Uma fábrica de um produto químico com um nome estranho (PET) em Sines. E, mais a norte (a 360 quilómetros pela A1), uma unidade de produção de peixe (pregado). Os dois projetos têm mais em comum do que parece à primeira vista. São dois investimentos emblemáticos promovidos por grupos espanhóis — a La Seda e a Pescanova –, mas que acabaram por queimar os bancos portugueses que os financiaram e o Estado que os apoiou com incentivos financeiros e fiscais.
A Artlant de Sines e a Acuinova na praia de Mira sofreram os efeitos da recessão económica internacional e da crise nos mercados ibéricos, os problemas financeiros e eventuais fraudes dos seus acionistas, tudo motivos válidos para falharem. Mas há outras razões. Também houve erros de conceção, de fabrico e localização nestes investimentos, erros esses que dificultam os esforços para viabilizar estas unidades. As duas fábricas construídas de raiz com a tecnologia de ponta, viradas para a exportação, acabaram por ser declaradas insolventes, este verão.
O Estado português, através da AICEP e do IFAP (Instituto de Financiamento da Agricultura e Pescas) está a reclamar mais de cem milhões de euros de incentivos concedidos a estes dois projetos, sendo que mais de metade deste valor nem sequer é um crédito reconhecido pelo gestor judicial. As fábricas da La Seda e da Pescanova são dos projetos PIN (Pontencial Interesse Nacional) mais emblemáticos, ambos reconhecidos e decididos nos Governos liderados por José Sócrates — o então primeiro-ministro marcou presença no arranque dos dois investimentos — com apoios do Estado, mas também empréstimos da Caixa Geral de Depósitos.
Os PIN são grandes investimentos, nacionais e estrangeiros, projetos considerados estruturantes para a economia nacional, com impacto no emprego e nas exportações. A classificação PIN foi criada em 2005, no primeiro governo liderado por José Sócrates. O socialista tinha chegado ao poder com a promessa de criar 150 mil empregos na legislatura e os projetos de investimento foram especialmente acarinhados pelo Governo, ainda que muitos não tivessem passado de intenções.
A classificação PIN pretendia ser um canal facilitador do desenvolvimento desses projetos, em particular no que dizia respeito ao processo burocrático de licenciamento e autorizações que envolviam muitas entidades centrais e locais. Os PIN eram também uma porta aberta para o acesso a apoios do Estado — incentivos financeiros a fundo perdido pagos pelos fundos comunitários — e incentivos fiscais. Ainda que, como sublinha a AICEP na resposta ao Observador, um PIN não tivesse sempre e necessariamente apoios do Estado.
A agência para a promoção do apoio ao investimento diz que estão a ser acompanhados 95 projetos de interesse nacional que representam investimentos de 15,5 mil milhões de euros. Na lista, que pode ser consultada aqui, há 63 projetos licenciados e em execução que correspondem a dois terços do investimento total e uma criação de quase 20 mil postos de trabalho.
Mas a AICEP não disponibilizou o valor dos apoios públicos concedidos a estes projetos, entre incentivos financeiros e fiscais. Também não foi possível obter junto da agência para o investimento informação sobre os contratos PIN que estão em incumprimento, nomeadamente devido a dificuldades financeiras do promotor, mas é público que existem casos de empresas que foram declaradas insolventes.
Também não foi disponibilizada informação agregada sobre os incentivos pagos pelo Estado a projetos que não estão a cumprir as metas contratadas e que valores está a AICEP a pedir a devolução, ou que já foram dados como perdidos. Voltando a distinguir entre a atribuição da distinção PIN e a concessão de incentivos do Estado, a agência esclarece que, “se na fase de execução do projeto sobrevier uma insolvência e houver créditos por parte do Estado, estes serão reclamados judicialmente”.
O Observador questionou a AICEP sobre alguns investimentos que foram realizados, ou pelo menos contratualizados, e cujos promotores se encontram em situação de insolvência. Em apenas dois dos casos — a Artlant e a Acuinova a — a agência reconhece que foram dados apoios públicos que estão a ser reclamados no quadro de processos de recuperação ou liquidação. O projeto turístico para a Herdade da Comporta, que era do Grupo Espírito Santo, continua a ser acompanhado como PIN ao nível dos licenciamentos, mas não foram pagos incentivos públicos.
