Está uma atípica tarde de inverno no Jardim da Estrela. Está sol, ameaça calor. Inês Castel-Branco espera-nos na esplanada de um quiosque. Acelerada, começa a entrevista quando ainda nem nos sentámos. Não é pressa, não quer despachar, é mesmo assim. Ouve-se um contentamento óbvio nas suas frases quando fala do trabalho e da vida. Fala sempre muito apressadamente, sem causar danos nas palavras, não há choques nas frases, as pausas são controladas e rápidas. Talvez o falar depressa seja despreocupação. Mas também treino, certeza, segurança.
Depois de uma hora de conversa com Inês Castel-Branco, a sua segurança no papel de Snu Abecassis faz ainda mais sentido. O filme de Patrícia Sequeira estreia-se a 7 de março e traz aos grandes ecrãs a história da fundadora da Dom Quixote e o seu romance com Francisco Sá Carneiro. A sua Snu é seguríssima e ao vê-la tão confortável no cinema ficamos curiosos em saber porque é que não aparece mais vezes no grande ecrã (e Inês responde, nas entrelinhas).
[o trailer de “Snu”:]
Já viu o filme?
Sim.
Está satisfeita com o resultado?
Muito.
Algum aspeto em especial?
Com o trabalho que todos juntos fizemos. Tinha bastante expectativa porque vi a entrega de cada pessoa neste processo, porque também sou fã de vários em particular, já conhecia o trabalho do João Ribeiro e o tipo de luz que ele faz há muito tempo e há muito que queria trabalhar com ele. Eu e a Patrícia Sequeira temos uma relação de muitos anos e já sabia como ela trabalhava e como estava apaixonada por esta história. Não conhecia o Pedro Almendra, mas mal comecei a trabalhar com ele percebi que estava tão empenhado quanto eu. E depois o guião, a história… à medida que fomos trabalhando no filme, percebi que tínhamos um bom filme em mãos. Mas eu sou suspeita.
Como é que o filme chegou até si?
A Patrícia fez-me um telefonema, pediu para se encontrar comigo. A nossa relação é de muitos anos e muitas novelas juntas, quando ela pediu para se encontrar comigo, percebi que era um convite mais sério. Na altura mandou-me uma fotografia de uma atriz, da Cate Blanchett, assim de perfil, com um ar elegante. E eu fiquei quinze dias a imaginar o que seria, nervosa. Ela fez-me o convite, na altura não sabia quem era a Snu Abecassis, soube nesse dia. Sabia quem era o Sá Carneiro, mas nem sabia que ele tinha uma namorada e que ela tinha morrido com ele. Não conhecia esta pessoa. Tive vergonha de dizer que não sabia, mas fui para casa, procurar quem era esta mulher. E essa pesquisa demorou muitos meses. Desde que o convite foi feito até começarmos a filmar, demorou muito tempo. Começámos a ter ensaios e tivemos a ajuda da Sara Carinhas, que nos ajudou bastante. Assim nasceu a minha Snu.
O que isso envolveu, criar a sua Snu?
Envolveu um trabalho mais de escritório, ler tudo e mais alguma coisa que foi feito sobre ela. Os livros, um escrito pela mãe dela, outro pela Cândida Pinto [Snu e a Vida Privada com Sá Carneiro], que é uma espécie de bíblia, muito informativo. Entrevistas feitas por ela, só há uma, entrevistas ao Sá Carneiro, biografias do Sá Carneiro, os primeiros meses foram só ler. Depois com a ajuda da Sky Dreams começámos a falar com pessoas que conviveram com ela. Amigas, pessoas do trabalho, tivemos entrevistas deliciosas, é diferente ler uma coisa informativa ou ouvir pessoas que passaram dias inteiros com a Snu. E senti que me faltava conhecimento da cultura escandinava, resolvi ir ver a casa onde ela cresceu, em Estocolmo, a Manilla. E passar uns dias lá, perceber mais do povo, esta grande confusão que há, em que há pessoas que dizem que ela é fria, as pessoas que privavam com ela diziam que era tudo menos fria, faltava qualquer coisa no meio. Percebi isso quando fui lá. Não tem a ver com a frieza, mas com outra cultura, que não é a latina, do toque, de não levantar a voz. E outros pormenores dela, de comprar flores todos os dias, em Estocolmo veem-se floristas em todo o lado. E outras coisas que são diferentes de nós e que percebi nesta viagem. E depois foi juntar isto tudo e começar a trabalhar com o Pedro [Almendra, que interpreta Sá Carneiro]. Porque, no fundo, isto é uma interpretação nossa do que foi esta relação. Nós podemos conhecer a figura pública do Sá Carneiro, desta mulher que fundou a Dom Quixote, mas o que se passava dentro da casa deles, não sabemos. Isso é uma interpretação nossa do que foi esta história de amor. Quisemos tirar essa responsabilidade, de ser algo documental. Lembro-me que quando mostrámos as primeiras imagens, algumas pessoas disseram logo que estava tudo mal, porque ela não usava aqueles sapatos. Nós não quisemos fazer uma cópia, mas fazer uma interpretação do que achámos que viveram.
