Martim Bello “já era grande” quando começou a jogar no Cascais. No râguebi não há espaço para lutas que não aquelas que se cingem ao contexto da competição. No entanto, para o internacional português, o râguebi e as artes marciais chegaram a ser realidades simultâneas. “Comecei a fazer jiu-jitsu, onde a placagem é uma maneira de atirar um adversário ao chão. Havia esse paralelo”. O avançado dos Lobos sempre deu prioridade ao râguebi, até que fez um ano sabático para se dedicar aos jiu-jitsu. Mas tudo voltaria a mudar.
O local de estágio de Portugal está agitado no dia anterior ao anúncio dos convocados para o segundo jogo do Mundial, contra a Geórgia (sábado às 13h em Toulouse). Martim Bello conversa com o Observador no meio do corrupio de membros do staff e outros jogadores e conta porque é que podia muito bem não estar ali.
Como é que começou a tua aventura no râguebi?
A minha aventura começou por causa do meu irmão que começou a jogar râguebi por causa do nosso media manager [da seleção]. O nosso media manager andava connosco na escola e jogava no Direito na altura. Ele levou uma bola de râguebi para a escola e o meu irmão achou graça àquilo e decidiu experimentar. Nós não fomos para o Direito, começámos a jogar em Cascais. Entrei no final da época e era sub-14 de segundo ano. Saltei logo para os sub-16. No ano a seguir é que comecei mesmo a jogar râguebi a sério.
Mas fazias outros desportos em paralelo?
Deixei de jogar râguebi durante um ano. Já há algum tempo que praticava jiu-jitsu.
Jiu-jitsu?
Não era uma atividade que fizesse frequentemente. O pai da minha namorada é que faz muito e é um grande praticante da modalidade e eu ia treinando com ele. Foi-me puxando um bocadinho. O meu grande foco foi sempre o râguebi, era na altura em que estava a jogar nos Sub-20 na Seleção, mas ia fazendo jiu-jitsu. Depois, desisti do râguebi e dediquei-me só ao jiu-jitsu durante um ano.
Não correu mal, diga-se. Martim começou com uma “gratificante” vitória numa competição local. Um teste mais a sério no campeonato nacional ditou a eliminação no primeiro combate, mas o melhor mesmo ainda estava para vir com o segundo lugar no Europeu. Impunha-se então uma pergunta.
O que te fez voltar?
Foi um bocado o destino. O jiu-sitsu, na altura da Covid-19, parou. Continuei a praticar em casa com o pai da minha namorada, porque ele montou lá todo um ginásio para continuar a praticar. Havia o fator de não poder competir e isso fazia-me falta. Na altura da Covid-19 havia a lei de que os desportos de Primeira Divisão podiam continuar a competir. Ou seja, o futebol podia e o râguebi também. Sentia falta do ambiente do râguebi e sentia principalmente falta de competir ao fim de semana. Essa foi a grande razão de ter voltado para o râguebi.
Martim Bello faz parte do lote de jogadores da Seleção Nacional de râguebi que não é profissional. O segunda linha que sempre jogou no Cascais encontra-se a terminar um mestrado em Engenharia Informática com especialidade em Inteligência Artificial e Robótica. O internacional português fez parte do XV inicial escalado pelo selecionador Patrice Lagisquet na derrota de Portugal contra o País de Gales por 28-8 no primeiro jogo no grupo C do Mundial de França. Desde 2007 que os Lobos não marcavam presença na competição. Da última vez que tal aconteceu, Martim ainda “nem sabia o que era uma bola de râguebi”.
O jogo contra Gales era por isso alvo de grande expectativa. Para os jogadores nacionais era difícil ter a noção real de qual o ambiente do Mundial. Uma vez que não jogaram na primeira jornada, os Lobos viram a maioria das equipas entrarem em campo antes. O nervosismo que a situação podia ter causado foi reduzido pelos muitos adeptos portugueses presentes em Nice, cidade onde se realizou o primeiro jogo.
