Aconteceu o impensável: nove anos depois de ter saído em Inglaterra Harry Potter e os Talismãs da Morte, o romance que encerrou a saga começada por J.K. Rowling a bordo de um comboio em 1990, vai ser publicado um novo livro dedicado às aventuras do jovem feiticeiro de cabelo despenteado. Ou melhor: dedicado às aventuras de um dos seus filhos, Albus Severus.

À semelhança daquilo que aconteceu com os outros sete livros, a expectativa em torno de Harry Potter and the Cursed Child é grande. Os motivos não muitos: em 2011, quando estreou nos cinemas o último filme dedicado a Harry Potter, os fãs acreditaram que se estava a fechar um ciclo. Depois da publicação do sétimo livro da saga de J.K. Rowling, de um pequeno livro de contos, Os Contos de Beedle, o Bardo, o filme tinha, para muitos, um significado especial — era o fim.

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Os cartazes oficiais do último filme, lançado a 15 de julho de 2011, faziam referência a isso mesmo, ao fechar de um ciclo. “It all ends” (“tudo acaba”), diziam

Foi por isso que, em dezembro de 2013, quando foi anunciado que iria subir aos palcos uma peça sobre Harry Potter, baseada numa história original, o espanto foi grande. A surpresa foi ainda maior quando em fevereiro deste ano, depois de meses de boatos, se confirmou que o guião original da peça ia ser publicado em livro na meia-noite de dia 31 de julho, data em que se assinala o aniversário de Harry (e de Rowling).

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O livro, cujo lançamento mundial acontecerá na Livraria Lello, na cidade do Porto, que desempenhou um papel importante na criação da história do jovem feiticeiro, terá duas edições em papel e uma digital. Esta última será publicada também este sábado no Pottermore, a enciclopédia oficial do mundo de Harry Potter onde Rowling tem divulgado pequenos textos e histórias que desenvolvem alguns dos temas abordados nos seus romances. A plataforma foi lançada em 2009.

As famosas escadarias da Livraria Lello serviram de inspiração para as escadas de Hogwarts. Rowling, que viveu no Porto entre 1992 e 1993, costumava frequentar o espaço, localizado na Rua das Carmelitas.

A esta primeira edição em papel, a Special Rehearsal Edition (um primeiro “rascunho” da peça utilizado nos ensaios), seguir-se-á uma outra em 2017, a Definitive Collector’s Edition, que incluirá todas as alterações que entretanto sejam feitas. Ao contrário do que se possa pensar, estas publicações não são romances — são transcrições do guião criado para a peça de teatro, cuja estreia oficial acontecerá a 30 de julho no Palace Theatre, em Londres. Ou seja, um dia antes do lançamento oficial do livro.

Nove anos depois, a magia continua

Para quem leu Harry Potter e os Talismãs da Morte, é difícil esquecer aquele última última cena — Harry, Ginny, Ron e Hermione estão na Plataforma 9¾, na Estação de King’s Cross, a despedirem-se dos filhos que partem para Hogwarts. Para Albus Severus, o filho (rapaz) mais novo de Harry, e para Rosie, filha de Ron e de Hermione, será o primeiro ano na escola de feitiçaria.

Albus está preocupado. Tem medo que o Chapéu Selecionador, que distribui os novos alunos pelas diferentes equipas, o coloque em Slytherin que, ao que parece, continua a ter má fama. “E se eu for para Slytherin?”, pergunta ao pai. Este baixa-se, “para que o rosto de Albus ficasse ligeiramente acima do seu. Era o único dos seus filhos que tinha herdado os olhos de Lily”, a sua mãe, e diz-lhe: “Albus Severus, tens o nome de dois diretores de Hogwarts. Um deles era Slytherin e foi provavelmente o homem mais corajoso que alguma vez conheci”.

Mas o filho não ficou convencido, e Harry tentou sossegá-lo: “Se isso acontecer, a equipa dos Slytherin ganhará um aluno excelente, não é? Para nós, é indiferente, Al. Mas, se for importante para ti, vais conseguir escolher os Gryffindor em vez de Slytherin. O Chapéu Selecionador tem em conta as escolhas dos alunos”. “A sério?”, perguntou-lhe Albus, incrédulo. “Comigo foi assim.”

Na plataforma, junto ao comboio, está também Draco Malfoy, arqui-inimigo de Harry, que lhe fez a vida negra durante os anos de escola. Este também se está a despedir do filho, Scorpius, que tem a mesma idade de Albus e Rosie, 11 anos, que também parte para Hogwarts. Harry repara que Draco está a ficar com o cabelo “um pouco ralo, o que fazia salientar o queixo pontiagudo”. O seu filho é “tão parecido com Draco como Albus com Harry”.

É um momento agridoce — para os pais que veem os seus filhos embarcar pela primeira vez no Expresso de Hogwarts, mas também para os fãs da saga de J.K. Rowling. É o fim de uma história que os acompanhou durante quase uma década. Talvez tenha sido a pensar em todos os que ficaram colados àquelas últimas páginas que Jack Thorne, autor do guião da peça, decidiu recuperar aqueles momentos e dar continuação à história. É aí que Harry Potter and the Cursed Child começa.

A criança amaldiçoada

Apesar de Jack Thorne ter sido o autor do guião, este é baseado numa história original criada por ele, pelo argumentista inglês John Tiffany (que também é responsável pela encenação da peça) e pela própria Rowling.