A fábrica no local errado ou que precisava de outra fábrica
Na La Seda, a AICEP aparece como credora em três frentes: para além do contrato de investimento em incumprimento, pelo qual são reclamados 33 milhões de euros, a AICEP Global Gestão de Parques reclama 11,1 milhões de euros à Artlant, por contratos vários de prestações de serviços, e a capital de risco Portugal Capital Ventures surge como credora de 4,689 milhões de euros. Este é um crédito subordinado que resulta de suprimentos avançados por esta entidade onde a AICEP é acionista, ao lado de vários bancos. A fatura total é superior a 45 milhões de euros.
A Artlant sobreviveu a um PER (Processo Especial de Revitalização), em 2015, que passou por um perdão de dívida de 189,5 milhões de euros mas acabou por ser declarada insolvente neste verão, por iniciativa de um credor, a Sociedade de Montagens Metalomecânicas.
O investimento na unidade de PET de Sines ficou mais fragilizado depois de perder a casa-mãe, a La Seda, também ela declarada insolvente em 2014. Mas na verdade a Artlant (inicialmente chamado de Artenius) foi um projeto mais da Caixa do que da La Seda. O banco público acabou por ficar acionista da Artlant, financiando a quase totalidade do investimento de mais de 400 milhões de euros. Na qualidade de maior credora, a Caixa procura investidores estrangeiros para viabilizar a fábrica, uma procura que dura há vários anos e que enfrenta um problema incontornável: a inexistência de matéria-prima em Sines. Essa matéria-prima tem que ser importada, o que onera os custos de produção, disse ao Observador fonte conhecedora do dossiê. A localização não era a mais adequada ou o projeto estava incompleto, são duas explicações possíveis para este problema de raiz que existia já quando a decisão de investir foi tomada. Mas o processo avançou em 2009, apesar de não estar garantida uma condição importante.
Para viabilizar a fábrica em Sines teria sido necessário construir uma outra unidade, ou de PTA (a matéria-prima usada para produzir o PET), ou de paraxileno, um subproduto dos combustíveis que é altamente inflamável. Houve contactos para convencer a Galp a desenvolver na refinaria de Sines uma unidade para a produção dessa matéria-prima, mas a petrolífera e o seu maior acionista, Américo Amorim, nunca mostraram interesse no projeto, que envolveria um investimento de 400 milhões a 500 milhões de euros. A Galp tinha fechado uma unidade de paraxileno na refinaria de Matosinhos.
Para a Caixa, que enquanto credor e acionista ficou com a dura missão de dar a volta à situação, o pior que se pode fazer é ficar parado. Só manter a fábrica operacional, ainda que sem produzir, custa ao banco público cerca de 12 milhões de euros por ano, segundo informação recolhida pelo Observador.
Os acidentes que mataram os peixes na aquacultura de Mira
Mais a norte, a história repete-se. Pelo menos em parte. A fábrica de Mira, da multinacional espanhola Pescanova, foi construída no final da década passada com a ambição de vir a ser o maior produtor mundial de rodovalho através de aquacultura. A unidade ocupa uma área de 200 hectares, quase toda a produção destinava-se à exportação. O projeto foi generosamente financiado pelo Estado português e por fundos comunitários. Mas nunca conseguiu atingir a meta de produção, pelo menos nos primeiros anos.
Em 2013, foi notícia um conflito com a Sacyr, a construtora espanhola que executou o projeto. A Pescanova reclamava reparações devido a uma falha no sistema de extração de água que provocou a morte de parte da produção.
No processo de recuperação judicial, a gestão da empresa portuguesa realça que, desde o arranque da produção em 2009, “verificaram-se sucessivamente, sem qualquer culpa da Acuinova, acidentes, estreitamente relacionados com as responsabilidades do projetista Impulso e do construtor ACUPM, que condicionaram decisivamente as operações relacionadas com as respetivas instalações e degradaram profundamente a situação financeira da empresa”. E descreve de forma detalhada os “acidentes” que marcaram o arranque da produção.
O primeiro acidente aconteceu em abril de 2009 nos tubos 1 e 2 do emissário de captação e demorou um ano ser reparado. O segundo acidente dá-se em setembro de 2011 na caixa de união do emissário de captação 2, tendo provocado a morte de todos os peixes estabulados, tanto na Fase 2, onde ocorreu o acidente, como na Fase 1, por contaminação dos peixes na zona inicialmente não afetada. A mortalidade dos peixes só parou no final de 2012.
