Índice

    Índice

Alexandre Homem Cristo. A IL é um partido como os outros

Os congressos partidários são momentos nobres de atenção mediática e, por isso, uma oportunidade para um partido se apresentar a quem não o conhece por dentro, criando uma dinâmica de afirmação no seu espaço político — com novas propostas, com novas caras, com nova energia. A Iniciativa Liberal (IL) desperdiçou estrondosamente essa oportunidade. Pior: durante este fim-de-semana, a IL estilhaçou a boa imagem que tantos lhe atribuíam — a de um partido fresco, inovador e baseado em ideias. A IL que vimos na Convenção está fraturada, alimenta-se de ressentimentos pessoais, argumenta através de ataques pessoais e pouco ou nada se importa com ideias para o país — só a candidatura de Rui Rocha tinha uma visão para fora. Não é possível que alguém desinteressado das lutas internas do partido se tenha entusiasmado minimamente com a Convenção.

A luta na lama tem uma razão de ser: o poder é o afrodisíaco da vida partidária. Ora, a IL de Carlos Guimarães Pinto nasceu de um certo romantismo ideológico, mas cresceu rápido com Cotrim Figueiredo e, subitamente, assentou nos cálculos eleitorais como partido de poder, quando agora se prevê que os seus votos sejam imprescindíveis para uma maioria alternativa ao PS. A idade da inocência e do partido que parecia uma start-up acabou — a IL entrou na idade adulta. Não é só um problema de estrutura (como tanto discutiram os candidatos), mas de mudança de ambições. A partir desta Convenção, morreram as ilusões dos que viam na IL um partido diferenciado: é mesmo um partido como todos os outros — destinado ao poder e com facções internas a digladiar-se entre si para aceder a posições de decisão política.

O fim dessa ingenuidade não é forçosamente um aspecto negativo, mas tem consequências para a nova liderança de Rui Rocha. A primeira é que, a partir de agora, haverá oficialmente uma oposição interna e organizada à liderança da IL. Por mais apelos à união que se ouçam, é pouco provável que a IL volte a ser um partido coeso como havia sido (aparentemente) até à demissão de Cotrim Figueiredo. A segunda é que, num partido que procura o poder (“liderar a oposição” e “romper com o bipartidarismo”), será necessário dar maior consistência política às propostas da IL, que não raramente dispararam em todas as direcções (inevitável num programa eleitoral com 600 páginas) — e muito pouco se trabalhou nesse sentido na Convenção. A terceira é que, objectivamente, a IL ainda não tem uma estrutura partidária pronta para ser eficaz em tantas frentes e, com os holofotes apontados a essas insuficiências, o desafio organizacional é muito grande para os próximos dois anos.

Por tudo isto, dizer que a vitória de Rui Rocha corresponde à vitória da continuidade na IL é cair num engano: entre os liberais, nada será como dantes. A IL sai desta Convenção entre dois cenários: o da ambição de crescer sustentada numa equipa que deu provas, e o de risco da fragmentação interna. Na linha ténue que separará estes dois cenários, o desafio de Rui Rocha será encontrar um equilíbrio: a IL só crescerá se aprender a conviver bem com esta nova fase da sua vida adulta.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

André Azevedo Alves. IL aposta na continuidade

Com o apoio do líder cessante, João Cotrim Figueiredo, da maioria do grupo parlamentar e de quase todo o núcleo duro da estrutura do partido, a vitória de Rui Rocha representa uma aposta na continuidade por parte dos membros da IL. Isto numa convenção que ficou marcada logo na abertura pelo discurso bem medido de João Cotrim Figueiredo, conjugando uma mensagem de oposição e alternativa ao socialismo virada para o exterior com alguns apontamentos assertivos na resposta aos críticos internos.

Mas importa assinalar que o resultado alcançado pela candidatura liderada por Carla Castro e Paulo Carmona é significativo. A lógica de uma candidata underdog a liderar uma coligação (ainda que ideologicamente muito inconsistente) de descontentes acabou por mobilizar uma parte relevante das bases do partido. Obter 44% contra a solução de continuidade num jovem partido vindo de um forte sucesso eleitoral é um feito assinalável e que deve fazer reflectir Rui Rocha e quem o acompanha, nomeadamente do ponto de vista da reorganização e robustecimento interno do partido.

