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Holly: entre as Caldas da Rainha e Los Angeles, este é o caminho de um mago do "beat"

Esteve em tour com DJ Shadow, no Coachella e na banda sonora de “The Batman”; e a lista de colaborações vai de Danny Brown a Slow J. Antes de atuar no Lux e no Sudoeste, falámos com Miguel Oliveira.

A globalização digital permitiu que uma geração de artistas nativa da Internet pudesse florescer, sem barreiras, nos infinitos caminhos do online — ultrapassando quaisquer fronteiras políticas ou obstáculos geográficos. Um dos músicos que a partir de Portugal fizeram esse percurso é Holly, nome artístico de Miguel Oliveira, DJ e produtor de 29 anos natural das Caldas da Rainha que nos últimos anos tem vivido sobretudo em Los Angeles, cidade norte-americana vital na indústria da música e do entretenimento.

Depois de um ano sem ter atuado no seu país, esta quinta-feira, 1 de agosto, regressa aos palcos portugueses com uma performance no Lux Frágil, em Lisboa, que irá co-protagonizar com o seu irmão mais velho, o igualmente reputado mas mais experiente DJ Ride, artista com obra feita, mestre do turntablism e já por diversas vezes campeão mundial de scratch, a técnica do hip hop através da qual se manipulam os discos de forma criativa.

“Fico muito contente por poder voltar. Quando ficas muito tempo sem tocar no sítio de onde és, sentes uma grande saudade de estares com o pessoal que partilha contigo uma cultura e uma história. Pessoalmente, estes gigs representam isso: poder voltar a tocar para a família, poder juntar amigos no mesmo sítio e voltar a casa”, explica Holly ao Observador. “Como tinha saudades da família e queria arranjar maneira de passar mais tempo com o meu irmão, e tentar fazer isso de uma forma que fosse o mais divertida possível, pensei em fazer esta data no Lux. Apresentámos a ideia e eles gostaram.”

Em conjunto, os irmãos Oliveira prometem conduzir o público por uma viagem repleta de texturas eletrónicas e hip hop, com um arranque lento e um destino mais agitado, certamente mais próximo de uma tempestade drum and bass. “Vamos apontar um bocado o que faz parte de nós, musicalmente, ao longo dos anos.”

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[o single “Angel in the Rave”, a mais recente edição de Holly:]

Na próxima semana, será altura de rumar à Zambujeira do Mar, ao festival Sudoeste. Holly vai atuar a 8 de Agosto, no mesmo dia que Don Toliver, Charlotte de Witte, Rich The Kid, Van Zee ou Chico da Tina. “O Sudoeste vai ser diferente, acaba por ter outra dinâmica. Enquanto no Lux temos o poder de controlar um bocado a noite e de contarmos uma história do início ao fim, no Sudoeste vou estar enquadrado num cartaz. Antes de o pessoal me ver, já viram 30 coisas nesse dia com energias e frequências totalmente diferentes. E também tenho menos tempo. Mas tento cada vez mais que os meus sets traduzam melhor como é que me sinto a nível pessoal. Quero ser honesto e transparente naquilo que faço.”

Na estrada com DJ Shadow

Holly não tem vindo a Portugal tocar no último ano até porque se tem mantido bastante atarefado. Nomeadamente, a abrir a tour internacional de apresentação do mais recente álbum do emblemático DJ Shadow, produtor norte-americano muito influente, que fez escola a nível mundial nos campos do hip hop mas também em diversos circuitos da eletrónica.

Miguel Oliveira tinha 10 ou 11 anos quando foi apresentado às músicas de DJ Shadow pelo irmão. Foi Ride, uma década mais velho, quem o apresentou a este e a tantos outros artistas que foram expandindo o espetro musical do pequeno Miguel.

[Já saiu o primeiro episódio de “Um rei na boca do Inferno”, o novo podcast Plus do Observador que conta a história de como os nazis tinham um plano para raptar em Portugal, em julho de 1940, o rei inglês que abdicou do trono por amor.]