Estava a referir as flores. Esse tipo de pormenores foi a Inês a trazer para o filme?
Muito antes de eu estar apaixonada pela Snu, já a Patrícia estava. A Patrícia é que me falou desses pormenores. Os detalhes, a pena do pavão, ela tinha uma pena de pavão no diária dela, há uma série de coisas que são ideias da Patrícia e que juntei à minha construção.
Como é que chegou àquele sotaque e o manteve de forma tão consistente?
Não foi fácil. Nunca tinha trabalhado com sotaque. Neste caso em particular, falo três línguas, nunca tinha falado sueco e nem tinha representado em inglês, sem ser em trabalhos de escola. Quando vi o guião pensei: não tinha de ser só o meu primeiro filme, mas tenho de falar três línguas e uma delas com sotaque. Em relação ao inglês, sabia que tinha de ser mais próximo do britânico, porque ela estudou em Inglaterra. Apesar de ela ter vivido nos Estados Unidos, foi muito nova para Inglaterra, o mais provável é que o sotaque fosse próximo do britânico. Em relação ao sueco, tivemos a ajuda de uma portuguesa que fala essa língua. O sotaque, ninguém se lembrava do sotaque dela, algumas pessoas diziam que ela trocava os artigos, tipo “vamos tomar uma chá” e havia pessoas que diziam que não se lembravam bem, que era parecido com o sotaque inglês. Tinha muito medo que o sotaque comesse a interpretação. Vim ter com uma amiga minha sueca que vive cá, que é casada com um amigo meu, gravei-a a dizer algumas frases e depois fui repetindo, para tornar o sotaque consistente.
Dos detalhes que formavam a personalidade de Snu Abecassis, o que diria que ficou consigo?
Não é só uma coisa. Acho impressionante que uma mulher que vem de famílias ricas, intelectuais, que privava com prémios Nobel da Literatura chegasse a um país em plena ditadura, sem nunca lhe ter passado pela cabeça que a liberdade de expressão pudesse ser posta em causa. Por isso apaixonei-me por ela. E continuando a ter aquele mantra que tinha desde miúda, que era a urgência de fazer alguma coisa. Fazer alguma coisa por um país que não é o dela e que está tão atrasado em relação à realidade dela, para mim é inacreditável. É o que mais me traz admiração. E no meio de construir uma editora para educar as pessoas, para mostrar às pessoas do que estavam a ser privadas, a ser perseguida pela PIDE, dentro daquilo que uma mulher no estatuto dela conseguia ser perseguida, e no meio disto tudo conseguir apaixonar-se por um país e por um homem que era tão diferente dela, mas parecido em algumas coisas. Foram contra tudo e todos e construíram uma revolução social. Se calhar achavam que Portugal não estava preparado, mas se calhar só estava à espera de uma história destas. A prova disto é que ele acaba por ser eleito. E todos nós gostamos de uma história de amor.
Um dia na rodagem de “Snu”: “Portugal teria sido diferente sem aquele acidente de avião”
Se Snu existisse agora, com aquela idade, mas no nosso presente, estaria ainda tão à frente?
Acho que o “ela estar à frente” tem a ver com o “de onde ela vem”. Agora não há uma diferença tão grande de Portugal para o resto da Europa.
Mas enquanto mulher, vê os anos 1960, 1970, e vê Portugal agora…
Acho que agora sentir-se-ia mais em casa.
