“De repente perco a minha avó, que era a minha melhor amiga. Como é que se lida com isso?” Sentada na receção do Hotel HF Fénix Music, em Lisboa, onde, nesta terça-feira, fez um showcase privado de apresentação do seu primeiro álbum, Isaura contou ao Observador que passou três meses sem saber como responder a esta pergunta. Três meses em que não fez “absolutamente nada”, apesar de ter começado a compor um disco meio ano antes. A reação à perda tornou Human completamente diferente do que tinha previsto quando começou a fazer o disco. E inspirou também a composição de “O Jardim”, tema que dedicou à avó, Zaida Lourenço, e que levou à última edição do Festival Eurovisão da Canção.
Quando começou a trabalhar no álbum, a cantora e compositora, atualmente com 28 anos, era já uma promessa da música portuguesa. Isaura já tinha passado por um programa televisivo, a “Operação Triunfo”, e editado uma primeira coleção de cinco canções originais. A aposta era já na canção pop eletrónica, à época muito marcada pelos sintetizadores. Eram canções de tom íntimo e delicado, mas com pulsação de pista de dança.
Para o álbum, Human — que poderá ser ouvido já a partir desta sexta-feira, dia 8 de junho — a ideia era incorporar elementos de outros géneros musicais, como o R&B digital e o hip-hop, mas também fazer canções de andamento rápido, algo festivas, aludindo a temas pessoais, como o seu percurso até aqui (“Don’t Give Up” e “High Away”), a dificuldade em gerir o tempo (“Busy Tone”) e a relação com o outro (“I Need Ya”).
Algumas dessas canções iniciais já estavam estruturadas quando Isaura perdeu a avó e acabaram por ficar no álbum. Mas o “lado B” do disco, como a cantora lhe chama, foi feito durante o último ano e reflete essa perda. Do sétimo tema (de 14) em diante, as canções são mais etéreas, menos luminosas e com alguns momentos de catarse. E os próprios títulos são disso elucidativos: “I Keep Persisting” (com participação do rapper Prof Jam), “I Miss You” e “Gone Now”, por exemplo.
[“Closer”, um dos ‘singles’ do novo disco de Isaura:]
“É-me natural usar a música como expressão do que se passa comigo, portanto foi natural começar a fazer outras canções”, explicou ao Observador a autora de “O Jardim”. É que a Isaura aconteceu “uma coisa com que toda a gente se identificará”: estava na “sua vida”, aconteceu algo que não planeou e teve “de lidar com isso, fazer o melhor com o que tinha.” “Tentei pegar em canções mais uptempo [de ritmo acelerado] que tinha pendentes e não consegui, não me apetecia fazer aquilo, não era o que estava a sentir, não tinha vontade”, revelou durante a conversa.
Se o luto acabou por ser a causa da dissonância entre primeira e segunda metade de Human, também levou Isaura de volta a um estilo de composição que lhe é mais confortável. Para as canções menos luminosas, requisitou menos o contributo de outros produtores (Diogo Piçarra, Karetus, Lhast e Fred Ferreira foram alguns dos que trabalharam nos arranjos do álbum) e assumiu a tarefa ela mesma. Precisamente porque as canções “mais nostálgicas, mais melancólicas” são-lhe “mais naturais”.
“Quando estou cheia de energia, a explodir de contente, não me apetece fazer música. Vou fazer outras coisas, estar com os meus amigos, dar uma volta. Quando procuro mais a música é quando estou mais pensativa, mais calminha. Embora vá contrariando isso. Pelo que estava a sentir, achei que fazia mais sentido ser eu a desenvolver aquelas texturas, indo buscar outros produtores para fortalecerem o lado mais rápido, mais pop, talvez um bocadinho mais comercial do álbum”, disse.
O resultado final foi um álbum com duas faces, não só pelo tom das canções (mais rápidas e efusivas na primeira metade, mais melancólicas e íntimas na segunda), mas também pela dificultar de o catalogar como um disco de música pop ou música alternativa. Há tempos, numa entrevista, Isaura dizia que a música que faz é considerada “alternativa” em Portugal mas é “pop mainstream” no Reino Unido e em Los Angeles. Talvez seja um pouco das duas. Ao Observador, confirmou que tem um pé em cada universo.
“Não sou muito alternativa nem muito comercial, estou ali no meio. E isso baralha as pessoas. Não faço música de um só género, desafio-me a testar vários. O disco passa pela pop eletrónica, synthpop e hip hop.” As suas canções, explicou, têm todas “estrutura de canção [pop]”. Os arranjos é que podem ser diferentes. “Claro que quero que as canções cheguem ao maior número de pessoas mas a intenção de que elas passem ou não passem em muitas rádios, que sejam mais ou menos comerciais, são coisas que tive de pôr um bocadinho de parte para poder fazer o que gosto e queria fazer.”
Rui Unas, duas fãs e “um dia mesmo bonito”
A primeira apresentação do álbum em palco, nesta terça-feira, dia 5 de junho, teve acesso limitado. Para o showcase no HF Fénix Music, Isaura convidou imprensa, família, amigos, alguns músicos que trabalharam no disco (estava presente a dupla Karetus, por exemplo) e outros colaboradores seus, como managers e funcionários da editora Universal Music Portugal, que lançou o disco. Afinado o som durante o soundcheck, desaparecido o sol que incidia fortemente no palco durante a tarde, Isaura começou a tocar as canções novas com a sua banda já depois das 19h.