Uma vez concluída a necessária clarificação interna, importa conseguir unir o partido, uma tarefa que não será fácil depois de uma campanha interna que nem sempre decorreu com a elevação desejável. De facto, ainda que o impacto externo directo dos ataques internos seja reduzido (poucos eleitores seguem a vida interna dos partidos), há feridas abertas que provavelmente terão alguns efeitos a prazo. Mais do que diferenças ideológicas, a campanha revelou em muitos casos um clima de hostilidade aberta entre as candidaturas que dificilmente não terá consequências pelo atrito e erosão provocados nas relações pessoais. A capacidade de encaixe e reconciliação é fundamental em política mas é bastante provável, por exemplo, que a relação de confiança entre Carla Castro e o resto da bancada parlamentar tenha sofrido danos significativos, com os quais será necessário lidar.

Além do desafio de conseguir a união do partido, Rui Rocha terá agora pela frente mais duas tarefas prioritárias: ganhar notoriedade junto do eleitorado e preparar o caminho para os próximos actos eleitorais, com destaque para o desafio das eleições europeias, nas quais o ex-líder João Cotrim Figueiredo poderá ser uma opção (mas não a única) a considerar.

Uma nota final para o deputado Bernardo Blanco, que protagonizou uma notável intervenção na convenção, ao nível aliás das excelentes intervenções que tem tido também na Assembleia da República. Pela sua juventude, Blanco não será (ainda) uma opção para a liderança da IL, mas deixou mais uma vez indícios de ter um potencial sem paralelo no partido. Se a IL tiver futuro, esse futuro deverá passar necessariamente a médio prazo por Bernardo Blanco.

Raquel Abecasis. As armas e os barões assinalados

Pode ser que amanhã a Iniciativa Liberal consiga voltar ao caminho interrompido e atropelado há dois meses. Pode ser que sim. Mas os últimos meses não foram bons e os últimos dois dias foram péssimos.

Rui Rocha diz que quer que o partido chegue aos 15%, bem acima dos dois dígitos que Paulo Portas andou anos a reclamar até conseguir. Para o conseguir Rui Rocha tem que fazer muito, mesmo muito, para fazer o país esquecer o poço fundo em que inexplicavelmente o partido se deixou cair este fim de semana.

A pergunta que fica no ar é: como é que um partido que surgiu no panorama político português como uma lufada de ar fresco, criativo e moderno, faz uma Convenção a fazer lembrar o pior dos partidos velhinhos e alguns já em vias de extinção?

Não era isto que os portugueses esperavam ver na Iniciativa Liberal. A mesma Iniciativa Liberal que em pouco tempo, e por ter chegado com novas ideias e novos métodos, conseguiu conquistar o voto mais ambicionado: o voto jovem.

A partir de amanhã veremos se Rui Rocha conseguirá fazer o partido recuperar deste gigante tiro no pé que foi a sétima Convenção da Iniciativa Liberal recheada de barões de armas apontadas uns aos outros. Para já a recuperação não fica à vista com o discurso de encerramento de Rui Rocha, sem ideias e sem propostas capazes de mobilizar o eleitorado.

Miguel Pinheiro. “Sou um bom partido, imagina inteiro”? Na IL, há muita gente zangada

António Costa estava enganado: a Iniciativa Liberal não guincha, porque o guincho é, segundo o dicionário da Porto Editora, um “som inarticulado”. Mas berra — e berra muito. Quem tenha passado todas as horas deste sábado e deste domingo a ouvir os militantes na convenção da IL percebe que o partido está zangado. É uma zanga que se sente e se ouve de alto a baixo e de ponta a ponta.

João Cotrim Figueiredo, o ex-líder que recolheu a casa por sentir que já não conseguia dar mais, está zangado porque se julga traído pelos apoiantes mais vocais de Carla Castro, que o tratam hoje como um pequeno autocrata a comandar uma clique. Os apoiantes de Carla Castro estão zangados porque acreditam que o partido foi capturado por uma elite que pretende, como disseram alguns, “mandar em tudo”. E os apoiantes de Rui Rocha estão zangados porque entendem que lideraram o crescimento explosivo do partido e sentem agora que foram colocados no pelourinho e forçados a dar explicações e prestar contas — entre a perplexidade e a fúria, ficaram a questionar-se como é que um sucesso eleitoral acabou num interrogatório forçado.

Na convenção da Iniciativa Liberal não houve só berros, o que já seria — e foi — surpreendente. Também houve apupos. Muitos apupos, em diferentes momentos e com diferentes motivações e destinatários. Houve apupos por motivos sérios e por motivos fúteis, houve apupos por causa do partido e por causa da pátria, houve apupos de um lado e houve apupos do outro.

