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Haitians demonstrate President Jovenel Moise to give his resignation
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Mais de um milhão e meio de pessoas já foram afetadas por esta onda de violência no Haiti

Anadolu Agency via Getty Images

Mais de um milhão e meio de pessoas já foram afetadas por esta onda de violência no Haiti

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Haiti. A crise política, a impopularidade de Jovenel Moïse e as suspeitas sobre os americanos do DEA

Jovenel Moïse governava por decreto, tentou mudar Constituição do Haiti e mudou data de eleições. Impopularidade do Presidente foi subindo até que acabou assassinado. Quatro já foram mortos.

O assassinato do Presidente do Haiti, Jovenel Moïse, às primeiras horas da madrugada desta quarta-feira na sua própria casa pode colocar um dos países mais pobres do mundo à beira da rutura — e à violência e à fome pode juntar-se (ainda mais) instabilidade política. De acordo com o primeiro-ministro haitiano, Claude Joseph, um “grupo de indivíduos não identificados” assassinou o chefe de Estado e feriu com gravidade a primeira-dama, Martine Moïse, que continua hospitalizada. Quatro “mercenários” já foram mortos na madrugada desta quinta-feira no pequeno país localizado nas Caraíbas que entrou em estado de emergência.

A comunidade internacional ficou “chocada” com o assassinato de Jovenel Moïse — e o Conselho de Segurança da Nações Unidas (ONU) vai discutir o assunto já esta quinta-feira.

Mas os problemas no cenário político do Haiti já se avolumam desde há algum tempo. Jean-Germain Gros, professor de ciência política na Universidade de Saint Louis no estado do Missouri (EUA), explica ao Observador que o país “esteve sempre numa situação muito caótica ao longo dos quatro anos [de governação] de Jovenel Moïse”.

A crise política no Haiti e a impopularidade de Jovenel Moïse

Recentemente Jovenel Moïse atravessava talvez um dos piores momentos em termos de aprovação pela opinião pública do Haiti: governava por decreto, queria mudar a Constituição e tinha alguns adversários, principalmente gangues armados que controlam cidades inteiras e que servem como contrapoder.

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Em termos políticos, “a oposição não legitimava Jovenel Moïse”, acusando-o de estar “preso ao poder”, diz Jean-Germain Gros, que nasceu no Haiti. De acordo com os seus adversários, o mandato do Presidente acabaria em fevereiro deste ano, uma vez que foi pela primeira vez eleito a 25 de outubro de 2015, numa eleição em que ficou em primeiro lugar com 32,81% dos votos. No entanto, devido a acusações de fraude eleitoral, o processo eleitoral foi declarado inválido e foi sendo consecutivamente adiado, sendo que até houve um ato eleitoral intermédio em fevereiro de 2016 que elegeu um Presidente temporário.

As eleições presidenciais voltaram a realizar-se em novembro de 2016 e o vencedor voltou a ser Jovenel Moïse, desta feita com um resultado bastante mais convincente — obteve 55,60% dos votos, apesar da abstenção rondar os 79%. O Presidente entrou em funções em fevereiro de 2017 e advogava, por isso, que tinha de se manter no cargo até fevereiro de 2022 para cumprir os cinco anos do mandato — o tempo normal do cargo.

“O meu mandato começou a 7 de fevereiro de 2017 e termina a 7 de fevereiro de 2022. Os oligarcas corruptos que estão habituados a controlar os presidentes, os ministros, o Parlamento e o poder judicial pensam que podem tomar a presidência, mas só há um caminho: as eleições. E eu não participarei nessas eleições”, afirmou em fevereiro, em entrevista ao El País, Jovenel Moïse.

Contudo, “vários constitucionalistas do país refutaram os argumentos do então Presidente”, sinaliza Jean-Germain Gros, considerando que o mandato deveria ter terminado em fevereiro de 2021. Mas não é o único motivo que levou a que o poder de Jovenel Moïse fosse contestado: desde janeiro de 2020 que governava o país por decreto, tendo dissolvido o Parlamento.  

Para tentar silenciar as críticas, Jovenel Moïse também tentou alterar a Constituição e tornar o Haiti num regime presidencialista — substituindo o sistema semipresidencialista bicameral atualmente em vigor e que conta com uma Câmara dos Deputados e um Senado (este que, segundo o novo projeto, seria abolido).

A figura de primeiro-ministro (que, segundo a Constituição atual do Haiti, é eleito em concordância do chefe de Estado com a Câmara dos Deputados) seria substituída por um vice-presidente, pessoalmente escolhido pelo Presidente. Ao mesmo tempo, existia um processo eleitoral que elegia o Presidente — que continuaria a ocorrer de cinco em cinco anos –, mas que podia ser renovável por mais cinco anos.  

Contudo, para levar a cabo esta mudança constitucional, Jovenel Moïse precisava de convocar um referendo, que estava marcado para 27 de junho, mas que foi adiado devido à pandemia. O então Presidente indicou uma nova data: 26 de setembro de 2021. 