“Muito obrigada por terem vindo. Sofro verborreia quando estou em palco, mas tenho de vos agradecer. Hoje é um dia especial para mim. Raramente reservamos um dia para festejarmos e ficarmos contentes. É um dia mesmo bonito, obrigada”, disse, entre canções. Entre o público estava, por exemplo, o humorista Rui Unas, que a entrevistou recentemente. No final, disse ter “gostado” do showcase, sobretudo pela vibe que a cantora transmitiu em palco.
Andreia e Margarida, de 19 e 21 anos, duas fãs que conseguiram acesso ao mini-concerto através de um passatempo no Facebook, também estavam entre a audiência. Ao Observador, as duas jovens admitiram que só conheciam os singles de antecipação do novo álbum e que estes “superaram as [suas] expectativas”. Andreia segue Isaura “desde que ela começou”, Margarida tornou-se fã mais recentemente, após a participação e vitória da artista e de Cláudia Pascoal no Festival da Canção, em março. “Só foi pena o resultado” na Eurovisão, admitiu a fã.
A canção ficou em último lugar na final, que decorreu no passado mês de maio na Altice Arena, em Lisboa. Não teve a pior pontuação de sempre na competição, mas quase: Isaura e Cláudia Pascoal receberam apenas 39 pontos. Um ano antes, Salvador Sobral saiu vencedor com 758.
Eurovisão: “Tinha esperança porque acho genuinamente que é uma boa canção”
Em conversa com o Observador, Isaura reconheceu que o resultado na final da Eurovisão, onde participou com o tema “O Jardim”, foi “pesado”, mas que a experiência “foi bonita, foi muito positiva”. “Pude mostrar uma canção em português, fazê-lo através da Cláudia [Pascoal] que a interpretou muito bem. Nem quando estava no sofá a ver as pontuações e me apercebi de que íamos ficar em último lugar, fiquei triste. Fiquei genuinamente contente com esta oportunidade e experiência, saí de lá muito mais rica”, admitiu, ainda que tenha tido esperanças de alcançar uma posição melhor na Eurovisão.
“Tinha esperança porque acho genuinamente que [‘O Jardim’] é uma boa canção. Se não achasse, não a tinha colocado nunca a concurso. Acreditava na canção. Ouvi as outras todas e acreditava que a nossa merecia um lugar aceitável, mas isso é a minha opinião pessoal. Só conseguimos ver o mundo do lugar que ocupamos”, afirmou, acrescentando que sabia que “ia ser difícil”. “É fácil saber ganhar mas também é muito importante saber perder”, disse ainda, mostrando-se “orgulhosa da canção e da interpretação da Cláudia”.
Dúvidas houvesse da qualidade da música que compôs e da prestação na grande final, quando o evento terminou, “tinha as redes sociais cheias de mensagens de pessoas a dizer que gostavam muito da canção”. “Pessoas fãs da Eurovisão mas também colegas de profissão, a convidarem-me para coisas, para termos projetos, para escrever para eles. Isso deu-me alguma validação do que tinha feito”, contou ao Observador.
Human, um virar de página
Human, o primeiro álbum, é um virar de página. Isaura sabe que, para o bem ou para o mal, a fama e a notoriedade podem ser passageiras, que é preciso trabalhar sempre mais e mais para conseguir resultados. E isso tem até muito mais importância do que o talento natural, afirmou ao Observador, recordando ainda que, na “Operação Triunfo”, tinha colegas que “acreditavam que a vida deles ia mudar [só] por aparecerem no programa”.
“O talento é quase irrelevante”, afirmou. “Sempre acreditei nisto: em qualquer coisa que nos predisponhamos a fazer, a persistência, a disciplina, o empenho e a forma como nos damos com os outros — se somos educados ou não, por exemplo — contam mais do que o talento. Conheço pessoas que têm uma voz incrível e uma presença gigante em palco e não têm disciplina nenhuma. Nunca fizeram nada com o talento que têm.”
Agora que concluiu o álbum e que está prestes a começar a apresentá-lo ao público, a cantora e compositora que em pequena já era eclética (ouvia Nirvana, música brasileira, Oasis e “música eletrónica muito duvidosa” que passava no canal de televisão alemão Viva), não tem nenhum plano concreto de futuro. Afinal, Isaura está “sempre a mudar” de gostos e influências — acredita que, daqui a um ano, “estará a fazer canções muito diferentes”. Mas uma coisa de que tem certeza — de que não quer abdicar da liberdade de fazer o que bem lhe apetecer.
[“Gone Now”, tema do novo disco de Isaura:]
É também por isso que quer continuar a conciliar a música com o emprego que tem a full-time que num “escritório virtual”, que lhe dá alguma flexibilidade para poder escolher horários, local de trabalho e que lhe permite concentrar-se em “fazer música que goste” e de que se orgulhe. Isto “sem ter de tomar decisões com base no dinheiro ou na necessidade de ter um salário”. E isso é o mais importante.