“Quando descobri o Shadow, foi a primeira vez que senti que estava a ouvir um DJ. Até ali só ouvia rappers ou bandas… E naquele momento percebi que estava a ouvir um DJ como artista. Este ser humano moldou a minha perceção numa idade super jovem. ‘OK, um DJ pode ser um músico. Também existe esta componente no hip hop’. Com 10 anos não pensava ainda em fazer música, mas hoje passar bastante tempo com alguém assim é algo que a nível pessoal me bate muito.”

Holly abriu a tour de DJ Shadow do álbum Action Adventure (2023) nos EUA e na Europa. “Foi um prazer enorme. Os espetáculos foram incríveis, foi super bacano conhecer os fãs, mas o mais especial foi mesmo passar tempo com ele. Acabámos por desenvolver uma amizade e as partes em que ele se abriu mais e foi mais pessoal comigo foi o que mais me marcou nesta experiência toda. Aprendi muito. Até a nível de performance, de como montar um set, se calhar foi das vezes em que apanhei públicos de uma faixa etária mais elevada, então foi muito interessante perceber como é que diferentes faixas etárias reagem a diferentes sons. E também tive oportunidade de passar certas coisas que adoro, dos anos 90 ou do início dos anos 2000, a que o público que me segue não está tão ligado e também foi muito fixe fazer essa viagem.”

“Lembro-me de que tínhamos CDs das Spice Girls, do Batatinha ou dos The Prodigy, mas os The Prodigy eram aqueles de que eu mais gostava de ouvir, porque cada faixa era diferente, sempre a mudar"

De DJ Shadow ouviu as histórias da estrada e de toda uma carreira. “Podemos ver muitos documentários, ler livros e consumir coisas relacionadas com a cultura nessa época, mas poder ligar-me a alguém que viveu esse tempo, que acrescentou tanto à cultura e que influenciou tanto pessoal, ele poder contar-me essas histórias… Para mim foi mesmo uma lição de história que me faz apreciar ainda mais esta cultura de que faço parte.”

Do skate e do hardcore aos beats

Munido de um leitor de CDs do irmão, Miguel Oliveira passou a infância e adolescência a ouvir os discos que DJ Ride tinha em casa. “Lembro-me de que tínhamos CDs das Spice Girls, do Batatinha ou dos The Prodigy, mas os The Prodigy eram aqueles de que eu mais gostava de ouvir, porque cada faixa era diferente e a música estava sempre a mudar. Nessa altura ia buscar muitos CDs que ele já não ouvia ao quarto dele.”

Durante a escola primária, o futuro Holly começou a tocar guitarra. Na adolescência, a paixão tornou-se o skate — que o aproximou do punk e do rap. A partir daí, começou a frequentar festas de hardcore (cantava, inclusive, alguns temas na banda local Challenge), hip hop ou eletrónica.

À medida que ia crescendo, começou a acompanhar cada vez mais o irmão no seu dia a dia musical. Uma vez, visitaram uma rádio e Miguel saiu de lá com a vontade súbita de começar a produzir música no computador. DJ Ride sugeriu-lhe que instalasse o célebre Fruity Loops, o software tanto usado por Metro Boomin em Atlanta como por DJ Marfox na Quinta do Mocho. Por outro lado, costumava ir às festas organizadas pelo irmão no Musicbox, nas quais tocavam DJs de circuitos mais experimentais da eletrónica, oriundos de diferentes partes do globo, e que refletiam essas mesmas culturas.

“O mais importante é teres um catálogo que te deixe orgulhoso e que seja um reflexo de ti mesmo. Mas, por saber que o nosso tempo aqui é reduzido e que quero fazer o máximo possível antes de chegar a minha altura de bazar, acho que essa vontade de fazer mais e mais vem daí, dessa noção da minha própria mortalidade.”

“Na altura para mim era mais fácil ouvir coisas mainstream, que fossem mais populares, mas ter o meu irmão a introduzir-me a cenas mais locais de vários sítios também foi muito importante. E ainda hoje há imensas coisas que o meu irmão me apresenta e das quais fico mega fã. Se não tivesse sido o meu irmão, a minha jornada teria sido completamente diferente e até estou curioso sobre se teria tido oportunidade de me ligar a estas culturas com que acabei por me conectar ao longo dos anos.”