E, depois de iniciado um novo ciclo de cultivo, em janeiro de 2014, outro acidente: um arrancamento de tubos de PEAD (Polietileno de alta densidade) impossibilitou a utilização do emissário que permitia a passagem dos peixes da fase 1 para a fase 2 de crescimento. Este impedimento obrigou a retirar 878 toneladas de pregado, de pequenos calibre (600 a 800 gramas) que foram congeladas e vendidas a um preço muito baixo, porque o pregado congelado não tem grande valor comercial, dada a abundância deste peixe fresco.
O efeito destas falhas e acidentes fez-se sentir até pelo menos 2014, com impacto significativo na quantidade produzida e na qualidade do produto. Para além de todos os azares e acidentes, a casa-mãe, a empresa galega Pescanova, entrou em desequilíbrio financeiro por causa da contabilidade criativa que a obrigou a fazer um acordo com os credores. Em Portugal, os bancos tinham penhor sobre a unidade de Mira e três deles, incluindo a Caixa, cederam a sua titularidade ao fundo de capital de risco Oxicapital.
A fábrica portuguesa foi declarada insolvente este verão depois de ter entrado em Processo Especial de Revitalização (PER) no início do ano. O maior credor é o Estado português, que através do IFAP (Instituto de Financiamento da Agricultura e Pescas) reclama 58,7 milhões de euros de contratos de atribuição de apoios. Com a agravante de que estes créditos não foram reconhecidos pelo gestor judicial no quadro do PER.
Para o gestor judicial, as metas contratadas com o IFAP foram cumpridas porque a fábrica de engorda de pregado foi construída e esse era o objetivo contratualizado, logo não há lugar à devolução da ajuda. A empresa assegura que as irregularidades na produção invocadas pelo Estado não são sua responsabilidade. Diz ainda que o contrato não estabelece a obrigação de cumprir metas de produção, mas sim que a empresa “deve zelar” pela manutenção desses objetivos, o que terá sido feito.
Considerando que a unidade de Mira foi um investimento de 140 milhões de euros, o Estado português (ainda que contando com fundos comunitários) financiou 42% deste projeto.
O PIN que caiu e voltou a ficar de pé
Mas nem todos os PIN que correram mal acabaram mal. Houve um investimento estrangeiro de tecnologia avançada que conseguiu encontrar outro comprador depois de os investidores originais saírem de cena. Foi o caso da antiga Qimonda, a fábrica de semicontudores de Vila do Conde que foi para a insolvência no final da década passada. A unidade modelo começou por ser um investimento da Siemens feito no final do século passado. O gigante alemão vendeu esta área de negócio, a Infineon, numa oferta em bolsa em 1999. Anos depois, em 2006, foi a vez da Infineon destacar esta atividade, dando origem à empresa Qimonda com sede em Munique.
A recessão global terá sido a principal razão para o colapso do grupo alemão, que procurou sem sucesso um investidor que salvasse as suas operações. A falência da casa-mãe arrastou a unidade de Vila do Conde, que à data empregava mais de mil pessoas e era uma das maiores exportadoras.
Depois de a casa-mãe ter sido declarada insolvente, os maiores credores da unidade de Vila do Conde assumiram o capital e a gestão da empresa, que foi rebatizada Nanium. A AICEP ficou com 17,88% do capital, o resto foi dividido pelos bancos BCP e Novo Banco (BES) — cada com 41,06%, mantendo-se em operação. Este ano foi anunciada a venda da Nanium à empresa americana de tecnologia Amkor Techonology. A operação, disse o Executivo em comunicado de maio, assegura a manutenção de 55o postos de trabalho na unidade que se dedica a fornecer soluções de embalagens de semicondutores.
Atravessando dois ciclos de fundos comunitários, a unidade recebeu ajudas de cerca de 123 milhões de euros ao longo de mais de dez anos. Em comunicado, o Governo sublinha que a empresa recebeu apoios diretos do Estado ao investimento, por via dos programas Prime (2000-2006) e QREN (2007-2013). Acrescenta que o Estado recuperou os créditos que faltavam em relação aos incentivos concedidos no valor de 8,9 milhões de euros e que irá recuperar de forma gradual o capital investido, sem quantificar o valor.