Mas ainda não seria o país que ela queria?
Politicamente estamos noutro sítio, ela era mais liberal. Tinha mais ideias em relação à educação das pessoas, nós ainda estamos muito atrasados nesse nível.
Estamos a melhorar?
Acho que sim. Ainda há um longo caminho a percorrer, mas acho que ao falar-se dos assuntos que antigamente não se falava, é sinal de que as coisas estão a mudar.
A presença destes temas nos meios audiovisuais é importante?
Acho que as novelas há muito tempo que tentam abordar temas na sua narrativa que têm a ver com esses temas que precisam de ser discutidos, de violência doméstica, violência sexual, da igreja. Já estão nas narrativas das novelas há muito tempo. Mas é um trabalho que tem de continuar e cada vez mais assertivo.
Muito do público em Portugal associa-a a uma personagem que interpreta numa novela. Há pessoas que não desassociam a Inês das suas personagens. Acha que quando representa uma personagem numa novela tem um peso grande para as pessoas que a veem?
Tem de ser sempre explicado a diferença entre a ficção e a realidade. E as pessoas têm essa noção, quando veem novelas: aquela célebre frase, “isto não acontece”. Mas cada vez mais as coisas acontecem, há coisas na vida real que acontecem. Se houver alguma responsabilidade, é mais do autor, do que nós que interpretamos a personagem. Mas se interpretar uma personagem vítima de violência doméstica, isso dá-me abertura para falar desse tema e despertar consciências para esse tema. No caso de fazer uma vilã, como foi a última, que era psicopata e usava seringas para fazer mal a crianças, não há um exemplo que possa dar. Posso falar das doenças mentais, que falei na altura, são reais e existem. Mas é de facto uma amostra pequena e não queremos que o nosso público ande na rua a achar que há psicopatas por todo o lado. É uma questão de dosear a coisa e perceber que o nosso papel como atores pode ser usado para falar desses temas fraturantes e de causas.
É confrontada com a sua personagem e com a Inês do mundo real?
Cada vez mais as pessoas distinguem a personagem da atriz. Há dez anos dirigiam-se a mim mais como se eu fosse a personagem do que se fosse eu, agora quando me veem, já dizem: “Quando a vejo, só me apetece bater na televisão, faz aquilo muito bem”.
O filme entra muito na vida pessoal dos políticos, não só a sentimental como a social. Sendo Portugal uma sociedade muito fechada, e na altura ainda sendo mais fechada…
Sim, somos incapazes de falar da vida privada de um político, cada um sabe de si. A não ser que estejamos a falar de corrupção, aí já não é privado…
Como é que vocês, atores, se sentem a interpretar a vida pessoal daquelas figuras?
Nunca tivemos a pretensão de tentar mostrar às pessoas o que se passava naquela casa. A nossa interpretação é mais poética, tem mais pudor. Imagine este homem e esta mulher, nestes cargos, que se apaixonam, são casados, numa sociedade superconservadora, que se amavam mesmo, que davam muito um ao outro, imagine o que eles passaram. Principalmente para a minha geração, que não passou pela ditadura, se imaginarmos um bocadinho do que eles passaram, já é uma batalha ganha. Mas na verdade é só uma história de amor que aconteceu naquele tempo. Hoje em dia seria completamente diferente.
Pegando nisso, acha que Sá Carneiro alguma vez lhe leu um poema de Mário de Sá Carneiro?
Sei que era fã do poeta. No livro da Cândida dizem que uma das poucas coisas que ele leva para casa da Snu é a poesia de Mário de Sá Carneiro. Imagino que ele lhe fale de um poema, mas… que o saiba de cor, não sei. Ele era conhecido por improvisar os discursos, imagino que tenha mandado por carta. O meu Sá Carneiro, o meu Pedro, sim, imagino-o a fazer uma serenata.
Como foi fazer esse conjunto de cenas?
Foi feito em vários dias diferentes. O desafio dessa cena foi ser coerente ao longo de todas as partes. Acho que é a primeira vez que se vê a Snu a sorrir no filme. E tem um certo simbolismo, ela não se ria muito. Dizem…
Dizem ou também leu?
