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Era meio-dia quando chegámos à Vanscape e já passava da uma quando saímos de lá ao volante de uma caravana. O check-in não demorou mais do que é costume: foi uma hora de conversa e muitas explicações, porque “a caravana é um bicho sensível, sabem?”. André Goes, o terceiro elemento da empresa que aluga estas casas com rodas, recebeu-nos de luvas e máscara para nos dar todas as indicações sobre o exterior da carrinha: da água limpa às águas sujas, passando pela eletricidade, o gás, os degraus elétricos da porta de entrada, as cadeiras e a mesa para montar lá fora e jantar ao pôr-do-sol. Recebemos todas as instruções possíveis, das mais técnicas às mais práticas. Mas se as demonstrações sobre o exterior foram feitas ao vivo, relativamente ao interior a história foi diferente: em época de pandemia, para não entrar no “nosso espaço”, como lhe chamou, André enviou-nos vídeos explicativos com tudo o que precisávamos de saber para quatro dias bem passados. E despediu-se com um “qualquer coisa, estou sempre a uma mensagem de distância”. Depois da avalanche de informação, o nervoso miudinho: será que vamos dar conta do recado?
Pusemos o bicho a andar e o entusiasmo bateu o receio. Com 2,5 metros de altura e quase seis de comprimento, a nossa “Arrifana” era pouco discreta: pintada de verde, por onde quer que passássemos as pessoas olhavam com espanto para ela. Das outras caravanas que encontrávamos na estrada chegavam-nos acenos e polegares estendidos; nós, estupefactos por também nos tomarem por caravanistas de verdade, nem sempre respondíamos a tempo. Nas curvas ouvíamos tudo o que tínhamos guardado dentro dos armários a deslizar connosco e há que assumir que éramos contidos, mas nas retas ninguém nos parava – 100 quilómetros à hora parece a velocidade da luz numa Fiat Ducato de 1996. O volante, enorme e horizontal, obriga a alguma ginástica e garante gargalhadas: para ter as mãos às dez para as duas é quase preciso abraçar a estrada. No vidro da frente, algumas mensagens ajudavam a entrar no espírito: o autocolante “drive slow, enjoy the view” fazia mais sentido que nunca.
Primeira paragem: praia de Melides. Andámos em manobras no parque de estacionamento durante dez minutos até assumirmos que não cabíamos nos espaços cobertos desenhados para estacionar. Conclusão: a (nada) discreta carrinha ficou assumidamente de fora – mas no final do dia estava lá à nossa espera para seguir para São Torpes, onde queríamos fixar o T0 numa falésia. Em andamento, explorámos a app park4night, recomendada pelo André e pelo Francisco da Vanscape, onde encontrámos o que nos pareceu o sítio perfeito para dormirmos embalados pelas ondas e acordarmos com vista para o mar. Havia mais duas carrinhas estacionadas naquela zona, algo afastadas, e fomos perguntar se achavam boa ideia pernoitarmos ali – uma vez que não é permitido e que há multas para quem o faça. “Tranquilo, o mais importante é escolherem um sítio nem com muita gente nem totalmente isolado. Aqui estão bem”, responderam-nos os caravanistas profissionais de sotaque espanhol. A vizinhança, mesmo à distância, provou o seu valor. Decidimos ficar.
Escolhemos a cama maior, a que fica na frente da carrinha, por cima do condutor, e a única que não obriga ao faz-e-desfaz diário (já que as restantes duas camas estão “camufladas” na mesa de refeições e no sofá). As primeiras impressões foram ambíguas: por um lado, o colchão de casal tem um tamanho surpreendentemente generoso mas, por outro, o espaço vertical é pouco e a sensação é algo claustrofóbica. Foi preciso dar algumas vezes com cotovelos e joelhos no teto, que fica a menos de 80 centímetros do colchão, para memorizar corporalmente aquelas dimensões. A partir daí, dorme-se com os anjos.
Acordar com o barulho do mar foi maravilhoso e as manhãs habitualmente encobertas da Costa Vicentina são uma bênção: é muito raro fazer calor a sério nas primeiras horas do dia, o que permite, em conjunto com os blackouts e as redes mosquiteiras nas janelas, dormir confortavelmente até mais tarde. Depois de um curto passeio para contemplação, voltámos à caravana para tomar o pequeno-almoço mas, assim que pusemos o café ao lume, fomos surpreendidos pela GNR. “Não sabem que não podem estar aqui? Vá, não pode ser, circulem lá.” O aviso até foi simpático e nós arrancámos na hora – o café ficou para depois.
Os dias seguintes foram passados de praia em praia: depois de Melides, seguiram-se a Samoqueira, Aivados, Furnas e Pedra da Bica. Ficávamos um bocadinho de manhã e outro bocadinho à tarde, com pausa para ir almoçar a casa, já que a tínhamos sempre parada nas dunas. E, apesar de a cozinha não ser propriamente espaçosa, ainda nos permitiu cozinhar bastante: além de saladas coloridas, houve frango teriyaki com arroz, croquetes com legumes salteados e spaghetti al pomodoro. Tínhamos fogão com quatro bicos, frigorífico e congelador, só faltava a torradeira, razão pela qual o pão do pequeno-almoço era tostado na frigideira – haja imaginação! O que não houve mais à hora da refeição foram interrupções da GNR, já que a primeira nos serviu de lição e, nas duas noites seguintes, pernoitámos – mais felizes com a decisão do que poderíamos adivinhar – em parques de campismo.