Enquanto desenvolvia uma paixão quase obsessiva pela produção de beats — cruzando precisamente os universos do hip hop e da eletrónica — e começava a passar mais tempo em Lisboa, tinha acabado de se tornar adulto, Holly acabou por se juntar à equipa da ASTROrecords, editora e coletivo de ProfJam ou Mike El Nite. Daí nasceram algumas colaborações e dezenas e dezenas de beatapes que eram partilhadas a um ritmo — pelo menos — semanal. Em 2015, com apenas 20 anos, já tinha lançado vários EPs com colaborações internacionais e nacionais. Foi plantando essas sementes lá fora através de plataformas de música como o SoundCloud, mas também das redes sociais. A partir daí, começou também a trabalhar com editoras internacionais, sobretudo de eletrónica, enquanto ia produzindo beats para rappers portugueses. Em 2016, lançou com João Tamura o disco Hokkaido.

As tours e colaborações internacionais, do Coachella a The Batman

Foi também nesse ano que fez a primeira tour internacional, quando foi à Austrália. “Foi uma viagem muito importante, porque foi a primeira vez em que percebi que é possível ir ao outro lado do mundo através da minha música, ver como é que as pessoas reagem de uma maneira super diferente. E ter de viajar 30 horas, tratar dos vistos, fazer um passaporte pela primeira vez… Essa tour foi muito marcante por ter sido a primeira.”

A partir daí, sucederam-se outras datas, da China à Índia, da África do Sul ao México, enquanto Holly transitava para uma carreira cada vez mais internacional. A pergunta mais frequente parecia até já vir escrita nos livros: onde está o Holly? Eventualmente começou a passar cada vez mais tempo nos EUA, até se mudar em definitivo para Los Angeles. Acabou por tocar três vezes consecutivas no Coachella, um dos mais mediáticos e impactantes festivais de música do planeta. “Foi muito aquela coisa de tudo ser possível. Já queria muito ir ao Coachella quando era miúdo, enquanto fã, portanto poder ir tocar três vezes seguidas só me prova que, se eu quiser algo, é atingível.”

Nos EUA, conseguiu colaborar com nomes importantes tanto no circuito do rap como no da eletrónica. Holly assinou faixas com Danny Brown, OG Maco ou The Bloody Beetroots, por exemplo. E continuou a manter o mercado português bem abastecido dos seus beats. Fez um disco inteiro com Landim, HollyLandz (2018), mas também contribuiu com instrumentais para a música dos Wet Bed Gang, ProfJam, Papillon, Lhast, Bispo, Carlão, GROGNation, Dengaz, Carla Prata, Cíntia ou Gisela João, entre tantos outros. É também um colaborador frequente de Slow J, com quem produziu Fome, Teu Eternamente e Encontrar.

"Quero fazer música com pessoas que estão a fazer cenas únicas e com mensagens diferentes"

Em 2022, o tema Hot 44, que produziu com o norte-americano Baauer, integrou a banda sonora de The Batman, o remake dirigido por Matt Reeves com Robert Pattinson no papel principal. É o mesmo Baauer que criou o hit Harlem Shake e que co-produziu com Holly oito faixas do disco Planet’s Mad, que foi nomeado, em 2021, para o Grammy de Melhor Álbum de Dança/Eletrónica.

“Nunca tinha tido a possibilidade de fazer algo na área do cinema, e foi uma experiência que me voltou a mostrar que tudo é possível. Tinha sido um som que tinha feito com o Baauer para o álbum dele, e que tínhamos curtido muito, que achávamos que estava muito interessante, mas que não foi dos que o pessoal acabou por falar mais. Então também foi muito fixe dar-lhe uma nova vida. E pessoalmente sou muito fã do Batman.”

Naturalmente, Holly foi também construindo um catálogo próprio, distribuído por diversas editoras, de singles, EPs e álbuns — por vezes instrumentais, noutros casos com participações de rappers e cantores; por vezes a solo, nalgumas ocasiões em parceria com outros produtores. São centenas e centenas de faixas, várias das quais acumulam milhões de reproduções e visualizações nas plataformas de música.

