Investimentos em sociedades veículo ou em empresas não reconhecidas como tendo investigação & desenvolvimento; despesas incorretamente classificadas como elegíveis; situações de crédito fiscal indevido já que foi registado por empresas sem candidaturas ou cujas candidaturas não foram aprovadas. Estas foram algumas das conclusões da auditoria ao Sistema de Incentivos Fiscais em Investigação e Desenvolvimento Empresarial (SIFIDE) realizada pela Inspeção-Geral das Finanças (IGF) a pedido do então secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, António Mendonça Mendes (que entretanto passou a ser secretário de Estado Adjunto do primeiro-ministro). A IGF também concluiu, no relatório a que o Observador teve acesso, que tem existido deficiências na fiscalização da aplicação do SIFIDE.

Foi já depois de ter recebido esta avaliação que o Governo aprovou em Conselho de Ministros mudanças ao regime, nomeadamente na componente que permite o benefício fiscal a quem invista em unidades de participação de fundos de investimento SIFIDE e que têm, nos últimos anos, implicado uma despesa fiscal galopante.

Fundos de investimento que usufruam de benefícios fiscais à inovação (SIFIDE) vão ter regras mais apertadas

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A IGF detetou várias irregularidades e faz um conjunto de recomendação, algumas das quais já endereçadas nas alterações promovidas pelo Governo e cuja proposta-lei se encontra no Parlamento.

Na componente de investimento indireta, através dos fundos de investimento, há várias recomendações, depois de detetadas algumas irregularidades. Desde logo, sugere-se uma estratégia de controlo dos fundos de investimento e esclarecimento se a intervenção de sociedade veículo na concretização do investimento é aceitável. É que foram detetados que alguns fundos investiam em sociedades veículo e seriam estas as responsáveis por canalizar o investimento para empresas de investigação & desenvolvimento reconhecidas pela Agência Nacional de Inovação (ANI).

“Considerando que o CFI (Código Fiscal do Investimento) prevê a exigência das empresas objeto de investimento serem reconhecidas para a prática de I&D, a utilização de sociedades veículo (não reconhecidas para o referido efeito) e que funcionam como intermediários na concretização do investimento por parte dos FCR (fundos) em empresas de I&D, não é, a nosso ver, compatível com a disposição legal”, matéria que foi igualmente detetada pela inspeção tributária e que está a ser analisada.

“No âmbito da auditoria, não foi possível comprovar: se as referidas ‘entidades veículo’ possuem outras operações que não os investimentos realizados; e se a sua utilização foi neutra do ponto de vista do cumprimento do objetivo da disposição legal, que é o de beneficiar a empresa que obteve o reconhecimento da idoneidade junto da ANI”.

A IGF alerta ainda para a “não aplicação dos montantes obtidos pelos fundos de investimento junto dos seus participantes, no financiamento das empresas de I&D, ou não utilização desse capital em atividades de I&D por parte das empresas”.

Nos aspetos críticos de funcionamento do SIFIDE em relação à utilização eficiente do incentivo, e que já tinham sido referidas num relatório preliminar, a IGF identifica alguns referentes:

  • à atribuição de crédito fiscal a projeto de I&D por via da execução (vertente direta), quando o mesmo já beneficiou do SIFIDE por via do financiamento (vertente indireta);
  • aos prazos para a realização e concretização do investimento, os quais, face à realidade e prática constatadas são demasiado extensos e podem conduzir a maior morosidade na realização dos objetivos visados pelo regime;
  • à ausência de limites no valor das contribuições para os fundos, o que acentua a já elevada atratividade deste investimento;
  • à definição do conceito de empresa dedicada a I&D, que não permite o acesso de pequenas e médias empresas que ainda se encontram numa fase de desenvolvimento do negócio e/ou que ainda não registem vendas ou prestações de serviços, as quais podem apresentar maiores dificuldades de acesso a fontes de financiamento, mas que abrange grandes empresas, inclusivamente pertencentes a grupos económicos.

Com a nova proposta de lei, vão deixar de beneficiar fiscalmente do SIFIDIE os investimento indiretos em operações entre entidades com relações especiais. Além de que fundos de investimento vão ficar impedidos de obter a taxa incremental. O SIFIDE garante uma dedução à coleta do IRC das despesas de investigação & desenvolvimento (I&D) tendo uma taxa base de 32,5%, mas permite uma taxa incremental deduzindo 50% do aumento da despesa face à média dos dois exercícios anteriores, com um máximo de 1,5 milhões de euros. Ou seja, no limite os benefícios podem chegar aos 87,5%.

Irregularidades e custos com pessoal não elegíveis

Além desta componente de fundos de investimento, a IGF detetou situações de crédito fiscal indevido, por ter sido registado por empresas que não apresentaram candidaturas ou cujas candidaturas não foram aprovadas pela ANI no valor de 2,08 milhões de euros entre 2017 e 2020, tendo 1,14 milhões sido deduzidos à coleta. Mas, entretanto, em sede de contraditório, a ANI explicou que as situações irregulares foram entretanto regularizadas, “o que se traduziu na redução do valor dos benefícios fiscais deduzido à coleta, em 700 mil euros, e na diminuição de 380 mil euros no reporte para exercícios futuros”.