Em cinco minutos de pesquisa na park4night, encontrámos os bem classificados Campiférias (em Milfontes) e São Torpes Camping. Bem sabemos que o facto de ser época baixa jogou a nosso favor mas a escassa e pacata vizinhança, a eletricidade infinita por pouco mais de 3€ ao dia e o conforto de ter casas de banho amplas e limpas conquistou-nos – já que o WC da caravana funciona impecavelmente mas, em termos de tamanho, faz lembrar o de um avião. Foi nestas duas noites que montámos mesa, cadeiras e toldo na parte lateral da carrinha e jantámos que nem autênticos caravanistas, ainda com a luz do sol.
Chegada a hora de regressar, deparámo-nos com o terror do caravanismo (pelo menos o de primeira viagem): mudar águas. A da cozinha, que se acumula num reservatório próprio, seria sempre bastante limpa, mas a ideia de despejar a “cassete” – o nome que se dá ao depósito que contém os esgotos da casa de banho – era assustadora, mesmo tendo utilizado a descarga o menos vezes possível, como nos foi aconselhado durante o check-in. De método estudado e em pontinhas de dedos, fomos com a tal cassete – uma caixinha que se agarra com duas mãos – a um local próprio para despejos, disponível em qualquer parque de campismo. Mas não foi tão mau assim: a pastilha que se coloca no recipiente antes de o utilizar dá ao líquido um cheiro intenso a produtos químicos de limpeza e uma cor inesperada, azul forte. Agora sim, tudo como novo.
O caminho para Lisboa foi feito de acenos, apitadelas e polegares levantados aos caravanistas que encontrávamos. Desta vez, éramos nós os entusiastas, sempre prontos a cumprimentar quem passava também com a casa sobre rodas. Depois de quatro dias e três noites, estávamos convertidos ao caravanismo, de tal forma que o regresso foi agridoce: por um lado marcou o fim de umas férias bem passadas, por outro deixou-nos vontade de nos fazermos à estrada mais vezes.
Vanscape
O nome da empresa já deixa adivinhar qual era o intuito dos dois amigos que a fundaram: escapar. Estávamos em 2015 quando Francisco Tavares e João Neves resolveram largar tudo e comprar duas caravanas. “Lembro-me de estar a olhar para aquelas carrinhas que de repente eram nossas e ficar ‘e agora?’”, recorda Francisco. A ideia era fugir a uma vida apressada e construir outra mais calma e presente. Assim nasceu a Vanscape que, ao fim de cinco anos, é uma referência no aluguer de autocaravanas.
A equipa de dois aumentou para três e hoje conta com mais um amigo de infância, André Goes, a vestir a camisola. “Gostamos de manter a coisa pequena e entre amigos.” Quanto às carrinhas, as duas com que a empresa arrancou deram lugar a sete mais sofisticadas. Tratam-se de caravanas antigas, com um charme vintage mas totalmente equipadas e pintadas de cores fortes. Há a SuperTubos, a Amália, a Nazaré, a Mariana, a Santa Bárbara, a Ericeira e a Arrifana – todas com nomes de praias portuguesas, não fossem elas alugadas maioritariamente para explorar a costa nacional.
Ponto de encontro: Monsanto
Preço por noite: 50€ a 150€
Indie Campers
Era uma vez um português e um austríaco que compraram três carrinhas e, com elas, construíram a maior empresa de aluguer de autocaravanas da Europa. A Indie Campers nasceu em 2013, pela mão de Hugo Oliveira, co-fundador e atual CEO da empresa, depois de uma experiência de caravanismo pela Austrália. Ainda a estudar gestão, Hugo decidiu focar a sua tese de mestrado neste modelo de negócio e acabou por pô-lo em prática em Portugal.
Sete anos depois, as três carrinhas deram lugar a mais de mil e a Indie Campers está agora presente em 15 países europeus. “A nossa presença geográfica caracteriza-nos”, explica Miguel Fraga, responsável de marketing da empresa. “Na Indie Campers, pode-se levantar uma caravana em Portugal e entregá-la na Suécia.”
Há nove modelos por onde escolher e todas as carrinhas disponíveis são recentes, tendo as mais antigas apenas quatro anos de vida. “As nossas autocaravanas não deixam ninguém na mão”, garantem. A equipa de apoio ao cliente também não: é composta por 17 elementos que falam um total de 11 línguas.
Ponto de encontro: Faro, Lisboa, Porto e mais 37 localizações espalhadas pela Europa
Preço por noite: 39€ a 159€
VanBox
A história da VanBox começa numa caixa de surpresas: “Foi um presente que a minha mulher me ofereceu – umas férias de caravana que acabaram por mudar as nossas vidas.” Estávamos em 2017 quando Cláudia e Pedro Ferreira pegaram numa carrinha para explorar o país com a filha Mariana, na altura com 7 anos, e com o cão dos três. “As férias foram tão boas que nos dois anos seguintes não pensávamos em mais nada.”