Os PIN que ficaram pelo caminho
De acordo com números fornecidos pela AICEP, a agência pública que faz promoção do investimento, entre junho de 2005 e julho deste ano foram apresentadas 233 candidaturas ao estatuto PIN. Desta lista, menos de metade, 95, foram aprovados. Os outros 134 foram arquivados por várias razões:
- Não cumpriam os requisitos necessários à classificação de projeto de potencial interesse nacional;
- Deixaram de cumprir esses critérios a posteriori, tendo perdido a categoria de PIN;
- Falta de elementos necessários ao seu acompanhamento.
Dentro destas razões, sobretudo na primeira, há uma outra explicação de fundo: os proponentes desistiram por razões económicas ou estratégicas ou não conseguiram obter as licenças e autorizações necessárias para avançar.
Há outros projetos, 63, que são dados como não executados e que continuam a ser acompanhados com estatuto de PIN. Segundo os números da AICEP, correspondem a investimentos de 5.601 milhões de euros e a 23.244 empregos. A lista dos 95 PIN é pública e pode ser consultada, mas não nos dá informação sobre quais destes projetos estão em execução.
O Observador tentou obter junto da AICEP o valor dos apoios públicos atribuídos aos projetos PIN, mas sem resultado. A AICEP explica que os dois processos são autónomos. “Importa clarificar que o facto de um projeto ser reconhecido com o estatuto PIN não tem qualquer tipo de implicação na atribuição de incentivos financeiros. Para a obtenção destes, a candidatura é completamente autónoma da do regime PIN e é feita de acordo com a legislação específica junto das entidades competentes.”
Condições para ser PIN
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Um PIN deve ter um investimento igual ou superior a 25 milhões de euros, criar 50 ou mais empregos diretos e ter promotores de idoneidade reconhecida. Projetos podem ainda ser PIN quando asseguraram dois destes critérios:
- Investigação e desenvolvimento valem 10% da faturação da empresa
- Forte componente de inovação aplicada
- Manifesto interesse ambiental
- Forte vocação exportadora: pelo menos 50% das receitas no mercado internacional
- Produção relevante de bens e serviços transacionáveis.
Os PIN têm um gestor para acompanhar e dinamizar os procedimentos administrativos (licenças, autorizações) necessários à sua realização no mais curto prazo de tempo. O processo até à execução é monitorizado pela CPAI (Comissão Permanente de Apoio ao Investidor).
A listagem fornecida inclui os PIN, mas também todos os projetos que estão a ser acompanhados pela Comissão Permanente de Apoio ao Investidor (CPAI). A CPAI “monitoriza a tramitação procedimental que culminará em todas as licenças e autorizações necessárias para a implementação de determinado projeto”, explica a AICEP, que lidera a comissão. O seu acompanhamento centra-se “única e exclusivamente no acompanhamento de proximidade feito junto das diversas entidades envolvidas no licenciamento do projeto, esgotando-se no momento em que estejam reunidas as condições para a sua execução física”.
Da análise à lista dos 134 PIN que não saíram do papel, prevalecem os investimentos no setor do turismo e das energias. Mais de metade, cerca de 70, são projetos turísticos, sobretudo hotéis e resorts. Há cerca de 28 projetos na área da energia, entre a produção de biodiesel — uma atividade que esteve muito em voga quando o preço do petróleo escalou na segunda metade da década assada — e o fabrico de equipamentos ou produção de energias renováveis, das eólicas à fotovoltaica.
A listagem avançada pela AICEP apenas identifica o promotor e a atividade, mas alguns dos projetos que ficaram pelo caminho protagonizaram casos polémicos que foram notícia. Eis alguns deles.
O Parque Alqueva de José Roquette
Foi o maior investimento anunciado para as margens da barragem do Alqueva, no valor de mil milhões de euros. O projeto liderado por José Roquette, o dono da Herdade do Esporão, foi lançado em 2007. O Parque Alqueva previa a construção de dois portos de recreio — incluindo uma marina para 156 embarcações –, quatro campos de golfe, hotéis e aldeamentos turísticos com capacidade para 17 mil camas. Estes equipamentos iam ocupar uma área de 2.000 hectares distribuída por três núcleos, entre Reguengos de Monsaraz e a albufeira. Prometia criar mais de dois mil empregos.
As primeiras obras, desenvolvidas pela Sociedade Alentejana de Investimentos e Participações (SAIP), começaram em 2010, mas em 2012 a sociedade avança com um pedido de insolvência por falta de financiamento bancário com dívidas de 53 milhões de euros.