Rui Rocha e Carla Castro garantiram e juraram que, a partir de segunda-feira, o partido voltará a estar unido, numa harmonia celestial, instantânea e comovedora. Mas este raciocínio assenta num equívoco. É que as divisões na Iniciativa Liberal não começaram há três meses, por causa de uma campanha eleitoral interna; começaram há muito tempo e estiveram a crescer durante muito tempo. Mais e pior: as divisões na Iniciativa Liberal não se resumem a uma pessoa, nem a duas, nem a dez. São extensas e são fundas.

Naturalmente, isto não quer dizer que a IL se vá dissolver em ácido — há uma grande diferença entre uma ruptura e um obituário. Também não quer dizer que a IL desapareça caso, para alguns, o descontentamento se transforme em abandono — no anos 70, o PS teve uma cisão e o PSD teve duas e ambos ficaram mais fortes por causa disso.

Mas Rui Rocha vai agora ter que usar muito tempo e muita energia para apaziguar aquela militância que está na fronteira da rebelião. Não será fácil: entre os derrotados, muitos fizeram questão de abandonar a Convenção enquanto Rui Rocha fazia o seu discurso de vitória, no qual emitiu já algumas frases de reconciliação.

Na Convenção deste fim de semana, a banca de merchandising da IL estava a vender uma camisola com a frase “Sou um bom partido, imagina inteiro”. Pretendia ser uma graça, mas, tendo em conta tudo que se passou nestes dois dias, acabou por ser uma descrição certeira do atual estado das coisas.

Miguel Santos Carrapatoso. A Iniciativa Liberal é um pato

No momento mais decisivo da sua curta existência, a Iniciativa Liberal não conseguiu passar no teste do pato. Se parece um partido tradicional, se se comporta como um partido tradicional e se debate as questões internas como um partido tradicional, então é porque é mesmo um partido tradicional, com todos os vícios e pecados originais que jura não querer replicar. Para um partido que se diz tão diferente dos outros, foi em tudo igual ao pior que os outros partidos têm para oferecer.

Os dois dias da Convenção liberal confirmaram o tom que dominou toda a campanha. Foi um “lavar de roupa suja” com tudo o que a isso tem direito: claques, acusações de caciquismo, discursos contra os barões, discussões sobre dinheiro dos núcleos, quotas e regras de funcionamento interno, denúncias sobre endogamia partidária, referências à “carneirada”, aos “ignorantes” e aos “paus mandados” que circulam pelo partido, e, cereja no topo do bolo, apupos. De novo: num partido que se diz liberal, vários oradores – incluindo Rui Rocha – foram apupados quando estavam em cima do palco. Pior: foi visto como sendo algo perfeitamente normal, sem que tivesse existido sequer um esboço de condenação.

O que sai desta reunião é um partido divido em dois, fulanizado, tomado por fações e façõezinhas, incapaz de falar de uma visão de país além de umas críticas desgarradas ao PS e reduzido a uma disputa estéril pelo controlo do aparelho partidário. Estéril porque, a menos que mude de vida, vai haver muito pouco para controlar num futuro próximo – quando um partido se dedica à autodestruição, é de esperar que os eleitores lhe façam a vontade nas urnas.

A Iniciativa Liberal não aprendeu nada com o pior do que aconteceu ao CDS, que, mesmo na sua marcha fúnebre para a irrelevância, ainda fingia que estava a discutir as diferenças ideológicas que existiam internamente. Não estava, mas fingia. Na Iniciativa Liberal, nem isso aconteceu: num partido que se diz das ideias, o vazio, para lá dos egos e das questiúnculas internas, foi gritante.

Rui Rocha venceu por margem curta e acabou a fazer as promessas de união da praxe. Ainda discursava e já meio pavilhão estava vazio, com os apoiantes de Carla Castro em debandada. Conseguiu convencer pouco mais do que metade do partido e aproveitou o discurso de vitória para prometer ter 15% em legislativas. O tempo dirá se tanta ambição é recomendável. Ao dia de hoje, é uma miragem.

O novo líder – o quarto presidente em cinco anos – terá agora a missão de tentar apagar a péssima imagem que o partido deixou durante este fim de semana. E de colar os cacos que sobraram da Iniciativa Liberal para lhe devolver a paz interna. A ver pelo que aconteceu nestes dois dias, talvez venha a acontecer quando as galinhas tiverem dentes. Ou os patos.