As duas coisas. Dizem que tinha… a Virgínia Caldeira, que era a secretária dela, dizia-me que ela tinha complexos com os dentes.
Na sua caracterização tentou ser muito parecida?
Foi adaptada a ela e à época. Há coisas adaptadas ao filme em si, eu não podia ter o salto alto muito maior, o Sá Carneiro era muito mais baixo do que eu, e o Pedro não é muito mais baixo do que eu. Houve coisas que foram completamente adaptadas.
Imagina-se a fazer cinema com mais frequência?
Acredito que esta experiência foi muito boa para todos nós, nem que seja pela Patrícia, tenho a certeza que sim. É algo que vivo muito bem. Trabalho assiduamente em televisão, em teatro, não tão assiduamente em cinema, mas já começo a trabalhar. E acho que as coisas acontecem quando têm de acontecer. Gosto de representar, enquanto for feliz a representar, sou feliz.
Nunca lhe incomodou fazer tanta telenovela? Pergunto isto porque há uma certa depreciação do ator de telenovela em Portugal.
Mas isso é um problema das pessoas que fazem essa desvalorização. Não é meu. Tenho muito orgulho das novelas que faço, visto a camisola por todos os produtos em que entro, porque nem faz sentido fazer de outra maneira. Como espectadora, se vejo telenovelas? Não vejo. Se vejo filmes? Vejo, muitos. Sim, no geral, como espectadora, o que mais gosto de ver é teatro e cinema, mas o que gosto de fazer é representar. Seja qual for a linguagem.
Gostava de fazer séries?
Gostava muito, também. Acho que vai começar agora a era das séries. Vamos esperar por isso.
Se houvesse agora uma produção maior de séries e começasse a fazê-las, sentiria falta do ritmo das telenovelas?
Mas têm o mesmo ritmo, são é menos meses. Como são só 12 episódios em vez de centenas, tem uma duração menor, mas o ritmo é o mesmo. A diferença entre fazer uma série e uma novela é que a série tem a história fechada, já se sabe como vai acabar. Sabemos o que podemos dar. A novela tem sempre o final em aberto. E é bastante interessante na novela que as personagens mudem de um dia para o outro, porque o autor ou o público assim o pede, é preciso dar uma volta de 180 graus e temos que nos adaptar. Isso causa uma adrenalina que os outros não causam.
Como é que os atores reagem a isso? A um produto em constante mudança?
Se for coerente com a nossa construção, eu reajo bem, acho sempre espectacular quando há um desafio. A novela demora muito tempo e quanto mais sítios a personagem for, mais interessante é. Maior desafio e mais interessante é. As personagens que estão sempre a chorar e sempre a sofrer, é uma canseira. É melhor que tenham momentos de felicidade, de medo, é mais interessante.
Já aconteceu saber o final de uma novela e ele ser alterado a dias, ou semanas antes de acabarem as filmagens?
Não, mas já me aconteceu saber o final de uma novela e não gostar da opção. De achar até ridículo, mas não há nada que possa fazer.
Como é o seu dia a dia em alturas que não está a fazer novelas?
Estou a ensaiar uma peça no Teatro do Bairro. Passo a noite na Alemanha dos anos 30 e o dia em Portugal dos anos 70, estou sempre a estudar as duas, para chegar lá e não me confundir toda. Estou a ensaiar o espectáculo do Brecht no Teatro do Bairro sobre a ocupação nazi na Alemanha, com encenação do António Pires, onde passo as tardes e noites, e durante o dia estou a fazer promoção ao filme, que está quase a estrear. E a partir de março começo a ensaiar a novela nova, a fazer testes de imagem, curiosamente, começo a gravar quando acaba a peça de teatro, nada se vai sobrepor.
E costuma haver sobreposições?
Normalmente sim. Mas desde que o meu filho nasceu que decidi que não iria fazê-lo mais, senão não o vejo. Tomei opção de não fazer uma coisa e outra ao mesmo tempo. Quando ficar mais velho, vou reconsiderar essa opção.
Gere bem personagens diferentes?
Sim, são abordagens diferentes. Portugal anos 70, Alemanha anos 30 e agora Portugal século XX, uma PJ, onde vou ter lições de manuseamento de armas. Tudo diferente. Se houvesse uma próxima… ia ficar mais confusa, mas acho que nunca me aconteceu.
