As ações da Pasogal, de Alfredo Casimiro, na Groundforce estarão penhoradas não uma vez, mas duas. E a dois bancos. Existe um primeiro penhor ao banco Montepio e um segundo a favor do Novo Banco, sabe o Observador. E já poderá haver incumprimento num deles, o que pode abrir caminho a uma execução extra-juducial. O penhor do Novo Banco sobre as ações do maior acionista da Groundforce resultou do acordo de renegociação de créditos do grupo Urbanos que ficou fechado em 2017 depois das empresas de Alfredo Casimiro terem recorrido ao PER (Processo Especial de Revitalização).
A participação na Groundforce esteve fora destes processos e foi usada como colateral na renegociação com os dois bancos que eram os dois maiores credores bancários das empresas do grupo Urbanos. Alfredo Casimiro entrou em 2012 na Groundforce, comprando a participação maioritária à TAP e a empresa de handling foi um negócio compensador para o empresário até 2019. Não só servindo de garantia, mas também pagando dividendos. No último ano a situação mudou radicalmente e a empresa é notícia por ter salários em atraso e pelos dois maiores acionistas — Alfredo Casimiro e a TAP (Com o Ministério das Infraestruturas por trás) — não se entenderem sobre como manter a Groundforce à superfície e conseguir pagar a dívida aos 2.400 trabalhadores.
E não é totalmente claro como se chegou a este ponto de rutura, quando se sabia que a Groundforce — cuja atividade é diretamente afetada por uma TAP que também não está a faturar — ia ficar sem dinheiro e estando em negociação há vários meses um aval de 30 milhões de euros do Banco do Fomento (tutelado pelas Finanças e pela Economia) que ainda não saiu. O Estado passou a ser o maior acionista da TAP no verão do ano passado e, através da TAP, é também o acionista minoritário da Groundforce, dois temas que caem na tutela de um outro ministério: as Infraestruturas, de Pedro Nuno Santos.
Um penhor; dois penhores: acordo com a TAP fracassado
Foi o facto de as ações da Pasogal estarem penhoradas que impediu um primeiro acordo com o Governo – num processo liderado pelo ministro das Infraestruturas, Pedro Nuno Santos – que desbloqueasse o dinheiro para pagar os salários em atraso dos mais de 2.400 trabalhadores da empresa de handling. Mediante este acordo inicial, a TAP emprestaria dinheiro à Groundforce por conta de serviços ainda não prestados, uma repetição de outras operações semelhantes feitas em 2020, que fazem ascender a dívida líquida da empresa de handling à companhia aérea para cerca de 7,9 milhões de euros.
Mas, neste caso, essa promessa de transferência de dinheiro da TAP veio acompanhada de uma exigência: teria de ser dada uma garantia, sob a forma da totalidade das ações da Pasogal na Groundforce, onde detém 50,1%. O negócio acabaria por falhar porque essas ações já estavam penhoradas. Na altura, o jornal Expresso escreveu que o penhor estaria nas mãos do Montepio. A TAP e o Governo apontaram o dedo ao empresário por, no processo negocial, não ter revelado logo essa indisponibilidade.
Aliás, até nas contas da Pasogal essa situação não está evidenciada, como alerta uma reserva colocada pelo auditor no último relatório entregue pela empresa relativo ao ano de 2018 e consultado pelo Observador. “A sociedade mantém um penhor sobre as ações da sociedade participada, não existindo a correspondente divulgação nas notas às demonstrações financeiras anexas”.
Casimiro diz que promessa de garantia à TAP não é incompatível com penhores anteriores
Ainda hoje o maior acionista da empresa de handling não percebe o porquê de a TAP não querer como garantia as ações dadas como penhor não a um, mas a dois bancos.
Na carta que enviou esta terça-feira ao presidente do Conselho de Administração da TAP, Miguel Frasquilho, a Pasogal diz que nunca – antes de 8 de março, quando enviou uma versão revista do primeiro Contrato-Promessa – a empresa tinha sido “questionada sobre a existência ou não de penhoras ou outros ónus sobre as ações” que detém na SPdH (Sociedade Portuguesa de Handling, o nome oficial da Groundforce).
“Esclarece-se ainda que em momento algum anterior ao do envio para a TAP da versão revista do Contrato Promessa, pelas 1:48 do dia 8 de Março, solicitando a alteração de redação acima referida, foi a Pasogal SGPS S.A. questionada sobre a existência ou não de penhores ou outros ónus sobre as ações que detém na SPdH”, indica Alfredo Casimiro na carta, a que o Observador teve acesso.
E insiste: a existência desses penhores ou outros ónus sobre as ações, considera, “não é, aliás, de forma alguma incompatível com a promessa de uma oneração futura e condicional dessas mesmas ações, como a que foi proposta pela TAP, pelo que não se vislumbra por que razão a redação que propusemos não foi aceite pela TAP”.