Na amostra identificada pela IGF, “foram identificadas situações de crédito fiscal indevido no valor de 3,19 milhões, algumas das quais já regularizadas, fatores que justificam uma maior incidência do controlo tributário e a definição pela Autoridade Tributária de metodologias de análise do benefício”. A despesa fiscal com o SIFIDE passou de 2017 para 2020 de 137,20 milhões para 396,40 milhões “estimando-se um elevado impacto desta despesa durante o prazo legal de dedução (oito anos), face ao saldo de crédito fiscal transitado em 2020 (448,55 milhões)”.

A IGF diz também que o cálculo das despesas elegíveis “não está a ser corretamente efetuado”. É que estão a ser contabilizados todos os encargos com o pessoal e não apenas o valor das remunerações, por isso, se recomenda que a ANI peça informação detalhada aos beneficiários sobre custos com pessoal. Nem tudo pode resultar em custo elegível.

Falta de controlo adequado

A IGF reclama, por isso, sob forma de recomendação que o controlo da ANI seja reforçado, já que “evidencia várias insuficiências”, como a “ausência de estratégia de análise de risco, inexistência de procedimentos de controlo da execução dos projetos de I&D, não realização de auditorias tecnológicas desde 2015, desatualização do manual de aprovação de candidaturas, ausência de manual relativo ao processo de reconhecimento da idoneidade para a prática de atividades de I&D e insuficiente fundamentação da elegibilidade das despesas”.

A IGF diz mesmo que “o controlo e fiscalização do cumprimento das condições de atribuição/utilização do benefício não tem sido exercido de forma adequada pelas entidades intervenientes: a ANI considera que apenas tem condições de realizar uma validação qualitativa das despesas apresentadas pelas empresas e a AT considera que a validação do montante das despesas
deve ser realizada pela ANI, limitando-se, em regra, a controlar os valores de benefício deduzidos face aos aprovados pela ANI e os valores a reportar para os exercícios seguintes”.

Detetadas as “insuficiências na articulação entre as entidades que intervém no funcionamento do SIFIDE, designadamente, a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) e a Agência Nacional de Inovação, SA (ANI)”, a IGF recomenda que em seis meses “ANI e a AT, devem, no âmbito das respetivas competências e atribuições, assegurar que as despesas de I&D sejam fiscalizadas, quer quanto à sua tipologia/natureza, quer quanto ao respetivo valor”.

São várias, assim, as recomendações da IGF, quer à ANI, quer à Autoridade Tributária, quer ao Ministério das Finanças.

Para a ANI, a IGF deixa como recomendação:

  • Implementar uma estratégia de análise de risco e desenvolver metodologias de controlo da execução dos projetos de I&D, incluindo a realização de auditorias tecnológicas;
  • Resolver as insuficiências em matéria de controlo interno quanto à aprovação das candidaturas SIFIDE e em matéria de reconhecimento da idoneidade para a prática das atividades de I&D;
  • Assegurar a devida fundamentação da decisão de elegibilidade das despesas e do apuramento do valor do crédito fiscal;
  • Assegurar o tratamento tempestivo da informação das empresas, de modo a permitir a avaliação do impacto deste incentivo fiscal nos resultados das mesmas, particularmente, no que se refere à intervenção dos fundos de investimento;
  • Promover uma estratégia orientada para o controlo dos fundos de investimento e esclarecer se a intervenção de “sociedades veículo” na concretização do investimento por parte dos Fundos é aceitável;
  • Rever o entendimento adotado quanto à elegibilidade do valor das quotas das associações;
  • Articular procedimentos de controlo e fiscalização do cumprimento das condições de atribuição/utilização do benefício com a AT, assegurando a validação do montante das despesas de I&D apresentadas pelas empresas.

Nas recomendações ao Fisco, além desta articulação com a ANI, a IGF pede “a célere implementação da conta-corrente do SIFIDE, a elaboração de metodologias de controlo do benefício e a realização de ações inspetivas para regularizar as situações de crédito fiscal indevido identificadas na presente auditoria”.

E ao ministro Fernando Medina, as sugestões da IGF (muitas acatadas já na proposta de lei), passam pela

  • exclusão da elegibilidade das despesas relativas à contratação de atividades de I&D fora do território nacional, das despesas realizadas, no âmbito de projetos realizados por conta de terceiros, até ao limite do valor recebido para a realização de atividades de I&D e das despesas realizadas pelas empresas dedicadas a I&D e previamente financiadas pelo capital realizado pelos fundos;
  • introdução de um valor limite de investimento para os participantes ou a fixação de um valor máximo para o crédito fiscal obtido por via das contribuições para fundos de investimento, bem como a diminuição do período do investimento por parte dos mesmos;
  • alteração do conceito de empresa dedicada sobretudo a I&D, passando a limitar em função do volume de negócios.