A empresa promotora responsabilizou a Caixa, um dos financiadores do projeto a par com o BPI, pelo fracasso das negociações para o financiamento. Na era da troika, o banco público exigia que Roquette avançasse com uma garantia pessoal para desbloquear o empréstimo necessário para a primeira fase. O empresário recusou.
Um dos credores era o Estado português, que chegou a pagar 7,2 milhões de euros em fundos europeus a este projeto PIN. No terreno ficaram investidos 22,5 milhões de euros para um campo de golfe na herdade de Roncão d’El Rei. Não foi possível saber se a entidade pública chegou a ser reembolsada pelo apoio. Em 2016, o processo de insolvência foi fechado por insuficiência da massa insolvente para pagar as custas do processo.
A refinaria de Patrick Monteiro de Barros
A subida do preço do petróleo e o aumento da procura de produtos refinados criaram o que parecia ser um ambiente favorável ao regresso do investimento em refinarias na primeira metade da década passada. A Europa, que andou a fechar unidades durante décadas, estava a importar gasóleo da Rússia e a exportar grandes quantidades de gasolina para os Estados Unidos.
Em 2005, Patrick Monteiro de Barros, um empresário próximo do Grupo Espírito Santo, anuncia a intenção de construir uma refinaria nova em Sines. Monteiro de Barros tinha sido acionista da Galp e queria voltar a entrar no negócio depois de ter vendido a sua refinadora independente nos Estados Unidos. A segunda unidade em Sines seria concorrente da Galp, apesar do objetivo assumido de exportar para o mercado americano. A refinaria Vasco da Gama foi um dos primeiros projetos a receber o selo PIN.
O investimento de 4.000 milhões de euros era a estrela de uma reconfiguração industrial do polo petroquímico de Sines e foi recebido de braços abertos pelo Governo. Mas as exigências de ajudas por parte dos investidores revelaram-se excessivas. Os promotores queriam receber licenças grátis para as emissões de CO2 e uma mega instalação de cogeração, cuja subsidiação via tarifas iria aumentar o preço da eletricidade.
O Governo ainda se dispôs a dar apoios de 800 milhões de euros, até 20% do total, entre terrenos e incentivos fiscais, mas o empresário reconfigurou o projeto, elevando o investimento e os apoios públicos para 1.200 milhões de euros, em dinheiro. Inaceitável, afirmou o então ministro da Economia, Manuel Pinho. O projeto cai em maio de 2006, com Monteiro de Barros a acusar o Governo de não cumprir o prometido no memorando assinado meses antes.
O mega projeto solar de Alexandre Alves
Era um investimento de 900 milhões de euros que ambicionava desenvolver toda a fileira de produção de energia solar. O projeto RPP Solar prometia criar 2.000 empregos em Abrantes através da construção de cinco unidades, que incluíam a construção de painéis fotovoltaicos e a transformação de silício em células.
O promotor era um empresário que tinha um passado mediático. Alexandre Alves foi acionista da Fnac, uma grande empresa portuguesa dos anos 70 e 80 que investiu em vários setores, desde o ar condicionado até aos media (foi acionista da TSF), mas que entrou em falência nos anos 90. Alexandre Alves ficou conhecido como o Barão Vermelho por duas razões: a paixão pelo Benfica e a proximidade ao Partido Comunista.
O projeto RPP Solar chegou a ver-lhe atribuído um incentivo do Estado, de 129 milhões de euros, e foi acarinhado pela autarquia, que investiu um milhão de euros na compra de terrenos para ceder ao promotor. Ainda foram construídos alguns edifícios, mas em 2013 a presidente da Câmara de Abrantes dizia à Lusa que a autarquia tinha retirado a licença ao projeto que nunca mais era executado. A crise financeira e económica de 2008 terá sido o argumento invocado por Alexandre Alves.
O Skylander aterrou, a Embraer levantou voo
O objetivo era ambicioso: construir um cluster de aeronáutica em Évora que teria como peça central uma fábrica de aviões. A iniciativa era de um grupo francês, GECI, que pretendia fabricar um avião bimotor turbo-hélice. A unidade representaria um investimento de 125 milhões de euros para fabricar mais de mil aviões entre 2011 e 2027. Iria criar 900 postos de trabalho diretos e ter um efeito de arrastamento sobre os fornecedores, assegurando três mil empregos. As negociações começaram com Durão Barroso e prosseguiram no Governo de José Sócrates, que atribuiu ao projeto o estatuto PIN em 2006. Mas em 2008, e depois de vários atrasos, os franceses desistem de fazer a fábrica em Portugal.