Ela vinha de psicologia e ele da banca – atividade que ainda concilia com a empresa –, mas foi no caravanismo que encontraram satisfação profissional. “Este projeto nasce das nossas convicções. Acreditamos nas valências do nosso país, do norte ao sul, do interior ao litoral. É por isso que as nossas carrinhas não são as mais típicas: são caravanas urbanas.” Além de pagarem apenas classe 1 nas portagens, as cinco vans da marca são compactas, pequenas e facilmente manobráveis, o que lhes permite ir onde as grandes caravanas não vão: aos centros das cidades. “Esta é uma nova forma de conhecer o país, que associa a portugalidade ao caravanismo”, resumem.
Ponto de encontro: Lisboa
Preço por noite: 36€ a 76€
Siesta Campers
O amor às antigas pão de forma da Volkswagen fez com que Loyd Rozzo, adepto fervoroso do caravanismo, começasse a recuperar carrinhas antigas apenas por gosto. A primeira campervan de Loyd e da mulher Claire foi reconstruída em 1996 a partir de um autocarro dos anos 60 – caravana que os levou a percorrer muitas estradas, até encontrarem as portuguesas. Em 2006, fundaram a Siesta Campers, sediada em São Brás de Alportel, no Algarve, para onde se mudaram.
Atualmente, a empresa conta com uma frota de 50 carrinhas de vários modelos, entre as quais os clássicos da Volkswagen California e Grand California, mas também carrinhas de autoria de Loyd e Claire. “A Siesta Beach e a Siesta Atlantic, em vermelho e branco e azul e branco, são modelos nossos”, explica Pedro Peixoto, diretor de vendas. “São carrinhas idealizadas e feitas pelos fundadores, que as vão melhorando ano após ano, aproveitando o feedback dos nossos caravanistas para melhorar as suas experiências.” E é com o mesmo intuito que as carrinhas vêm totalmente equipadas – até mesmo com louça em cerâmica, porque, segundo um lema dos fundadores, “a vida é demasiado curta para beber vinho em copos de plástico”.
Ponto de encontro: Faro, Lisboa e Porto
Preço por noite: 55€ a 200€
MR.Vancamper
A marca com nome de pessoa nasceu pela mão de Rita e David Abrantes, de 26 e 37 anos, como uma homenagem ao pai de ambos. Com as férias de infância passadas entre Portugal e Espanha de casa às costas, os dois irmãos guardam as melhores memórias do caravanismo, a grande paixão do pai, “que é o nosso verdadeiro MR.Vancamper”, conta David. “Foi ele a inspiração para este projeto familiar.”
Rita vinha de hotelaria e turismo e David da área de distribuição e logística, mas ambos procuravam um novo rumo profissional. Foi em 2018 que decidiram avançar com uma empresa de aluguer de autocaravanas que privilegiasse o conforto dos caravanistas. Atualmente, a marca conta com quatro Californias e duas Grand Californias, modelos icónicos da Volkswagen, e espera duplicar a frota no espaço de um ano. “Fazemos questão de ter caravanas recentes e de qualidade.” As carrinhas vêm equipadas com roupa de cama, toalhas de banho, toldo, mesa, cadeiras e uma série de extras, “que na MR.Vancamper não são extras mas sim essenciais para viver uma excelente experiência”.
Ponto de encontro: Faro, Lisboa e Porto
Preço por noite: 64€ a 129€
TOPO
Conheceram-se em Moçambique e foi da África do Sul que trouxeram a ideia do negócio que construíram juntos. José Maria Ramos e António Lobo, de 40 e 41 anos, levam a sua paixão pela aventura tão a sério que decidiram criar a partir dela a TOPO, uma empresa dedicada ao aluguer e à venda de tendas rooftop que se instalam no tejadilho de qualquer carro.
O conceito não é novo em África, onde os safaris pedem segurança. “A altura a que estão as tendas protege o campista de animais rastejantes e, por outro lado, cria-se ali um volume considerável que os animais de grande porte não querem enfrentar”, explica António. Em Portugal, as vantagens são outras. Além da portabilidade, já que a estrutura desmontada se assemelha à de uma simples mala de viagem, as TOPO destacam-se pela mobilidade, já que não condicionam o desempenho dos carros. A instalação e desinstalação das tendas nos tejadilhos demora apenas dois minutos e está a cargo da empresa, que faz também a limpeza e a desinfeção dos equipamentos. Destaca-se ainda a vista, que é sempre melhor do primeiro andar do que do rés-do-chão e, segundo António, a fotogenia. “As nossas tendas são um produto de campismo, mas um campismo… instagramável.”
Oficinas: Chaves, Faro, Fátima, Lisboa e Porto
Preço por noite: 24,50€ a 39€
Artigo originalmente publicado em julho de 2020 na revista Observador Lifestyle Nº8