemente as vendas dos livros que já existem, que fazem parte do catálogo, ou de uma novidade que venha a sair. Se for um autor de outro universo geográfico e cultural é mais difícil. Primeiro há um fenómeno de curiosidade à volta do autor, toda a gente fala nisso, as pessoas têm curiosidade, se houver um livro publicado vão comprá-lo, se não houver esperam que venha a ser editado. Mas, a não ser que a obra seja espantosa, é uma curiosidade limitada no tempo, porque no ano seguinte vem outro Nobel. Para decidir começar a traduzir a obra de um autor, o facto de este ter um Nobel é um argumento importante. Há um reconhecimento implícito da sua obra. E, claro, há uma grande expectativa todos os anos. O dia do anúncio do Nobel não é, de todo, um dia igual aos outros.”

Guilherme Pires (Elsinore)

“Um autor vencedor do Prémio Nobel de Literatura tem sempre um efeito muito positivo para a editora. Dá força e prestígio ao catálogo, o que resulta em argumentos mais fortes para a negociação de outros livros e contratação de novos autores; reforça a atenção dos jornalistas e dos leitores, aumentando a notoriedade da chancela; melhora as colocações e as vendas, o que ajuda a consolidar a relação com os clientes livreiros.

É sempre compensador ao nível das vendas, sim, exceto quando os autores escrevem poesia — não somos um país de poetas nem de leitores de poesia. Acredito que muitos editores não rejeitariam a hipótese de publicar um autor Nobel mesmo quando esse autor não é o mais recente vencedor do prémio; contudo, também é verdade que o anúncio do novo vencedor lança sempre um manto de esquecimento sobre os vencedores anteriores ao chamar a si os holofotes da fama literária, o que produz uma quebra na visibilidade dos livros desses autores — e, consequentemente, nas vendas: sem exposição ou reconhecimento, nenhum livro vende.

Belarussian writer wins 2015 Nobel Prize

Svetlana Alexievich

Quanto ao anúncio desta quinta-feira, não temos qualquer expectativa, tal como não tínhamos antes da vitória da Svetlana Alexievich em 2015. Trata-se de uma lotaria. O António Lobo Antunes é um anunciado-possível-quase-certamente-desta-vez-é-que-é vencedor do Nobel há pelo menos uma década…”

Pedro Sobral (Grupo Leya)

“As escolhas editoriais são feitas com base noutros critérios que não o ‘nobelizável’. Se olharmos para os catálogos da Caminho ou da Dom Quixote, o que encontramos são autores nacionais e internacionais de inquestionável qualidade literária e que merecem ser lidos em Portugal. É essa qualidade que os leva a ser premiados e que os leva também ao Nobel.

Naturalmente que um Nobel tem impacto nas vendas e é interessante tê-los já publicados. E por isso há sempre um certo interesse em saber quem é o vencedor do ano em questão. No entanto, e como referi, este não é um critério exclusivo de escolha nem de gestão dos catálogos existentes. Sabemos que os editores responsáveis, com a sua qualidade de seleção, trabalho, leitura e edição têm sim capacidade de ter autores ‘altamente nobelizáveis’.”

Eduardo Boavida (Bertrand)

“Como na editora os Prémios Nobel da Literatura não têm grande expressão, o seu efeito não se faz sentir. Quando a atribuição recai sobre um autor que está em catálogo, como é o caso de Günter Grass, essa consequência é francamente positiva. Mas não penso que isso tenha reflexo em vendas do resto do catálogo. Em termos de ajuda a novos contratos, se estes tomarem como critério a qualidade literária do catálogo, então certamente terão.

Quanto às expectativas relativamente ao anúncio, existe sempre expectativa da nossa parte em relação aos principais prémios literários para conhecermos as principais tendências que os enformam. O Nobel não é exceção.”

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