Basílio Horta, então presidente da Agência para o Investimento e Comércio Externo de Portugal (AICEP), foi ao Parlamento explicar este desfecho. “O projecto [Skylander] não se concretizou porque não tinha consistência. (…) “Não podemos dizer que perdemos este investimento porque, na realidade, este investimento nunca existiu. Era uma intenção”, afirmou Basílio Horta. Segundo o presidente da AICEP, o investidor exigia um “forte incentivo financeiro do Estado a fundo perdido”, que oscilava entre os 40 e os 60 milhões de euros. “Mas nós na AICEP não damos dinheiro fácil”, concluiu.
Foi-se o investidor, mas a ideia do cluster aeronáutico de Évora ficou e acabou por avançar com a Embraer. A empresa brasileira, que comprou as OGMA, investiu 150 milhões em duas fábricas de componentes para a aeronáutica na cidade alentejana e anunciou recentemente novo projeto. Estes investimentos foram projetos PIN e receberam apoios públicos relevantes.
Alfamar, o hotel que esteve para ser contrapartida dos submarinos
O Alfamar, um hotel na praia da Falésia em Albufeira, já tinha a classificação de PIN quando surgiu como moeda de troca num negócio entre o Estado português e a Ferrostaal, o fabricante alemão que forneceu os submarinos. Este foi um contrato polémico que envolveu investigações judiciais a suspeitas de corrupção na Alemanha e em Portugal. Por cá, uma das questões investigadas foi o incumprimento das contrapartidas contratualizadas com o Estado português e que exigiam investimentos alemães em Portugal da ordem dos 600 milhões de euros.
Em 2012, o então ministro da Economia, Álvaro Santos Pereira, assina novo acordo com o consórcio alemão, que envolvia um investimento de 150 milhões de euros na reconversão do Alfamar num resort de luxo. Este era o principal compromisso de um novo acordo para cumprir as contrapartidas. O projeto acabou por cair, pelo menos como contrapartida do contrato dos submarinos, e apareceu embrulhado na rede de operações reveladas no LuxLeaks, um caso que trouxe a público os generosos bónus fiscais concedidos a grandes empresas, via Luxemburgo.
A fábrica de baterias elétricas da Renault/Nissan
Em 2009, o construtor franco-japonês Renault Nissan anuncia a intenção de investir 156 milhões de euros numa fábrica de baterias para carros elétricos em Aveiro. O projeto, que seria instalado na unidade da Renault em Cacia, foi logo considerado PIN. O Governo português, ainda com José Sócrates, que esteve no lançamento desta unidade, estava comprometido com um plano pioneiro de mobilidade elétrica. Para além da criação da primeira rede nacional de postos de carregamento, a Mobi.e, havia um subsídio do Estado de cinco mil euros para incentivar a compra de carro elétrico por particulares. Um ambiente favorável que convenceu o construtor.
Com o resgate internacional, o Governo PSD/CDS arrefeceu muitos dos apoios à mobilidade elétrica e, no final de 2011, a Nissan suspendeu a construção de uma fábrica em Aveiro. O grupo justificou o recuo com a revisão dos planos, que levou à conclusão de que não seria necessária uma quinta unidade nova em Portugal.
A cidade da imagem em Sintra
O plano da Media Capital, a dona da TVI, era concentrar toda a estrutura logística e de conteúdos numa nova cidade cenográfica no concelho de Sintra. O investimento juntaria a área da informação — TVI, rádios e revistas — com a produção de conteúdos pela Pluricanal, que tinha adquirido a produtora NBP. O investimento rondaria os 40 a 50 milhões de euros. A candidatura a PIN foi recusada porque a agência para o investimento considerou que não ficou demonstrada a sustentabilidade ambiental e territorial do projeto, cuja localização inicial para o Casal da Granja envolvia áreas de reserva ecológica e reserva agrícola.
A Media Capital sinalizou que não ia desistir e chegou a ser assinado em 2011 um protocolo com a Câmara de Sintra para instalar o empreendimento numa zona de 50 hectares com até 12 estúdios e seis cidades cenográficas. A autarquia considerou que o projeto era de relevante interesse público, mas acabou por não se concretizar.