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A ministra da Saúde, Ana Paula Martins, na sua audição perante a Comissão de Orçamento, Finanças e Administração Pública, no âmbito da apreciação, na especialidade, da Proposta de Lei n.º 26/XVI/1.ª (GOV) – Aprova o Orçamento do Estado para 2025, na Assembleia da República, em Lisboa, 12 de novembro de 2024. TIAGO PETINGA/LUSA
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"É muito difícil que a culpa venha a morrer solteira", concede ao Observador um membro do Governo

TIAGO PETINGA/LUSA

"É muito difícil que a culpa venha a morrer solteira", concede ao Observador um membro do Governo

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Governo reconhece "bomba ao retardador" na Saúde, mas tenta encontrar forma de evitar saída da ministra

No Executivo, reconhece-se que será praticamente impossível evitar que crise no INEM venha a provocar demissões. Prioridade é segurar ministra, mesmo que isso implique sacrificar outras peças.

Secretária de Estado, presidente do INEM e sindicatos. O Governo está a tentar encontrar forma de impedir que as 11 mortes que terão alegadamente resultado dos constrangimentos provocados pela greve dos serviços de emergência pré-hospitalar sejam politicamente imputadas a Ana Paula Martins e evitar assim que a ministra da Saúde seja o primeiro elemento da equipa de Luís Montenegro a cair. Com inquéritos judiciais e investigações do IGAS a decorrer em simultâneo, é improvável que estes incidentes não venham a agravar a crise política em que mergulhou o ministério. Mas a narrativa para proteger a ministra está já a ser desenhada.

“É muito difícil que a culpa venha a morrer solteira“, concede ao Observador um membro do Governo. Resta saber quem será o culpado. Perante o número de casos reportados, a expectativa que existe é de que será muito difícil impedir que o assunto venha a atormentar o Executivo mais à frente e que não fique comprovado que houve algum tipo de causa-efeito entre a greve e as mortes registadas. “É uma bomba ao retardador“, reconhece a mesma fonte.

A questão é que deixar cair a ministra agora seria abrir a comporta do Governo e ficar completamente exposto à oposição. E o ciclo político que se coloca no horizonte não aconselha grandes aventuras. A seguir à aprovação do Orçamento do Estado, o país entra em modo “autárquicas“, eleições que Montenegro precisa de vencer para impedir que Pedro Nuno Santos ganhe ímpeto — seria, depois das europeias, a segunda vitória do PS — e tenha a tentação de provocar uma crise política. Dar um sinal de fragilidade afastando uma ministra ao fim de sete meses é tudo aquilo de que Montenegro não precisa.

"A ministra só assumiu a tutela do INEM agora", aponta ao Observador um elemento da equipa de Luís Montenegro. Ora, para bom entendedor, meia palavra basta. Ontem mesmo, terça-feira, foi a própria ministra da Saúde a dizer que ia finalmente assumir a tutela direta do INEM e que o instituto passaria a ocupar "70%" do seu tempo. Puxar para si a pasta do INEM tem uma leitura política óbvia: é o assumir de que a secretária de Estado da Gestão da Saúde, Cristina Vaz Tomé, não estava a dar conta do recado

Secretária de Estado pode ser a primeira vítima

Mas a palavra, em política, tem um peso. Quando foi ouvida no Parlamento, Ana Paula Martins garantiu que assumiria “total responsabilidade” pelo que tinha corrido “menos bem” no INEM. Ao mesmo tempo, disse que saberia “interpretar os resultados” das investigações em curso e que se se chegar à conclusão de que alguns episódios poderiam ter sido evitados, então retiraria as devidas conclusões.

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Mesmo que nunca se tenha comprometido com uma eventual demissão, é difícil imaginar como é que a ministra da Saúde venha a recuar em relação à promessa de assumir “total responsabilidade” pelo sucedido havendo inquéritos que concluam que uma greve que poderia ter sido evitada ou minimizada tenha resultado em mortes. A menos que outra pessoa do seu ministério o faça pela ministra da Saúde. E isto não é um pormenor de somenos: existe quem, no Governo, vá recordando que o INEM não estava sob a responsabilidade direta de Ana Paula Martins.

“A ministra só assumiu a tutela do INEM agora”, aponta ao Observador um elemento da equipa de Luís Montenegro. Ora, para bom entendedor, meia palavra basta. Ontem mesmo, terça-feira, foi a própria ministra da Saúde a dizer que ia finalmente assumir a tutela direta do INEM e que o instituto passaria a ocupar “70%” do seu tempo, tal a complexidade dos problemas que estão por resolver. Puxar para si a pasta do INEM tem uma leitura política óbvia: é assumir que a secretária de Estado da Gestão da Saúde, Cristina Vaz Tomé, não estava a dar conta do recado.

De resto, à medida que se foi construindo a fita dos acontecimentos que resultaram no quase colapso do INEM durante o dia de 4 de novembro, os dedos começaram a ser apontados precisamente a Cristina Vaz Tomé, que teve o particular azar de cometer uma gafe quando finalmente decidiu dar a cara. Com a Saúde sob fogo, a secretária de Estado enfrentou os jornalistas e acusou a comunicação social de sofrer de “anemia” — queria, na verdade, dizer “amnésia”. Não ajudou, naturalmente.

Mais a mais, não é sequer a primeira vez que Cristina Vaz Tomé se vê envolvida numa polémica com o INEM. Luís Meira, presidente do instituto quando o Governo de Luís Montenegro tomou posse, foi afastado na sequência do caso dos helicópteros — também nessa altura o Ministério da Saúde foi acusado de ter ignorado os sucessivos apelos do INEM. Meira acabaria por cair com muitas críticas ao Ministério — chegou a falar em “negligência” e “falha gritante” — e o chefe de gabinete da secretária de Estado, Gustavo Namorado, também. Cristina Vaz Tomé e Ana Paula Martins seguiram em frente.