Em termos temporais, a peça começa 19 anos depois da Batalha de Hogwarts, a luta épica que marcou o fim de Voldemort. Esta segue os passos de Harry Potter, com 37 anos, empregado do Ministério da Magia e pai de três filhos. O enredo desenrola-se, sobretudo, em torno de Albus Severus, o filho mais novo de Harry, e do seu primeiro ano na Escola de Magia e Feitiçaria de Hogwarts na companhia de Rosie e Scorpius.

Albus Severus Potter nasceu, provavelmente, em 2006. É o segundo filho de Harry e de Ginny Weasley, tendo nascido dois anos depois do irmão mais velho, James Sirius. O seu nome é uma homenagem ao antigo diretor da escola, Albus Dumbledore, e a Severus Snape, antigo professor de Poções. Albus tem uma irmã mais nova, Lily Luna, que terá nascido em 2008 (é dois anos mais nova do que o irmão).

Michael Billington, na crítica que escreveu para o jornal britânico The Guardian, descreveu o filho mais novo de Harry Potter como um rapaz “isolado”, nada popular, “que vive na sombra do seu pai famoso”. Apesar de ter sido colocado em Gryffindor, na escola, Albus costuma andar na companhia de Scorpius Malfoy, o único filho de Draco Lucius Malfoy e de Astoria Greengrass.

De resto, pouco se sabe sobre a peça. A curta sinopse também pouco ou nada deixa antever. Esta refere apenas que “enquanto Harry luta com um passado que se recusa a ficar onde pertence, o seu filho mais novo, Albus, luta com o peso de um legado familiar que nunca quis”. “Ao mesmo tempo que o passado e o presente se fundem perigosamente, tanto o pai como o filho aprendem a verdade desconfortável: às vezes, a escuridão surge dos lugares mais inesperados.”

Que escuridão é esta? O que acontecerá a Albus? Bem, é esperar para ler.

Uma peça cinco estrelas

Apesar de a estreia oficial da peça estar marcada para 30 de julho, desde junho que esta tem sido apresentada, em jeito de ensaio. Alguns jornalistas já tiveram por isso oportunidade de ver a história em palco, e as críticas não podiam ter sido melhores. No Guardian, Michael Billington deu quatro estrelas em cinco a Harry Potter and the Cursed Child, descrevendo-a como um “duelo entre a escuridão e luz levado com um segurança deslumbrante“. Mas, na verdade, a crítica de Billington foi uma das poucas a não dar a cotação máxima à peça de Jack Thorne.

Harry Potter, a peça: quem é quem

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Harry Potter: Jamie Parker

Ron Weasley: Paul Thornley

Hermione Granger: Noma Dumezweni

Ginny Weasley: Poppy Miller

Draco Malfoy: Alex Price

Scorpius Malfoy: Anthony Boyle

Albus Severus Potter: Sam Clemmett

Rose Granger-Weasley: Cherrelle Skeete

No Telegraph, Dominic Cavendish não poupou elogios, escrevendo que “o teatro britânico não vê nada assim há décadas e eu nunca vi nada com o qual possa comparar [a peça] nos meus anos de crítico”. “É um triunfo. Não é um triunfo incondicional — existem algumas trivialidades — mas em todos os aspetos principais agarra, mexe, delicia”, garantiu, oferecendo cinco estrelas.

Mark Shenton, do jornal The Stage, também elogiou a produção da peça, descrevendo-a como capaz de “mudar o jogo” e a “forma como vemos o teatro”. Referindo tratar-se de um “esforço teatral emocionante”, Shenton garantiu que Harry Potter and the Cursed Child ganhou um lugar no teatro, ao mesmo tempo que se distingue dos livros e das adaptações cinematográficas“.

O que também parece ser unânime é a qualidade da performance de Anthony Boyle, o ator que interpreta o papel de Scorpius Malfoy. O Wall Street Jornal descreveu-a como “inovadora”, enquanto o crítico da Variety, Matt Trueman, salientou que, ao longo da peça, “é Boyle quem se destaca”.

Se ficou com curiosidade para ver a peça, fique a saber que os bilhetes para as próximas sessões já estão esgotados. Novas entradas serão disponibilizadas a partir de 4 de agosto, para apresentações marcadas até 10 de dezembro.

The front of the Palace Theatre promotes its new show 'Harry Potter and the Cursed Child' in London on June 6, 2016. Harry Potter makes his stage debut on June 7 in a new London play that imagines the fictional boy wizard as a father of three, in the latest offshoot of the globally successful franchise. / AFP / DANIEL LEAL-OLIVAS / TO GO WITH AFP STORY BY EDOUARD GUIHAIRE (Photo credit should read DANIEL LEAL-OLIVAS/AFP/Getty Images)

A peça estreia a 30 de julho no Palace Theatre, em Londres. Os bilhetes já estão esgotados (DANIEL LEAL-OLIVAS/AFP/Getty Images)

O espetáculo encontra-se dividido em duas partes (I e II), que devem ser vistas em duas sessões diferentes (no mesmo dia ou em duas noites diferentes). A produção decidiu dividir o espetáculo em dois devido à “natureza épica da história”. Os bilhetes custam entre 15 e 70 libras (entre 17,80 e 83 euros) e dão acesso às duas sessões.