A que é que soube a estreia no Mundial?
De um ponto de vista um bocadinho mais emocional e de expectativa como jogador, foi uma experiência inacreditável. Mesmo no dia antes, estivemos lá [no Stade de Nice] a fazer um treino, a ver o tamanho do estádio, a acústica. Já dava um bocadinho para perceber [a dimensão do Mundial]. No dia do jogo, chegar lá e já ver no autocarro que iam estar bastantes pessoas no estádio, pessoas à entrada a receber-nos… Foi sem dúvida uma sensação espetacular.
E em relação ao jogo contra o País de Gales?
O jogo em si, começámos bem, começámos com um bom ritmo. O País de Gales também. Tivemos uma oportunidade para marcar perto do início que não conseguimos capitalizar [Samuel Marques falhou uma penalidade nos instantes iniciais do jogo]. Não marcámos o ritmo do jogo logo no início e o País de Gales conseguiu fazer isso e capitalizar os nossos erros. Ou seja, do ponto de vista emocional fica uma experiência muito boa. Do ponto de vista mais desportivo e mais frio, queríamos mais, sem dúvida.
Contavam ter a onde de apoio que tiveram em Nice?
Tínhamos ideia. Muitas pessoas vinham apoiar os jogadores, muitas pessoas dos clubes. Se calhar, não tínhamos mesmo noção de que iam estar tantas pessoas no estádio. Eu nunca tinha tido essa experiência.
Em 2007, o momento do hino ficou marcado. Como foi para vocês?
É sempre especial. A sensação de cantar o hino é sabermos que estamos a representar a nossa nação e sabermos que, nesta ocasião em especial, estamos no maior palco do mundo do râguebi. Ali, o hino significa muito mais do que nas outras ocasiões. Foi uma experiência inacreditável.
Correu bem a terceira parte com os galeses?
Estivemos juntos depois do jogo. Cumprimentámo-los, como é normal num jogo de râguebi. Chegámos ao fim, fizemos corredor. Depois, cada equipa foi para o seu balneário e estivemos a falar entre nós. Depois, é que houve uma oportunidade para trocar camisolas e falar um bocadinho com os jogadores. Eles foram super simpáticos. Todo o espírito de guerra que há dentro do campo, fora de campo não existe. Trocámos experiências.
Os jogadores do País de Gales tinham noção de que vocês eram amadores?
Por estarmos num Campeonato do Mundo, não acredito que eles tenham pensado muito nisso. Não acredito que para eles fosse uma coisa a favor ou uma coisa contra. Eles vinham com uma missão e conseguiram. Para o público de fora ficou a ideia de que, apesar de sermos uma equipa maioritariamente amadora, temos um espírito de combate enorme e acho que somos uma equipa guerreira. Apesar de termos perdido, demos luta.
Em termos pessoais, que ambições tens ao nível râguebi?
Essa é uma boa pergunta para o final do Mundial. Agora, tenho bastantes coisas a acontecerem na minha vida. Vou-me casar, estou a acabar o curso. Ou seja, as decisões que faço agora são decisões que não vou tomar sozinho. Tenho que ver que portas o Mundial me pode abrir na minha carreira do râguebi. O râguebi em Portugal é muito amador e é difícil construir uma carreira.
Por só ter marcado presença uma vez no Mundial, Portugal tem uma série de registos inéditos por alcançar. O mais desejado é a primeira vitória de sempre na competição. Os Lobos têm sido cautelosos na maneira como têm abordado a questão, preferindo evitar afirmar de forma contundente que têm um jogo assinalado no calendário para cumprirem esse objetivo. O ranking diz que a Geórgia, 13.ª melhor equipa do mundo, apenas três lugares acima de Portugal, é o adversário mais apetecível para tentar o triunfo. Portugal tem a vantagem de conhecer bem o oponente, mas, da última vez que as duas equipas se encontraram, em março, na final do Rugby Europe Championship (o Seis Nações B de antigamente), a Seleção perdeu por 38-11. Este foi o último de 25 encontros realizados entre ambos os países. Portugual venceu apenas quatro duelos diretos com o adversário, sendo que a última vez que o Lobos triunfaram foi em 2005.