Voltando à mais recente crise no INEM, já depois de o Expresso ter revelado que, afinal, o Governo tinha sido devidamente avisado da greve que iria decorrer — contrariando a primeira tese avançada por Ana Paula Martins de que o Governo fora apanhado de surpresa —, começou a correr outra versão: afinal, o Ministério da Saúde fora avisado, mas a secretária de Estado de Ana Paula Martins, que foi quem efetivamente recebeu as comunicações dos sindicatos, decidiu atirar as negociações para 2026, ignorando os possíveis efeitos da greve anunciada.

Assim que a ministra da Saúde se sentou à mesa com os sindicatos — que, aliás, se têm desdobrado em elogios à postura negocial de Ana Paula Martins —, foi possível evitar o prolongamento do braço de ferro entre os técnicos do INEM e o Governo. Logo, a equação que se vai construindo, mesmo a partir do Governo, é relativamente simples de reconhecer. Tivesse a secretária de Estado sido mais previdente e talvez a greve tivesse sido evitada. Baralhando e dando de novo: alguém terá de cair e Cristina Vaz Tomé vai ganhando alguns argumentos para ser a primeira vítima política.

"É muito difícil que a culpa venha a morrer solteira", concede ao Observador um membro do Governo. Resta saber é quem será o culpado. Perante o número de casos que foram reportados, a expectativa que existe é de que será difícil impedir que o assunto venha a colocar-se mais à frente. "É uma bomba ao retardador", reconhece a mesma fonte

Presidente do INEM e trabalhadores: os outros escudos da ministra

Depois, existem as próprias responsabilidades do INEM. Como explicava aqui o Observador, os serviços do instituto decidiram não reforçar os serviços mínimos apesar de estarem previstas duas greves para o mesmo dia — uma organizada pela Federação Nacional de Sindicatos Independentes da Administração Pública e outra greve convocada pelo Sindicato dos Técnicos de Emergência Pré-Hospitalar (STEPH) às horas extraordinárias.

Nos últimos dias, o presidente do INEM, Sérgio Janeiro, e os sindicatos têm travado um debate quase legalista sobre a questão dos serviços mínimos e a forma como decorreu a greve, com os representantes dos trabalhadores a virem a público denunciar aquilo que dizem ser uma evidente fuga às responsabilidades. “Era o que faltava agora substituirmos o presidente do INEM por uma falha na estrutura intermédia”, insurgiu-se esta quarta-feira Rui Lázaro, presidente do STEPH, em declarações à comunicação social.

Factualmente, no entanto, há dois elementos que não ajudam à causa de Sérgio Janeiro: de facto, e segundo a lei, o INEM poderia ter reforçado os serviços mínimos e entendeu não fazê-lo; e depois, de acordo com uma informação inicialmente avançada pela SIC e já confirmada por todos os intervenientes, os recursos humanos do INEM enviaram um email aos trabalhadores, exigindo que fossem cumpridas as escalas, apenas às 15h57 do dia da greve, a três minutos do arranque do último turno.

Terminados os inquéritos que estão a decorrer, e sendo provado que os constrangimentos provocados pela greve estão de facto relacionados com uma ou mais mortes, as chefias do INEM dificilmente ficarão bem na fotografia — e o responsável máximo é, naturalmente, Sérgio Janeiro. Acontece que o presidente do INEM é o terceiro no currículo de Ana Paula Martins. Primeiro, a ministra da Saúde tinha afastado Luís Meira, num processo com muitas acusações de parte a parte à mistura. Depois, escolheu Vítor Almeida, que ficou no cargo uma semana até decidir bater com a porta. Sucedeu-lhe Sérgio Dias Janeiro, que agora se vê envolvido nesta crise.

Tudo somado, politicamente, será difícil não relacionar um eventual afastamento do presidente do INEM com um ato de má gestão política de Ana Paula Martins, que será sempre responsabilizada por uma escolha menos avisada para liderar aquele instituto. Afastar Sérgio Janeiro pode resolver um problema; mas contaminará automaticamente a ministra da Saúde — quatro presidentes do INEM em menos de um ano não será o melhor dos currículos para Ana Paula Martins.

Existe, ainda assim, um outro vértice neste triângulo de possíveis responsáveis pelos constrangimentos anormais no funcionamento do INEM: os trabalhadores grevistas. O mesmo Sérgio Janeiro, secundado por Ana Paula Martins, já veio anunciar a abertura de um inquérito interno para perceber se houve ou não violação do direito à greve, sugerindo que pode haver lugar a processos disciplinares.

“Apesar de nós termos emitido uma circular e contactado diversos trabalhadores, com muitos esforços, não conseguimos que a escala tivesse sido cumprida acima dos 70%”, começou por se defender o presidente do INEM depois de uma reunião com a ministra da Saúde. “[A situação] vai ser avaliada e investigada. Primeiro vai haver um processo de inquérito e, naturalmente, se houver lugar a processos disciplinares, apuraremos responsabilidades. Vamos averiguar ao detalhe”, prometeu Sérgio Janeiro.

No limite, se ficar comprovado que os grevistas não cumpriram os serviços mínimos a que estão obrigados por lei e que não responderam à convocatória dos recursos humanos do INEM, o Governo ganhará mais argumentos para proteger politicamente Ana Paula Martins e toda a cadeia de comando. Resta saber se a oposição comprará essa tese e se a pressão da opinião pública não resulta mesmo na queda da ministra da Saúde.

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