Quis ser atriz desde muito nova?
Queria ser advogada. Acabei o 12º ano e não sabia o que queria ser. Pedi à minha mãe par fazer um ano sabático, nunca tinha chumbado, era responsável e madura para a minha idade. A minha mãe disse “claro que sim”. Durante esse ano, já trabalhava como modelo, e a minha booker disse que eu não era feliz a ser modelo, mas que devia experimentar fazer um curso de atriz. Mandou-me para uma audição, entrei no curso e foi aí que decidi. A seguir a esse curso inscrevi-me num outro de 3 anos e ao segundo ano fui convidada para fazer uma participação numa série.
Qual?
“Uma Aventura”.
Era o que estava a pensar.
Era o episódio da Quinta das Lágrimas e eu fazia de Inês de Castro.
Era modelo e pensava em ser advogada?
Nunca quis ser modelo também. Eu era muito maria-rapaz. Esta rapariga encontrou-me a almoçar com a minha mãe, veio ter comigo, sou de uma agência de modelos… fiquei envergonhada, tinha 14 anos. A minha mãe, como sabia que tinha um problema de autoestima, como todas as adolescentes têm, disse “agora não é a altura certa, mas um dia ainda vamos lá”. Esperou um ano, levou-me lá de surpresa. Sem obrigação, fui fazer uma sessão fotográfica, correu muito bem e passado um mês estava contratada para três trabalhos. E estava a ganhar um ordenado por mês, foi muito bom. Não gostava de fazer aquilo, mas gostava de ganhar aquele dinheiro por mês. Quando me era exigido outro profissionalismo e eu queria era curtir, foi quando ela teve essa conversa comigo. Esta mulher mudou o rumo da minha vida, entretanto morreu, mas foi muito especial para mim. Agradeço-lhe tudo.
Fazer esse trabalho ajudou a vencer os problemas de autoestima?
Eram bastante típicos da idade, do sexo feminino, e foi uma coisa que me acompanhou durante muito tempo. Acho que nos últimos anos parou. É uma profissão que vive muito da imagem, estou gorda, magra, cuidar do teu corpo, porque é uma ferramenta, de não envelhecer, há uma pressão tão grande em cima da imagem do ator. Hoje em dia já estou bastante relaxada em relação a isso.
Reconhece-se quando se vê no ecrã? Há atores que imaginam uma figura para si, esta personagem é mais gorda e depois não se reconhecem.
Não gosto muito de me ver, mas vejo-me sempre, para perceber a finalização do trabalho. Quanto menos eu vir o trabalho final, mais feliz fico com o trabalho que fiz. O que isto quer dizer, quanto mais longe estiver de mim, Inês, mais construção de personagem está ali. Uma das coisas que mais gostei quando vi o filme foi sentir que não sou eu, é uma senhora mais velha, de outro país. E senti que a proposta que tinha feito a mim mesmo, tinha cumprido.
Quando começou a ter aulas, o que a fascinou mais no mundo da interpretação?
Era nova e tímida e o que me fascinou foi uma coisa irracional, o prazer que eu sentia a fazer. E não o deslumbre que eu sentia pelo que eu estava a ver. Era o prazer que eu tinha, tinha um exercício na escola, davam-me um texto para trabalhar e ia fazê-lo à frente da aula, era o que sentia quando estava a fazer, que queria continuar a sentir. Uma espécie de adrenalina, sair de mim, experiência out of body, queria aquilo. Nunca tinha sentido nada parecido na minha vida. Foi atrás dessa sensação que eu fui. Depois foi descobrir o respeito pelos textos, pelos autores, atores, encenadores, realizadores. E fui ficando curiosa, fui aprendendo.
Continua a ter essa sensação de estar fora do seu corpo?
Sim, ainda ontem estava… no espectáculo que estou a ensaiar, tenho um monólogo muito grande, muito assustador. Ontem saímos da mesa para o palco, sempre que isto acontece, eu panico – que é um verbo que não existe! –, entro em pânico, fico sempre muito nervosa, como se fosse um parto, suo imenso, sai-me tudo ao lado. E ontem… não sei se tem a ver com a maturidade, saí do ensaio com a sensação que consigo ter essa experiência com calma, quase curtir todos os passos da construção da personagem. Antigamente era só quando estava a fazer, estava pronto. Como consegui com a Snu, quando estávamos na sala com a Sara Carinhas, a Patrícia e o Pedro. Foi aí que começou a vontade de começar a mostrar a interpretar desta mulher, deste homem… e deste amor.