“Hoje em dia tento fazer mais coisas que sejam um reflexo da pessoa que sou. Quero fazer música com pessoas que estão a fazer cenas únicas e com mensagens diferentes. Por vezes pode ser mais aborrecido se produzir para várias pessoas que falam do mesmo, por isso tento sempre procurar maneiras de poder contribuir para artistas que falam de temas diferentes, que mesmo a nível sónico me possam desafiar a explorar outros mundos e a desenvolver-me como produtor.”

Embora seja um produtor prolífico que tenta criar múltiplas ideias sonoras diariamente, o mais relevante não é um catálogo numeroso. “O mais importante é teres um catálogo que te deixe orgulhoso e que seja um reflexo de ti mesmo. Mas, por saber que o nosso tempo aqui é reduzido e que quero fazer o máximo possível antes de chegar a minha altura de bazar, acho que essa vontade de fazer mais e mais vem daí, dessa noção da minha própria mortalidade.”

"Divirto-me muito a viajar e tenho muita curiosidade em conectar-me com culturas diferentes, ir fisicamente a sítios que me mostrem coisas novas. Mas não faltam exemplos de produtores na Europa que vivem nas suas cidades, que não saem dos seus países e que têm 'placements' incríveis em sons de hip hop. No fundo, a Internet é que é crucial."

Tudo o que já conquistou tem precisamente a ver com a mentalidade que sempre teve de ousar ir mais além e de não se deixar intimidar perante a dimensão do desafio. “Tudo isto deveu-se muito a eu não ter medo, a simplesmente ir em frente, a arriscar, e estar constantemente a pôr-me em situações que me deixam desconfortável. Tens de amar o que fazes, a cultura e quereres contribuir a um nível tão grande que simplesmente continuas a trabalhar. E no meu caso é fazer milhares de beats, por exemplo. Mas muito do que tenho conquistado tem mais a ver com o meu caráter do que com o skill musical. Sempre acreditei muito nas minhas ideias e nunca tive muitas inseguranças em relação a isso, sempre achei que era possível. Mas sinto que muitas das coisas que tenho o potencial para atingir ainda não se materializaram completamente. Sinto que ainda há muito mais para fazer.”

Nos próximos tempos, Holly planeia continuar a passar tempo sobretudo em Los Angeles mas adianta que também gostava de estar noutras cidades norte-americanas e asiáticas. Estar fisicamente presente num local pode não ser fulcral na era digital, admite, mas o processo criativo e as ligações humanas que se estabelecem presencialmente fazem toda a diferença, argumenta.

“Há coisas muito difíceis de passar através da Internet: a tua energia enquanto pessoa, os teus valores. E isso muda tudo. Poder estar com alguém numa sala e dar-lhe espaço para que ela se possa abrir comigo ajuda no processo de uma maneira a que a mensagem seja mais honesta do que se fosse eu só no computador a mandar beats para as pessoas do outro lado do mundo. Mas depende muito do que é que queres fazer. Divirto-me muito a viajar e tenho muita curiosidade em conectar-me com culturas diferentes, ir fisicamente a sítios que me mostrem coisas novas. Tem a ver com a minha pessoa, estar nos sítios que aprecio e aprender mais com os locais. Mas não faltam exemplos de produtores na Europa que vivem nas suas cidades, que não saem dos seus países e que têm placements incríveis em sons de hip hop. No fundo, a Internet é que é crucial.”

Em agosto, ainda antes de regressar aos EUA, irá apresentar um novo single em nome próprio. “A nível musical quero ultrapassar mais limites, quebrar preconceitos, quero colaborar com mais pessoal que mudou a minha vida enquanto ouvinte… Quero produzir mais para as pessoas que cresci a ouvir e desenvolver melhor a minha identidade artística enquanto Holly. E quero tocar muito mais. Os últimos 10 anos foram incríveis e gostava de pegar nessa energia e multiplicá-la milhares de vezes. Que os próximos 10 anos sejam a ampliação disso.”

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