Martim Bello, ao contrário do que aconteceu contra o País de Gales, não está no XV inicial de Portugal para a partida que se avizinha contra os georgianos, cedendo o lugar a José Madeira. Esta é uma das quatro alterações que Patrice Lagisquet operou em relação à estreia. Vincent Pinto, que viu cartão vermelho contra os galeses, está suspenso por dois jogos e não pode contribuir, o que levou à entrada de Raffaele Storti. Em relação aos avançados, Diogo Hasse Ferreira vai render Anthony Alves, enquanto que, nos três quartos, Pedro Bettencourt vai entrar para o lugar de José Lima.
Ready. To. Go. ????????
Here is the @PortugalRugby lineup to face Georgia ????#RWC2023 | #GEOvPOR pic.twitter.com/XeSGkWZ6oD
— Rugby World Cup (@rugbyworldcup) September 21, 2023
O que há a melhorar contra a Geórgia?
Conseguimos criar coisas muito boas contra o País de Gales. Isto, dentro da equipa, é mencionado: conseguimos muitas vezes fazer o mais difícil e, depois, na altura de finalizar o que construímos, falhámos. Temos que ser muito mais clínicos no próximo jogo. Obviamente que sabemos que a Geórgia é uma equipa muito física, que utiliza muito bem os seus avançados. Esse é um aspeto que temos que estar in our A game.
Passada que está a estreia, sentem-se mais soltos para enfrentar segundo jogo?
Para muitos, essa primeira experiência já passou. Deu para perceber qual é o ritmo, com o que é que podemos estar à espera. Obviamente que isso ajuda a tirar os nervos antes do segundo jogo.
Por muita gente estar a olhar para a Geórgia como uma oportunidade para os Lobos conseguirem a primeira vitória existe uma pressão maior?
As pessoas apontam isso por causa da nossa história com a Geórgia. É uma equipa contra quem costumamos jogar todos os anos. Já nos batemos bem contra eles. Obviamente que é um jogo onde se podia especular um bocadinho mais se podíamos ganhar o jogo. Se isso acrescenta mais pressão? Não. Vamos com ambição de ganhar. Esse é o nosso objetivo.
Vocês próprios têm dentro do grupo este jogo referenciado?
Isso acontece por ser a equipa mais próxima no ranking e sermos duas equipas de Tier 2. As Ilhas Fiji também são de Tier 2, mas têm mostrado um excelente nível até com esta vitória contra a Austrália. A especulação que se tem metido neste jogo tem a ver com o facto de estamos mais perto no ranking e de sermos duas equipas de Tier 2.
Jogaram contra a Geórgia na final do Rugby Europe Championship. Esse conhecimento ajuda?
O facto de sabermos quais são os pontos fortes e, consequentemente, as coisas que a Geórgia faz menos bem, ajuda e é importante. É mais fácil para nós conseguimos adaptar o nosso jogo ao jogo da Geórgia, porque já jogámos com eles várias vezes. Sabemos o que fizemos bem contra eles e o que fizemos mal. Isso ajuda. Apesar de ser um jogo do Campeonato do Mundo, sabemos quais são as sensações lá dentro, qual é que é o ritmo.
O Mundial tem mostrado que as melhores equipas a confirmarem o favoritismo, vencendo com maior ou menor dificuldades os respetivos jogos. A maior surpresa aconteceu precisamente no grupo C, o mesmo onde está inserido Portugal, com as Ilhas Fiji a vencerem a Austrália por (22-15). Quem também esteve perto de causar uma surpresa foi o Uruguai que esteve a vencer a França e perdeu apenas por “simpáticos” 27-12.