O papel da Sara Carinhas foi importante?
Super importante. A Sara tem uma sensibilidade como poucas atrizes têm. Não sei se é por causa do background dela, tem uma forma de lidar com as pessoas com muita calma. Sabe dizer o que precisamos de ouvir, no momento em que precisamos de ouvir. No futuro vou querer trabalhar com ela, sempre que me vir à rasca, é à Sara que vou ligar.
Em algum momento, passado, presente, futuro, pensou em ter uma carreira internacional?
No passado, sim. Quando comecei a trabalhar mais, tentei ir lá para fora. Falo inglês fluentemente desde pequenina. Mas era incompatível com o meu desejo de ser mãe. E quando o meu filho nasceu, essa opção ficou sem efeito. Sou separada, não faz sentido separar o pai do filho, ou a mãe do filho, para mim não há essa opção. Claro que com a internet e a democratização das indústrias, é mais fácil um realizador estrangeiro chegar a mim e contratar-me para um filme. Não teria problema nenhum: Almodóvar, se me estiveres a ouvir, continuo à tua espera. Sou mesmo muito feliz neste país, não trocava Lisboa por outra cidade.
Lê revistas cor-de-rosa?
Não.
Evita?
Não, durante anos comprava tudo. Chegava à segunda-feira e comprava todos os jornais e todas as revistas, vários amigos gozavam comigo. E de um dia para o outro fartei-me, deixei de comprar. E hoje nem penso nisso. De vez em quando, quando vou a uma estação de serviço, vejo as capas, se vir o meu nome, “deixa lá ver”. Mas tenho sempre um bocado de vergonha.
Como é lidar com isso diariamente?
Quando era mais nova era muito difícil. Era uma grande invasão… quando não queremos que essa invasão aconteça, quando nos importamos, é difícil. Quando sentimos que há má fé, é difícil. Mas depois apareceu a era dos reality shows e tudo mudou. E desde então acho que tenho a sorte de ter o respeito dos média e só aparecer quando quero.
E teve de lidar com muitas mentiras?
No início sim, mas não eram mentiras, eram opiniões sobre atitudes. Mas nunca fui muito afetada, o que mais me incomodava eram os paparazzi, que também deixaram de existir ou os que existem são combinados, mas comigo nunca mais aconteceu. Quando aconteceu, senti-me completamente invadida, ficava com uma taquicardia… era mesmo uma coisa… apetecia-me bater no fotógrafo que invadiu o meu espaço, daquele jardim, com o meu filho, que eu não queria que o mundo inteiro visse. Mas é uma coisa que passou rapidamente, o nosso país tem coisas muito boas a esse nível, tentamos ir lá quando é moda, mas depois seguimos o rumo natural e acaba por haver muito mais respeito do que nos outros países europeus, em relação a tablóides.
Alguém tirava uma fotografia, está com alguém que ninguém conhece e tentam vender isso como uma história…
Não era vendível.
Não estamos a falar de mim, mas de outra pessoa aqui.
Mas não era vendível, não estou a fazer novela há dois anos…
Mas tem esse medo quando está em público?
Não, porque acho que as pessoas têm algum pudor. Hoje os paparazzi são telefones de pessoas, não são fotógrafos com objetivas escondidos atrás da árvore. E sinto alguma invasão, mas não quero viver a achar que estou sempre a ser perseguida.
Não sente que estão sempre a fotografá-la?
Não, de todo. Quando estou a fazer uma personagem que tem muito sucesso, durante esses meses sinto que há maior curiosidade, mais vontade de tirar selfies. Sinto que há muito respeito. É raro haver uma pessoa a tentar tirar fotos sem eu ver. E se vir, digo “podes-me pedir, tiro uma fotografia contigo, mas apaga só aquela, ao menos deixa-me estar gira na fotografia”. Há um certo fair play e normalmente respeitam o meu filho, por isso não tenho razões de queixa.
Fotos de Diogo Ventura