Legalmente, um segundo (ou terceiro ou mais) penhor não é incompatível com o anterior, tal como diz Alfredo Casimiro. Mas – apesar de a TAP não o dizer claramente nas cartas de resposta ao outro acionista da Groundforce – a questão é que existe uma hierarquia entre os penhores. E, regra geral, sendo necessário recorrer a ele, “o primeiro penhor só cai uma vez satisfeita a dívida que garante. Ou seja, neste contexto, o Montepio teria primazia já que o primeiro penhor que obteve foi no momento em que Alfredo Casimiro comprou a sua participação na Groundforce, em 2012. Aliás, o Montepio na altura aceitou as ações que Alfredo Casimiro iria comprar como garantia para o empréstimo que possibilitou a sua compra.
A seguir estaria o Novo Banco (podendo ressarcir-se com o que restasse do Montepio) e, caso o primeiro acordo tivesse avançado nos termos iniciais, a TAP seria a terceira.
Acionista da Groundforce aceita “considerar aumento de capital”, mas coloca condições
Mas este acordo inicial não avançou e, face à difícil situação de tesouraria da empresa, a TAP e o Governo apresentaram nova proposta: a transferência por serviços ainda não prestados transformava-se num aumento de capital de 6,97 milhões de euros, subscrito integralmente pela parte TAP ou qualquer outra entidade do grupo. Ou seja, deixava Alfredo Casimiro de fora desta operação, parecendo fechar a porta à possibilidade de também ele subscrever novas ações e evitar, assim, a diluição da sua posição.
Foi essa a contra-proposta que Alfredo Casimiro apresentou esta terça-feira, formalmente, ao Presidente do Conselho de Administração da TAP. Aceita “considerar a operação de aumento de capital”, mas “reservado aos acionistas” (plural, portanto ele próprio além da TAP) e com um preço de ação diferente.
Se a TAP propunha um aumento com a emissão de 697.000 novas ações, com o valor nominal de 10 euros, Alfredo Casimiro propõe que o preço das novas ações se baseie numa avaliação feita em 2018 pela Sycomore Corporate Finance, avaliadora sugerida pela TAP SGPS e Portugália e aceite pela Pasogal. Esta avaliação, apurou o Observador, punha a Groundforce a valer entre 160 e 200 milhões de euros, algo impensável no atual contexto. Na sua proposta, no entanto, Alfredo Casimiro faz um ressalva a este valor: essa avaliação de 2018 seria “adaptada em função dos impactos da Covid-19”. Mais pormenores sobre o valor em que está a pensar, o acionista não dá.
Futuro tranquilo da Groundforce só com Alfredo Casimiro fora, consideram partes
Várias fontes ouvidas pelo Observador ao longo deste processo, no entanto, realçam dois pontos importantes:
Tanto a TAP como o Governo só encaram um futuro tranquilo para a Groundforce sem Alfredo Casimiro, mas com a dificuldade adicional de, politicamente, ser neste momento mais difícil afasta-lo com uma manobra semelhante ao que foi feita a David Neeleman na TAP, ou seja pagando-lhe. Até porque a credibilidade do empresário foi abalada pelo episódio da gravação e divulgação sem autorização de um excerto de uma conversa privada com Pedro Nuno Santos sobre um eventual paralelismo entre uma ajuda de Estado à TAP ou à Groundforce.
Se o Estado apoia a TAP, e para o fazer até pagou a David Neeleman para sair, porque é o mesmo cenário não pode acontecer com o acionista da Groundforce? Será essa a expetativa do empresário que não quererá abrir mão de um ativo que até há um ano era lucrativo, sem contrapartidas. Do outro lado da barricada, o objetivo até pode ser o mesmo: tirar o Alfredo Casimiro do capital, ou pelo menos da gestão da Groundforce, mas sem que ele tenha ganhos no processo.
A proposta de aumento de capital foi desenhada com pouca expectativa que Alfredo Casimiro a aceitasse. E algumas fontes dizem mesmo que foi formulada na expectativa de que este, precisamente, “não a pudesse aceitar”.
Chegados aqui resta uma terceira via, que pode estar em marcha: a atual gestão da empresa – liderada neste momento pelo presidente-executivo, Paulo Neto Leite – assumir o controlo da empresa através de um “management buy out” (MBO). Mas para isso vários elementos da equação terão de se alinhar.
Em primeiro lugar, é preciso ver se Alfredo Casimiro está ou não em incumprimento junto dos bancos que têm penhor sobre as ações. Para já, há informação contraditória sobre se o empresário está em incumprimento e, mesmo que esteja, não é evidente que já se tenha atingido um nível que sustente uma execução judicial. Aliás, do ponto de vista dos bancos que têm o penhor sobre as ações da Groundforce, qualquer cenário que dilua ou reduza a participação na empresa pode ser negativo, a não ser que seja uma venda com receita que possa ser usada para pagar as dívidas a que as ações estão associadas.
O Observador enviou um conjunto de perguntas a Alfredo Casimiro sobre se está ou não em incumprimento para com estes bancos, mas até ao momento não obteve ainda resposta. As declarações do maior acionista da empresa de handling serão incluidos neste trabalho se e quando chegarem.
O que é certo é que a atual gestão estará disposta para entrar no capital da empresa após a saída de Alfredo Casimiro. Mas a forma ainda está por fechar: poderia fazê-lo (depois de uma execução extra-judicial) – entrando sempre com dinheiro – e em parceria com um veículo criado pelo banco para comprar as ações executadas ou com um Fundo de Reestruturação.