“Com esta mudança, o Presidente ia ganhar imenso poder e tornar-se-ia no principal polo”, comenta Jean-Germain Gros, que assinala ainda que num “país como o Haiti em que já existiram várias ditaduras, tal representava uma afronta”. E todos estes motivos levaram a que violentas manifestações ocorressem no país, especialmente desde fevereiro de 2021, de modo a que Moïse cumprisse a Constituição e não avançasse com alterações à lei fundamental.

Demonstration in Haiti

Protestos no Haiti em fevereiro de 2021

Anadolu Agency via Getty Images

Todo este clima de tensão política teve outro efeito colateral: o aumento da violência nas ruas e o controlo de partes de várias cidades por grupos armados. Segundo o professor da Universidade de Saint Louis, a “capital Port-au-Prince está praticamente ocupada por gangues armados”. Várias pessoas já tiveram de fugir de local onde moravam.

Segundo o último relatório de 1 de julho da ONU (que tem monitorizado a situação), a “violência continua a estar presente quase diariamente e espera-se que dure por algum tempo, potencialmente aumentando o deslocamento de pessoas e as necessidades humanitárias”. Mais de um milhão e meio de pessoas já foram afetadas por esta onda de violência e há mais de 18 mil deslocados internos que viram as suas casas destruídas pelos grupos armados.

“Todos os dias há confrontos entre grupos que são cada vez mais violentos”, relata Bruno Maes, representante da UNICEF no Haiti, sendo que “desde o início deste ano a insegurança tem vindo a escalar”: “Mas a capital enfrenta agora um cenário de guerrilha urbana”. O responsável acrescenta ainda que “as famílias deslocadas perderam tudo e precisam urgentemente de água, comida, itens de higiene pessoal, colchões, lençóis e roupas”.

Afinal, quem é que matou o presidente haitiano?

No meio de uma crise humanitária, política e numa altura em que existem vários contrapoderes, ainda não há certezas sobre o que poderá ter motivado o ataque — e os autores do crime terão conseguido fugir. No entanto, Jean-Germain Gros diz que havia “oposição e frustração da população geral” à atuação do Presidente e que a impopularidade foi aumentando ao longo dos últimos meses. Para além disto, Jovenel Moïse também mantinha “más relações com algumas figuras da polícia haitiana”, que é, de acordo, com Jean-Germain Gros, “extremamente fraca”.

“Todos estes fatores podem ter levado à sua morte”, admite o especialista.

Por seu turno, o embaixador dos EUA no Haiti, Bocchit Edmond, indica, segundo o The New York Times, que os elementos do grupo deveriam ser “estrangeiros” e que “falavam espanhol” — posição essa que também foi partilhada pelo primeiro-ministro do Haiti. Contrariamente ao que tinha sido avançado inicialmente, os dois rejeitaram a ideia de que poderia tratar-se de alguém ligado ao Departamento Antidrogas Norte-americano (DEA, sigla em inglês), algo que Jean-Germain Gros também duvida que tivesse acontecido. Estas suspeitas surgiram após um vídeo partilhado nas redes sociais, em que se ouve um grupo armado a anunciar que eram agentes da DEA.

“Foi um ataque bem orquestrado”, diz Bocchit Edmond ao The Guardian, conjeturando que possam ser “mercenários estrangeiros” e que só uma investigação poderá dizer quem é que esteve por detrás do ataque. Mas o embaixador sai em defesa de Jovenel Moïse, afirmando que “muita gente o queria matar”, devido às “reformas que fez no país”.

Na madrugada desta quinta-feira, as forças do Haiti assassinaram quatro mercenários que terão estado na origem da morte de Jovenel Moïse. De acordo com o que avança a imprensa internacional, “quatro mercenários foram mortos, dois foram intercetados e estão sob o nosso controlo. Três polícias que tinham sido feitos reféns foram recuperados”, divulgou o Léon Charles, Diretor Geral da Polícia do Haiti, que garantiu que os restantes membros do grupo de homens que ainda está em fuga será “morto ou capturado”.

Haiti. Quatro alegados assassinos do Presidente mortos a tiro

O que acontecerá ao Haiti a partir daqui?

Os tempos futuros para o Haiti serão “muito complicados”, considera Jean-Germain Gros, que antevê que a crise humanitária se prolongue por mais tempo. O professor de ciência política defende mesmo que a ONU poderá ter mesmo de intervir com outra missão de peacekeeping. “O Haiti não consegue lidar com a questão dos deslocados internos”, justifica.

Sobre uma eventual guerra civil que opusesse forças do regime aos gangues armados, Jean-Germain Gros considera que isso “não vai acontecer”, porque “requer forças bem organizadas”. O que é mais provável de acontecer é a violência praticada pelos grupos “continuar tal como está”, “principalmente em Port-au-Prince”.

Politicamente, o professor de ciência política não antevê qualquer melhoria. “Vai continuar o caos”, disse, reconhecendo que provavelmente o substituto de Jovenel Moïse “tentará levar a cabo o que aquele tentou implementar”.

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